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A Cartografia Histórica: do século XVI ao XVIII

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PERUVIA ID EST NOUI ORBIS PARS MERIDIONALIS À PROESTANTISSIMA EIUS IN OCCIDENTEM REGIONE SCI APPELLATA

O mapa com o título “Peruvia id est Noui Orbis pars Meridionalis à proestantissima eius in Occidentem regione sci appellata”, de autoria de Johann Bussemacher, foi feito no ano de 1598.

Segundo Isa Adonias, que o analisou em A Cartografia da região Amazônica, este mapa é folha destacada da Geographisch Handtbuch de Matias Quaden, Cologne, 1600, figurando também no seu Fasciculus Geographicus, Cologne, 1608. O Barão de Rio Branco o reproduziu em Frontières entre le Brésil et la Guyane Française. 1er. Mémoire du Brésil... VI – Atlas, Paris, A. Lahure, 1899, nº 43a.

O mapa de Johann Bussemacher retrata a América do Sul e a América Central; os atuais territórios do Brasil, Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina, Chile, Uruguai, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala, Cuba e o sul do México, além de uma pequena parte da África que aparece no canto direito do mapa.

Na carta onde o relevo é representado de forma pictórica, vários topônimos aparecem indicando regiões, cidades, rios, ilhas e ainda a indicação das missões jesuítas por todo o território.

A embarcação, no Mar do Sul, que indica a descoberta do Estreito de Magalhães, é acompanhada da seguinte legenda: “Prima ego veliuolis ambiva cursibus orbem, Magellane nouo te duce duc ta freto. Ambiui, meritóque vocor Victoria; funt mî vela, aloe, precium, gloria, pugna, mare”.

De acordo com Isa Adonias, antes mesmo de saberem da existência do Novo Mundo, Portugal e Espanha já o tinham dividido entre si pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494. O Governo português procurou honrar o compromisso quando instituiu o regime das capitanias hereditárias, mas as fronteiras ao norte e a oeste ficaram indefinidas, como conseqüência direta da ignorância geográfica do que havia além da estreita faixa litorânea.

Segundo Ronaldo Vainfas, o episódio do descobrimento do Brasil em 22 de abril de 1500 sempre foi motivo de grande polêmica na historiografia. A partir da Segunda metade do século XIX, e durante boa parte do século XX, a polêmica girou em torno das questões da primazia e da intencionalidade portuguesas no ato da descoberta. Importava saber em segundo lugar, se teria ocorrido intencionalidade lusitana na descoberta ou se, pelo contrário, havia sido ela casual, resultado de um desvio de rota na viagem da armada de Cabral para a Índia causado por tempestade no Atlântico, na altura da costa ocidental africana.

Após o descobrimento do Brasil, em 1500, a coroa portuguesa enviou durante três décadas, várias expedições encarregadas de reconhecer o litoral brasílico. Tais viagens ficaram conhecidas ora como expedições de reconhecimento, ora de exploração e, ainda, como expedições guarda-costas. Na verdade, a maioria dessas expedições fez um pouco de cada coisa: identificação da geografia para fins cartográficos e de navegação, escambo de pau-brasil com os índios, fundação de feitorias e defesa da costa contra a crescente presença dos entrelopos franceses, rivais no escambo do pau-brasil.

Ainda de acordo com Vainfas, a construção do território do que se poderia chamar de América Portuguesa foi tecida ao longo de três séculos e com flagrantes descontinuidades. A maior delas, sem dúvida, foi a iniciada com a União Ibérica, que unificou as duas Coroas ibéricas e seus territórios coloniais, entre 1580 e 1640. E foi durante o período da dominação filipina que o Brasil teve boa parte de seu território conquistado, a exemplo da expansão ao norte e ao sul, com a ocupação efetiva do Maranhão, de parte da Amazônia e do extremo sul.

Quanto às missões jesuíticas, que aparecem por todo o território representado na carta, podemos dizer que no início da colonização do Brasil, a tarefa de conversão dos gentios à fé católica colocava desafios inéditos para os religiosos. Ronaldo Vainfas esclareceu que desconhecendo as sociedades nativas, os europeus tinham a impressão de que os índios viviam “sem Deus, sem lei, sem rei, sem pátria, sem república, sem razão”. O grande mérito dos jesuítas, segundo este historiador, consistiu na percepção da humanidade dos nativos da América. E através dos colégios jesuítas, incentivou-se o desenvolvimento de procedimentos capazes de atingir a sensibilidade dos nativos, aproximando-os da cultura cristã. Esta estratégia assentava-se em três convicções básicas: a de que os índios eram tão capazes dos sacramentos quanto os europeus; a de que os índios eram “livres por natureza” e a de que tinham o caráter de um “papel branco”, em que poderia ser impressa a palavra de Deus. Com estas diretrizes, os jesuítas buscaram na catequese, antes de tudo, a mudança de alguns costumes ameríndios, incompatíveis com a fé católica, como a poligamia e a antropofagia, e para isso, fizeram largo uso da música, da dança, dos autos religiosos e das procissões. Ao contemporizar com alguns modos indígenas, esperando, como argumenta Serafim Leite, tornar mais factível a pregação do Evangelho, revelavam agudo senso prático e compreensão da distância que separava as culturas tão diferentes.

Com o tempo, diante dos conflitos com os colonos, que viam nos indígenas uma força de trabalho pouco onerosa, e a partir do desenvolvimento de uma pedagogia, elaborada nos seus colégios, conceberam a idéia de agrupar grandes contingentes de nativos em aldeias relativamente isoladas dos núcleos urbanos, como meio de fazer avançar sua atividade apostólica. Impondo-lhes fainas agrícolas e artesanais contínuas, intercaladas com momentos de lazer e oração, os jesuítas levaram às últimas conseqüências seu projeto missionário, cuja tônica era mais civilizacional do que religiosa.

Vainfas salientou que a Coroa apoiou a organização desses aldeamentos, cuja expressão final foi o Ressurgimento das Missões (1686), que somava à jurisdição espiritual o privilégio de administra-los temporalmente. Essa política converteu-se, de um lado, em motivo de tensão permanente para os colonos, sempre ávidos de mão-de-obra indígena. De outro lado, ao fixar populações seminômades e alterar radicalmente seu modo de vida, os aldeamentos desarticulavam as culturas indígenas, o que foi objeto, de forte crítica historiográfica.


REFERÊNCIAS

ADONIAS, Isa. Mapa: imagens da formação territorial brasileira. Rio de Janeiro: Odebrecht, 1993.
_____________ A Cartografia da Região Amazônica. Catálogo descritivo: 1500-1961. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 1963.
CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1957.
LEITE, Serafim S. Breve história da Companhia de Jesus no Brasil, 1549-1760. Braga: Apostolado da Imprensa, 1993.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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