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A Cartografia Histórica: do século XVI ao XVIII

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"PROSPECTO DA CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO”, “PLANTA YDOGRAFICA DA FAMOZA BAHIA DO RIO DE JANEIRO” E PLANTA DA CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANE[IRO]

Os três mapas representados numa mesma folha foram feitos por Luís dos Santos Vilhena em 1775. O primeiro mapa tem o título: “Prospecto da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: situado no Brasil na América Meridional pelos 23 graos de latitude e 342 graos e 22 minutos de longitude meridional. Copiado exatamente do que se deixou em 1775”; o segundo mapa tem o título: “Planta ydografica da famoza Bahia do Rio de Janeiro dentro da qual em a sua margem se acha situada a cidade de São Sebastião: demostrão se a entrada da sua barra, ilha que a dentro e fora bem com os seus rios que do continente vêm desaguar neste lago de que em partes sem astras as braças que têm fundo”; e o terceiro mapa tem o título: “Planta da cidade de São Sebastião do Rio de Jane[iro]”.

O primeiro mapa é uma vista panorâmica da entrada do Rio de Janeiro pela baía de Guanabara, descrevendo desde a ponta do Calabouço (antigo forte de São Tiago, atual Museu Histórico Nacional) até o mosteiro de São Bento. Ele inclui legenda dos pontos demarcados no mapa: 1 – forte de São Tiago; 2 – Misericórdia; 3 – hospital; 4 – quartéis; 5 – trapiches; 6 – colégio que foi dos jesuítas; 7 – forte de São Sebastião; 8 – Nossa Senhora do Desterro; 9 – São José; 10 – relação e cadeias; 11 – Palácio dos Vice-Reis; 12 – Convento do Carmo; 13 – Praça do Palácio com sua fonte; 14 – casa de água da Glória; 15 – Nossa Senhora da Lapa; 16 – Santo Antônio; 17 – capela dos Terceiros de São Francisco; 18 – Igreja da Cruz; 19 – Alfândega; 20 – hospício; 21 – Candelária; 22 – São Pedro; 23 – São Domingos; 24 – Santa Rita; 25 – Palácio da residência dos Bispos; 26 – forte da Conceição; 27 – Convento de São Bento; 28 – Ilha das Cobras; 29 – Ilha dos Ratos; 30 – Praia do Peixe; 31 – Corcovado; 32 – Montes.

O segundo mostra da Glória até a Saúde, incluindo uma legenda dos pontos demarcados no mapa: 1 – Nossa Senhora da Glória; 2 – seminário; 3 – freiras d’ Ajuda; 4 – seminário de São José; 5 – Convento dos Barbonios; 6 – Sé Velha; 7 – colégio dos Jesuítas; 8 – forte de São Sebastião; 9 – hospital da Misericórdia; 10 – forte de São Tiago; 11 – Carioca; 12 – Convento dos Franciscanos; 13 – Rosário dos Pretos; 14 – Sé Nova; 15 – São Domingos; 16 – Bom Jesus; 17 – Palácio dos Bispos; 18 – forte da Conceição; 19 – Convento e Quinta de São Bento; 20 – Santa Cruz; 21 – Nossa Senhora da Lapa; 22 – Palácio dos Vice-Reis; 23 – ponte que se mudou do meio da praça; 24 – São José; 25 – Convento do Carmo; 26 – Nossa Senhora da Ajuda; 27 – Hospício dos Pardos; 28 – São Pedro; 29 – Santa Rita; 30 – Candelária; 31 – Nossa Senhora da Saúde; 32 – Ilha das Cobras; 33 – freiras do Desterro; 34 – canos da Carioca; 35 – forte São Januário; 36 – Valongo; 37 – Prainha; 38 – Praia do Peixe; 39 – Casas da Junta; 40 – Arcos antigos da Carioca; 41 – Alfândega; 42 – “volta por onde o cano deságua”; 43 – “cano subterrâneo por onde vai água para as fontes”; 44 – campos de São Domingos.

O terceiro mapa mostra a Glória, o morro Dois Irmãos, Nossa Senhora de Copacabana, a Ilha de Cutunduba, a Ilha de Villegagnon, a Ilha das Cobras, a cidade do Rio de Janeiro, São Cristóvão, a ponta do Caju, a Ilha do Governador, os rios: Irajá, Sarapui, Ignassu, Inhomirim, Magé, Guapimirim, Macacu e Guaxindiba, Nossa Senhora das Neves, a aldeia de São Lourenço, a lagoa de Piratininga e a ponta de Itaipu.

No que tange à contextualização histórica, devemos salientar que Nicolau Durand de Villegagnon (1510-1572) recebeu de Henrique II o título de vice-almirante da Bretanha. Em 1550, ele traçou planos para estabelecer uma colônia na baía de Guanabara, contando com o apoio do almirante Coligny, chefe do partido protestante, inspirou a política colonial da França e defendeu a idéia de um estabelecimento permanente e fortificado e permanente na América do Sul, além disso, vislumbrava um lugar onde os huguenotes viveriam livres da perseguição religiosa. De acordo com a historiadora Armelle Enders a baía do Rio de Janeiro prestava-se a este projeto, pois ficava situada na rota do estuário do rio da Prata e, conseqüentemente, do Alto Peru e de Potosí, cujas minas eram exploradas pelos espanhóis desde 1545.

Houve contribuição de Henrique II que incentivou a conquista, segundo Sérgio Buarque de Holanda, o rei cedeu a Villegagnon recursos financeiros, duas naus bem artilhadas, além de abundante artilharia, pólvora e tudo quanto fosse preciso para a construção e defesa de um forte. Os franceses tiveram o apoio dos índios Tupinambás que, junto com outras nações indígenas, guerrearam contra os portugueses. A união das tribos indígenas contra os portugueses ficou conhecida como a Confederação dos Tamoios.

Em 1555 fundou-se a França Antártica. A partir desta data, Villegagnon ganhou o título de vice-rei do Brasil, e ordenou a construção do forte de Coligny. A França Antártica viveu dilacerada pelas disputas teológicas em torno da eucaristia. Os católicos defendiam a eucaristia como real transubstanciação do corpo de Cristo, e os huguenotes consideravam-na apenas o seu valor simbólico. Segundo Ronaldo Vainfas, as querelas finalizaram com a perseguição do credo reformado e a morte dos dissidentes.

Os escritos protestantes consideravam a tolerância religiosa inicial como meio de reunir capitais e ludibriar os calvinistas, os católicos, em contrapartida, acreditavam na sinceridade e na tolerância de Villegagnon. Ele regressou à França para explicar os acontecimentos, permanecendo seu sobrinho, Bois-le-Comte, no comendo da França Antártica.

É importante destacar que Mem de Sá, o terceiro Governador Geral, veio para o Brasil com três metas bem definidas: pacificar a administração, atenuando os conflitos entre indígenas e colonos; restabelecer as relações com o Bispado, estremecidas durante o governo anterior e expulsar os franceses do Rio de Janeiro. Em um breve espaço de tempo atingiu as duas primeiras metas. A expulsão dos franceses só se efetivou em 1567.

A primeira expedição organizada por Mem de Sá contra os franceses ocorreu em 1560, com a destruição do forte de Coligny, eles foram expulsos temporariamente da baía de Guanabara. Em 1563 a Metrópole enviou reforços consubstanciados na expedição de Estácio de Sá. Em 1º de março de 1565, Estácio de Sá fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, que serviria inicialmente de base na luta contra os franceses e seus aliados indígenas.

A luta com os franceses prosseguiu até 1567, quando Estácio de Sá recebeu reforços militares e ajuda de índios, chefiados por Araribóia, adversário dos tamoios e aliado dos portugueses. Por seu lado, os jesuítas, liderados por Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, pacificaram os índios tamoios de São Vicente, fazendo com que retirassem seu apoio aos franceses, em troca da promessa de não serem mais atacados e nem escravizados. Sem esse apoio, os franceses diminuíram a sua resistência, sendo definitivamente expulsos do Rio de Janeiro.

Em 1572, após a morte de Mem de Sá, o governo português dividiu o Governo Geral do Brasil em dois: o do norte, com sede em Salvador, e o do sul, com sede no Rio de Janeiro. Pretendia, com essa medida, organizar melhor a administração da Colônia, fortalecer a ocupação do Rio de Janeiro e de São Vicente, sempre ameaçadas pelos franceses e espanhóis, e estimular a penetração para o sul e o interior. Sem ter atingido plenamente seus objetivos, a Coroa portuguesa resolveu, em 1578, unificar, novamente, a administração da Colônia.

Após a morte do fundador, o novo capitão e governador da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi outro parente de Mem de Sá, cuja família – Correia de Sá – dominou o Rio de 1565 aos anos 1660.

Com o fim das ameaças e o crescimento da população, São Sebastião se estendeu pouco a pouco. Surgiram casas nos morros vizinhos de São Bento, Santo Antônio, da Conceição.

No século XVII, diluiu-se a oposição entre a cidade alta e a cidade baixa, típicas de outras fundações portuguesas. As primeiras ruas ligavam um morro a outro, desenhando um quadrilátero do qual a cidade levaria muito tempo para escapar. Dessa forma, se esboçou a rua Direita (atual Primeiro de Março), entre o pé do Castelo e o de São Bento, onde em 1628, os beneditinos erigiram um convento. Em 1641, a parte urbanizada se estendeu até a rua da Vala (atual Uruguaiana). Durante muito tempo, esta última não passava de um fosso concebido para drenar o pântano estagnado ao pé do morro de Santo Antônio, assim como imundícies da povoação.

Ao longo do século XVIII, o centro de gravidade da América portuguesa desviou-se do Nordeste para o Sudeste, e o Rio de Janeiro se impõe pela vontade real, como a principal cidade brasileira. Cabe ressaltar que seu progresso aconteceu em virtude de sua função militar, uma vez que a partir do Rio de Janeiro que os portugueses colonizaram o sul do Brasil e dirigiram as hostilidades contra os espanhóis do rio da Prata. A cidade também repousa sobre a descoberta do ouro de Minas Gerais, como rota obrigatória.

Com a elevação do Rio de Janeiro à dignidade de capital, o coração da cidade se fixou duradouramente ao redor do largo da residência dos vice-reis, desembocando na rua Direita.

Na segunda metade do XVIII, o Rio de Janeiro ultrapassou o recinto imaginário formado por seus quatro morros originais. As transformações da cidade eram também de ordem intelectual. Após alguns anos do aparecimento de sociedades eruditas em Lisboa , mentes ilustradas do Rio de Janeiro abriram na cidade Academias mais ou menos efêmeras.


REFERÊNCIAS

ADONIAS, Isa. Mapa: imagens da formação territorial brasileira. Rio de Janeiro: Odebrecht, 1993.
BRASIL, Assis. Villegagnon, paixão e guerra na Guanabara: da França Antártica à fundação do Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
ENDERS, Armelle. História do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002.
MARIZ, Vasco. Villegagnon e a França Antártica: uma reavaliação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira : Biblioteca do Exército editora, 2000.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Franceses, holandeses e ingleses no Brasil quinhentista” In: HGCB. 7.ed. São Paulo: Difel, 1985. t.1, v.1, pp.147-167.
SILVA, Cyro. Franca Antártica. Rio de Janeiro: s.n, 1980.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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