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Cidade Marina – a miragem de Oscar Niemeyer para o sertão mineiro

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Colônia Agropecuária do Menino – oásis para produção

por Gabriel Oliveira
Além de sua ligação com princípios estéticos e formais que acompanhavam o momento de ascensão da arquitetura moderna no país, o projeto da cidade Marina, como vimos, estava atrelado a uma proposta de planejamento de funções agropecuárias regionais baseadas territorialmente no noroeste de Minas Gerais. Isso se daria em harmonia estratégica com o projeto de Brasília, então nova capital federal, que seria construída a apenas 200 km do Vale do Rio Urucuia. O argumento a favor da iniciativa, levantado pelos periódicos naquele período, postulava que as terras da região possuíam grande fertilidade e disponibilidade hídrica – contando não apenas com uma generosa bacia hidrográfica, mas com a possibilidade de contar com projetos de irrigação. Marina, assim, poderia se tornar a “futura princesa da produção agropecuária” (Última hora, 1957).

No tocante à concepção das áreas de fazenda e ao planejamento do desenvolvimento agropecuário do projeto, Paulo Peltier Queiroz teve participação central. Em consonância com outros projetos que visavam a recuperação e a valorização das terras da bacia do Rio São Francisco, o de Marina foi traçado com intenso foco nas áreas que circundariam a cidade, tendo como bases técnica e ideológica o diálogo prospectivo entre Oscar Niemeyer e Peltier, no sentido de transformar um antigo e improdutivo latifúndio em um conjunto de áreas rurais destinadas à produção (A Noite, 1955c).



Figura 1 - Publicidade na Revista Manchete, com a planta geral da área da Colônia Agropecuária do Menino. Na imagem é possível verificar a divisão dos loteamentos destinada às fazendas e, ao centro, o espaço onde seria construída a cidade.

Na edição 25 de junho de 1955 do diário carioca A Noite, a “Colônia Agropecuária do Menino” era apresentada como uma possibilidade efetiva de se contribuir “pacificamente” para a reforma agrária no país, a partir da “divisão racional das terras em pequenas e grandes propriedades cientificamente tratadas e assistidas por técnicos competentes” (A noite, 1955a). Como noticiava o jornal, a área de 90 mil hectares da Fazenda Menino se transformaria rapidamente em um “parque agrícola e industrial em franco desenvolvimento” (A Noite, 1955a).

Dirigida pelo mesmo Paulo Peltier até 1954, a Comissão do Vale do Rio São Francisco já havia aprovado e iniciado a construção de diversas rodovias na região, cujas ligações poderiam alimentar uma cadeia de integração entre áreas da colônia agropecuária e importantes municípios vizinhos em Minas Gerais, como Paracatu, Formosa, São Romão, São Francisco, Pirapora, Paracatu, Januária e Montes Claros. Além disso, era intuito dos “pioneiros” da colônia construir uma linha de transmissão pela central hidrelétrica de Pandeiros[1], a 60 km dali, para suas terras. Com isso, cidade Marina e as fazendas circundantes da colônia se constituiriam naturalmente como um centro de convergência de toda a produção da região, uma “órbita de influência” de distribuição comercial e industrial (A Noite, 1955e)[2].

O clima da região, por sua vez, era apresentado na mídia impressa brasileira como “ideal”, indicado inclusive para a produção de oliveiras, uvas, figo e outros frutos europeus: “pujante de seiva, o seu solo oferece pastos nativos de excelente qualidade para criação de gado, ovelhas, cabritos, leitões, etc” (A Noite, 1955e). Esse “oásis verde” para produção agropecuária, pintado pela imprensa, colocava o Vale do Rio Urucuia como um verdadeiro “manancial de riquezas inexauríveis”, da mesma forma como eram enxergadas diversas terras do interior do Brasil naquele período, em outros estados. O Cerrado, na região central do país, assim como a Amazônia, ao norte, se apresentava como o “hinterland” a ser conquistado.



Figura 2 - Manchete do periódico A Noite revela a expectativa dos veículos de imprensa em relação à Colônia Agropecuária do Menino: “Eldorado do Médio São Francisco”.



Figura 3 - Nesta outra edição de A Noite, o engenheiro Paulo Peltier apresenta com mais detalhes a proposta, incluindo o plano para a subdivisão do latifúndio, com o montante de mil fazendas a serem comercializadas.

Em um momento ainda anterior à construção de Brasília, as terras do noroeste de Minas Gerais eram representadas pelos periódicos como depositárias das “benesses da civilização e do progresso” (A Noite, 1955d), onde os olhos de todo o Brasil estariam “debruçados” (A Noite, 1955e), ou ainda como “terra de Canaã” (A Noite, 1955a), “berço de ouro” (A Noite, 1955b) e “eldorado” (A Noite, 1955d) nacionais. Contudo, a exaltação de tais características do ponto de vista dos aspectos físicos, hidrológicos, climatológicos e ambientais, enfatizados em boa parte dessas publicações, podem também ajudado a levantar dados enviesados e esperanças precipitadas em relação ao contexto geográfico onde seria construída a cidade.

 

[1] A Central Elétrica de Pandeiros, inaugurada em 1957, foi uma iniciativa da Comissão do Vale do São Francisco, contando com o apoio direto de Juscelino Kubitschek.

[2] As possibilidades de produção foram apresentadas pela imprensa com “vasto círculo de perspectivas”, conforme A Noite: “Empresas de transportes, coletivos de várias procedências, consultam a respeito da veiculação de mercadorias num sistema urbano, rural e interestadual. Indústrias de conservas, laticínios, frigoríficos, serrarias, olarias, cerâmicas, de óleos vegetais e de fibras, fabricantes de sacos de aniagem, industriais de novelaria e refrigerantes (...), todos se entusiasmaram e pediram esclarecimentos à firma realizadora da colônia do Menino e da cidade de Marina, desejando instalar-se ali com urgência, na cristalização de um largo programa de fornecimentos à futura capital do Brasil (A Noite, 1955e).

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