BNDigital

Coleção D. Thereza Christina Maria - Álbuns fotográficos

< Voltar para Dossiês

A fotografia no século XIX

por Joaquim Marçal Ferreira de Andrade


O Papel do papel: um breve ensaio acerca da relevância da fotografia em papel albuminado no século XIX

Primórdios da Fotografia

As décadas de 1820 e 1830 marcam o surgimento dos primeiros processos fotográficos, após um longo período de gestação, que durou alguns séculos. A quase imediata expansão da fotografia em termos globais, sua assimilação por diferentes culturas e sua rápida apropriação pelos mais distintos campos do conhecimento nos demonstram estarmos diante de um fenômeno que merece integrar a galeria dos grandes inventos da história da modernidade. Segundo William M. Ivins, Jr., "(...) é através da fotografia que arte e ciência provocaram seus efeitos mais impressionantes sobre o pensamento do homem comum contemporâneo. Sob diversos pontos de vista, a história das técnicas, da arte, da ciência e do pensamento podem ser divididas, de maneira apropriada e convincente, em seus períodos pré e pós-fotográficos."

A fotografia nasce do anseio por uma representação mecânica, supostamente mais objetiva, da realidade visual. Suas origens no ambiente positivista da Europa do século XIX, onde atuaram quase todos os seus precursores, que utilizavam a câmera obscura e a câmera lúcida para "copiar" o que viam, têm sido intensamente pesquisadas e discutidas em décadas recentes. Muito já se conhece, também, sobre a contribuição daqueles que, durante os três séculos anteriores - a que denominamos período da pré-fotografia 0 acumularam práticas, observações e descobertas nos campos da física e da química, cujo somatório culminou no surgimento da fotografia, através de diversos pesquisadores que investigavam simultaneamente processos distintos em localidades também distintas.

Neste sentido, começaríamos relembrando as experiências do inglês Thomas Wedgwood, assistido por Humphry Davy e que produziu, em 1802, cópias-contrato de folhas e outros objetos sobre papel sensibilizado com nitrato de prata sem, no entanto, descobrir uma fórmula para fixar tais imagens. Mais à frente, lembraríamos do francês Joseph-Nicéphore Niépce, conhecedor da litografia e inventor de um processo de reprodução denominado heliografia - que possibilitava a multiplicação de imagens através de um sistema muito similar a outros processos de gravura então conhecidos - e autor da primeira imagem capturada através da utilização de uma câmera obscura equipada com uma objetiva. Obtida em 1826 em sua cidade natal, Chalon-sur-Saône, essa imagem resultou do endurecimento do betume da judéia pela ação da luz - diferentemente do escurecimento das emulsões fotográficas à base de sais de prata, que viriam a possibilitar o desenvolvimento da fotografia propriamente dita, pouco tempo depois.

Em seguida, vale lembrar da descoberta isolada da fotografia havida em nosso país, em 1833 - seis anos antes, portanto, da primeira patente de um processo fotográfico ser requerida na Europa. Hercules Florence, cidadão francês radicado na Vila de São Carlos (hoje Campinas), São Paulo, não apenas desenvolveu e testou com razoável sucesso um processo fotográfico rudimentar, como também cunhou a própria palavra que o denomina photographie.

Interessado que estava em outros inventos relacionados à reprodução impressa, Florence não levou à frente suas pesquisas com o empenho requerido e acabou se frustrando quando, em 1839, tomou conhecimento de notícias chegadas da Europa que davam conta da invenção do daguerreótipo. Em 26 de outubro de 1829, publicou no jornal paulistano A Phenix um comunicado esclarecendo sua posição quanto à descoberta da fotografia na Europa, comunicado este que foi transcrito no Jornal do Comércio de 29 de dezembro do mesmo ano.

A daguerreotipia mencionada acima, era um dos processos fotográficos que vinham sendo desenvolvidos naquele período, tendo sido inventada pelo francês Louis Jacques Mande Daguerre, em colaboração com Joseph-Nicéphore Niépce e seu filho Isidore Niépce. Em 19 de agosto de 1839, numa sessão conjunta das Academias de Ciências e de Belas Artes, em Paris, ocorreu o anúncio da invenção do daguerreótipo. A patente do invento foi adquirida pelo governo francês e "doada à humanidade", tendo se disseminado rapidamente pelo mundo. Consiste numa chapa de cobre, prateada através de um processo eletrolítico (galvanoplastia) e depois polida até se tornar um espelho. Sensibilizada a partir da exposição aos vapores de iodo, era então colocada na câmara e sobre ela se formava a imagem fotográfica latente, depois revelada, com vapores de mercúrio - que atuavam sobre as áreas atingidas pela luz - tornando-se um amálgama de mercúrio e prata, visível. Por se tratar de um artefato extremamente frágil, a chapa, depois de fixada, lavada e seca, era sempre vedada num estojo, sendo recoberta por uma placa de vidro. Embora as imagens assim obtidas possuam alta qualidade, sua visualização é dificultada devido à superfície espelhada. Ademais, a imagem possui a lateralidade invertida e é única, ou seja, não pode ser multiplicada, devido à inexistência do negativo.

Quatro anos antes daquela patente, no entanto, outro importante processo já vinha sendo desenvolvido pelo inglês William Henry Fox Talbot que, no entanto, só retomou suas investigações após tomar conhecimento do anúncio do daguerreótipo. Em 1840 descobriu a imagem latente - que se torna visível por meio da revelação, possibilitando assim uma acentuada redução (para apenas 1 minuto, em média) do tempo de exposição necessário para a tomada das fotografias. Talbot patenteou finalmente o seu processo em 1841, sobre o qual passou a exigir o pagamento de direitos autorais, em alguns países. Trata-se do calótipo ou talbótipo, um negativo de papel, que após o processamento (revelação) era encerado para tornar-se mais transparente, sendo em seguida prensado contra um outro papel sensibilizado, sob uma placa de vidro e exposto à luz do sol, possibilitando assim a obtenção de uma cópia fotográfica (positiva) em papel salinizado ou papel salgado - assim designado porque o banho inicialdo papel era mesmo numa solução de cloreto de sódio, o conhecido sal de cozinha. Viabilizou-se, ali, a reprodutibilidade na fotografia, tal como o conhecemos e praticamos até os nossos dias: o original, ou matriz, é o negativo, a partir do qual podemos gerar um número infinito de cópias positivas, todas de igual qualidade e valor. A fotografia tornou-se, assim, um múltiplo.

As imagens proporcionadas pelo calótipo, no entanto, não tinham a mesma qualidade e nem exerciam o mesmo fascínio daquelas obtidas através dos daguerreótipos. As fibras constituintes do negativo de papel acabavam por prejudicar a impressão do positivo, que tinha uma aparência granulada, sem precisão nos detalhes, (aquilo que hoje denominamos resolução da imagem) e uma coloração amarronzada e fosca.

Voltemos agora ao Brasil. Já em 17 de janeiro de 1840, o abade francês Louis Compte, capelão do L´Orientale, navio-escola franco-belga que dava a volta ao mundo e chegara há pouco da Europa, produziu os primeiros daguerreótipos de nosso país, todos na região central da cidade do Rio de Janeiro. Apresentado ao novíssimo processo, D. Pedro II - à época, com apenas 14 anos e às vésperas da antecipação da sua maioridade - interessou-se de imediato, providenciando logo a aquisição de um equipamento para seu próprio uso e melhor compreensão do processo, e tornando-se assim o primeiro cidadão brasileiro a tirar uma fotografia."

É a partir daí, então, que se inicia a produção das imagens fotográficas de nosso país, hoje conhecidas. Alguns dos primeiros fotógrafos que chegaram ao Brasil, vindos da Europa ou da América do Norte, eram viajantes, verdadeiros aventureiros, que percorreram diversas cidades de nossa costa antes de seguir rumo ao cone-sul, chegando em seguida ao oceano Pacífico e subindo o outro lado do continente. Outros se estabeleceram - alguns por curto período (muitas das vezes em alguma empreitada específica de documentação fotográfica), outros por mais tempo, outros ainda por toda a vida.

Com o passar das décadas, surgem também os primeiros fotógrafos brasileiros. Embora a fotografia brasileira do século XIX tenha alcançado excelente nível de qualidade, sua produção é incomparável, em termos quantitativos, com aquela de outros países onde a situação econômica e social era mais favorável, possibilitando o seu consumo por maiores contingentes da população.

A evolução da tecnologia da fotografia

A tecnologia da fotografia evolui e se diversifica com espantosa rapidez nas décadas que se seguem às primeiras invenções. Paralelamente à disseminação do daguerreótipo, nos anos 1840, a produção de calótipos (os negativos de papel) também avança, não só na Grã-Bretanha (em especial na Inglaterra e Escócia) mas também na França, onde surgem vários grandes fotógrafos que se dedicaram à documentação de edifícios e monumentos, sob o patrocínio do próprio governo. Alguns franceses, como Gustave Le Gray e Louis-Désiré Blanquart-Evrard, realizaram ainda importantes desenvolvimentos técnicos no sentido de melhorar a qualidade e a produtividade dos calótipos. Já estava claro, àquela época, que o futuro da fotografia residia nos processos que possibilitavam a sua múltipla reprodução, a partir de um negativo ou outro tipo de matriz.

Anos depois da implantação do primeiro processo negativo-positivo - inventado por Fox Talbot nos anos 1830 mas só patenteado em 1841 - outro inglês, Frederick Scott Archer, obteve sucesso em 1850 ao utilizar um líquido viscoso, o calódio (nitrato de celulose ou nitrocelulose, diluído em éter e álcool) para aderir a emulsão de sais de prata em uma placa de vidro, desenvolvendo assim o negativo de vidro de colódio úmido, também conhecido como chapa úmida. Desta maneira, estava resolvido o problema causado anteriormente pela interferência das fibras da celulose quando se copiava um negativo de papel - a qualidade desses positivos, agora, era muito superior àquela das cópias obtidas a partir de calótipos. O uso desse novo negativo, que tinha que ser preparado imediatamente antes do ato da tomada da fotografia e revelado logo depois (pois quando o colódio seca se torna impermeável, impedindo a ação do revelador), disseminou-se rapidamente.

É fato que, antes mesmo de Scott Archer, o francês Claude Félix Abel Niépce de Saint-Victor já havia desenvolvido um negativo de vidro, em 1847 que se valia da albumina - uma proteína extraída da clara do ovo - para aderir os sais de prata ao vidro. Embora estes negativos pudessem ser preparados com antecedência, sendo capazes de durar muitos dias antes da sua utilização, eram pouco sensíveis à luz, exigindo longos tempos de exposição e sendo, portanto, inadequados para a produção de retratos, cuja "febre" já se iniciava. Foi o processo de Scott Archer, portanto - que disseminou rapidamente pelo mundo afora, assim como acontecera anteriormente com o daguerreótipo. Ainda na primeira metade dos anos 1850, com a utilização do negativo de vidro de calódio úmido, já era possível fazer uma fotografia, sob boas condições de luminosidade, com um tempo de exposição tão curto quanto um segundo.

O advento dos negativos de colódio rendeu, ainda, dois outros processos inspirados no daguerreótipo, já que ambos resultavam também numa imagem única: o ambrótipo (1851) e o ferrótipo (1855). O primeiro, uma invenção de Scott Archer muito popularizada pelo norte-americano James Ambrose Cutting, que inclusive patenteou uma de suas variantes, constituía-se numa imagem negativa em uma placa de vidro, colocada sobre uma superfície negra para adquirir a aparência de um positivo e era também apresentado num estojo, embora de custo inferior. O segundo, patenteado pelo norte-americano Hannibal L. Smith e considerado um formato marcadamente popular, constituía-se numa variante daquele mesmo processo, sendo a imagem formada sobre uma chapa de ferro previamente pintada de preto. Montado num passe-partout de cartão ou papel, o ferrótipo visava atingir as camadas economicamente mais desfavorecidas da sociedade e foi explorado por fotógrafos ambulantes que circulavam constantemente pelas localidades mais populares.

Para produzir cópias a partir dos negativos de vidro, proporcionando resultados de superior qualidade, o fotógrafo francês Louis-Desiré Blaquart-Evrard desenvolveu, em 1849-'850, um novo papel fotográfico albuminado. A albumina, proteína extraída da clara de ovo, era colocada numa bacia e a folha de papel, de baixa gramatura, era delicadamente depositada na superfície daquele líquido, "flutuando" por brevíssimo tempo e tornando-se assim albuminada. O papel assim revestido adquiria um acabamento brilhante e liso, podendo ser armazenado até o momento de sua utilização, quando era "flutuado" numa outra bacia contendo uma solução de nitrato de prata. A camada de albumina retia os sais de prata e em seguida era seca. Depois da copiagem do negativo naquele papel albuminado e de seu processamento. Depois da copiagem do negativo naquele papel albuminado e de seu processamento, proporcionava uma imagem mais rica em contraste (com as altas luzes mais intensas e as sombras mais escuras), em gradação tonal e em detalhamento (resolução).

Já em 1851, Blanquart-Evrard instalou,na cidade francesa de Lille, uma linha de produção industrial para a produção de cópias. A partir da produção de diversos fotógrafos, entre amadores e profissionais, editava porta-fólios temáticos, comercializando-se por um preço compatível com o das litografias - bem mais barato, portanto, que aquele praticado pelos fotógrafos de estúdio, mas sem poder assegurar a permanência das imagens impressas. Em seus quase cinco anos de atividade, até 1855, produziu cerca de 100 mil cópias fotográficas. Desistiu de seu negócio, por não conseguir a lucratividade necessária.

A instabilidade dos materiais fotográficos preocupava a todos os envolvidos no negócio; era necessário desenvolver técnicas que assegurassem a estabilidade e a permanência das imagens. O Fading Committee proposto em 1855 pelo Príncipe Alberto, um entusiasta da fotografia e marido da Rainha Vitória, da Inglaterra, e o prêmio oferecido por Honoré d´Albert, o Duque de Luynes, um amante das artes, arqueólogo e fotógrafo francês, para quem oferecesse a melhor contribuição para o progresso da questão da permanência das imagens à base de prata, servem de exemplo dos esforços havidos naquele período. Estava claro que a fixação e a lavagem das cópias deveriam merecer especial atenção. Neste sentido, as fotografias de viagem em papel albuminado da presente exposição constituem-se num perfeito testemunho daqueles desafios - afinal, podemos apreciar, nesse conjunto, desde imagens num estado de conservação impecável até imagens consideravelmente esmaecidas e/ou amarelecidas.

O papel albuminado provou ser o "parceiro ideal" para os negativos de colódio úmido e a partir dos meados daquela década tornou-se o papel fotográfico mais popular em todo o mundo por três décadas, aproximadamente - sendo este o período coberto pela presente exposição. Embora seu uso tenha decaído a partir da última década do século XIX, ainda foi utilizado até a década de 1930, aproximadamente.

Nos primeiros anos de sua utilização, este processo era integralmente realizado no próprio estúdio do fotógrafo, mas logo surgiram as indústrias de papel albuminado. A sensibilização do papel com nitrato de prata, no entanto, continuou quase sempre a cargo do fotógrafo ou de um de seus assistentes, sendo realizada na véspera de sua utilização, para a copiagem dos negativos.

O papel usado na sua confecção requeria certa qualidade. Então, era sempre um papel de trapo - de algodão ou de linho. Segundo James Reilly, só duas indústrias, em todo o mundo, alcançaram um padrão de qualidade consistente, produzindo o papel ideal para ser albuminado e sensibilizado com sais de prata, livre de quaisquer resíduos decorrentes da matéria-prima (tais como os resíduos metálicos dos botões comumente deixados nos trapos reprocessados ou os fragmentos desprendidos do próprio maquinário) ou da água utilizada (tais como os resíduos minerais), já que naquela época ainda não se conheciam as técnicas de purificação posteriormente desenvolvidas. Estas indústrias, que mantiveram o seu monopólio desde os anos 1860 até o período da I Guerra Mundial, eram a Blanchet Frères et Kleber Co. (localizada na cidade francesa de Rives) que produzia o papel Rives e a Steinbach and Company (localizada em Malmedy Bélgica - região então pertencente à Alemanha) que produzia o papel Saxe.

As maiores indústrias que "albuminavam" aqueles papéis ficavam na Alemanha, mas havia também as indústrias na França, Inglaterra e Estados Unidos. No Brasil, até onde vai o nosso conhecimento, nunca se fabricou papel albuminado em escala. Naturalmente, era possível a um fotógrafo local adquirir o papel e depois albuminá-lo. É mais do que provável que inúmeros fotógrafos locais tenham trabalhado assim; mas é também provável que muitos fotógrafos tenham importado o papel albuminado e o sensibilizassem aqui.

Como já foi dito, a grande produção acontecia nas indústrias. Cabia então às mulheres, que ocupavam quase todos os postos, a primeira etapa da produção: quebrar os ovos e separar a clara da gema. Esta última não tinha utilidade para a fotografia, e normalmente era repassada às padarias ou outras manufaturas de comestíveis. A clara do ovo era batida, adicionando-se sais e posteriormente era colocada em frascos e depositada para descansar por alguns dias. Progressivamente ia-se depositando no fundo do frasco um líquido, a albumina, proteína extraída da clara do ovo. Num outro setor da indústria, a albumina era derramada em bacias onde as folhas de papel, muito finas, eram flutuadas. Como a albumina não devia atingir o verso do papel, manipulavam-se as folhas na bacia com delicadeza. Em seguida, essas folhas eram retiradas e penduradas para secar, sendo posteriormente cortadas, embaladas e comercializadas. Nas últimas décadas do século XIX, era comum a comercialização de papéis albuminados rosados, arroxeados ou azulados, que se tornaram moda. Hoje em dia, é difícil reconhecer estes papéis, uma vez que os corantes então utilizados eram instáveis à luz e desbotaram com o passar do tempo.

Ainda segundo James Heilly, a Alemanha, onde o comércio de papel albuminado já existia desde 1854, tornou-se o maior produtor mundial a partir de 1870. A cidade de Dresden era o principal centro, graças à sua proximidade dos grandes produtores de papel e de ovos, além do baixo custo de sua mão-de-obra, se comparada a dos competidores ingleses ou norte-americanos. Ademais, a utilização de bactérias existentes na própria albumina para desencadear o processo de fermentação proporcionava um papel mais brilhante e com melhores resultados no momento de se proceder à sua viragem. Para que se tenha uma idéia da escala de produção local de duas grandes fábricas e diversas outras menores, Reilly cita os números da Dresdener Albuminfabriken A.G., que apenas em 1888 produziu 18.674 resmas de papel albuminado. Cada resma consistia de 480 folhas medindo 46 x 58 cm cada. Para confeccionar cada uma destas resmas eram necessários 9 litros de albumina, obtidos de 27 dúzias de ovos. Assim, a produção desta única fábrica consumiu mais de 6 milhões de ovos em um ano!

Quando o fotógrafo ia produzir uma cópia fotográfica no papel albuminado tinha de sensibilizar o papel. Mais para o fim do século, já havia os papéis fotográficos albuminados pré-sensibilizados, com adição de ácido cítrico, o mais consumido pelos amadores. Os profissionais continuaram sensibilizando os seus próprios papéis. Idealmente no dia em que se pretendia fazer as cópias - ou, no máximo, com dois ou três dias de antecedência. Como já foi mencionado, diluía-se na bacia o nitrato de prata e flutuava-se o papel neste líquido, para absorver os sais. O papel era pendurado para secar, o que tinha que ser feito em um ambiente escuro ou com luz filtrada - normalmente, uma luz âmbar, algo próximo do amarelo, de modo a não velar o papel.

O papel era depois colocado em uma moldura de copiagem, confeccionada em madeira, juntamente com o negativo de vidro - emulsão contra emulsão. Ou seja, a imagem do negativo do vidro ficava em contato direto com a emulsão do papel virgem. Esse "sanduíche" era prensado por trás e exposto à luz, na moldura. Comumente, isso era feito numa área contígua ao próprio estúdio. Algumas vezes, fazia-se essa copiagem em área externa. No caso dos países frios, isso era menos viável durante boa parte do ano, porque em temperaturas muito baixas o processamento fotográfico se torna muito lento. Nos países tropicais, enfrentava-se o problema oposto - assim como há luz abundante, há calor demais, o que também é prejudicial ao processamento.

O fotógrafo dispunha as molduras num cavalete, para que a luz do sol atravessasse o negativo do vidro e imprimisse a imagem, em positivo, no papel albuminado. Esses papéis eram denominados papéis fotográficos de revelação direta ou papéis diretos, e necessitavam de grande quantidade de energia luminosa para produzir uma imagem sem o uso de qualquer processamento químico, ou seja, sem a utilização de reveladores. Na medida em que a luz agia sobre o papel, os íons de prata iam-se transformando em prata metálica e a imagem ia escurecendo, e, conseqüentemente, tornando-se visível. Para o fotógrafo controlar a qualidade da fotografia que estava produzindo, depois de passado um tempo ele podia abrir uma parte das costas dessa moldura, puxar um pouco o papel para fora - mas sem perder o registro, ou seja, não deslocando o negativo em relação à foto - e observar o resultado. O controle de qualidade era visual. No momento em que a imagem estivesse satisfatória, ele tirava o papel da moldura e passava para a fase final do processamento. E então podia começar a confecção de uma nova cópia, similar à anterior.

Este processamento consistia do seguinte: primeiro, lavava-se papel fotográfico para tirar o excesso de nitrato de prata. Em seguida, fazia-se a chamada viragem - porque as fotos tinham sempre um tom avermelhado, amarronzado, que não era apreciado na época. Por essa razão, quase todas as fotos eram submetidas a uma viragem - mergulhadas numa bacia onde havia uma solução de cloreto de ouro, que mudava os tons daquela fotografia em preto e branco, tornando o "preto" mais intenso e expressivo, mais arroxeado ou azulado. Em seguida, as fotografias eram lavadas e secas.

Nos estúdios que produziam em larga escala, havia profissionais contratados só para realizar a viragem. Esses profissionais, dotados de boa sensibilidade visual, dominavam os "segredos" do ofício, e passavam o dia inteiro virando fotografias. A lavagem, como hoje, era muito importante. No entanto, devemos nos lembrar que muitas das vezes não havia água corrente abundante como hoje, e a lavagem era deficiente - mas já havia a consciência da sua importância.

Ao final do processo, as fotografias eram normalmente montadas em cartão (quando avulsas) ou em folhas de papel mais encorpado (quando encadernadas em álbuns), pois o papel albuminado é sempre muito fino. Se não fosse montado, ele se enrolava rapidamente - assim como ocorreu com as fotografias de viagem desta exposição, enroladas durante mais de um século antes de voltarem a ser planificadas.

Outros importantes progressos tecnológicos ainda no século XIX

O processo de negativos de vidro de colódio úmido, implantado na década de 1850, vai perdurar até a década 1880, quando é rapidamente substituído pelos negativos de vidro de gelatina e prata, também denominados chapas secas. A gelatina passa a ser substância empregada para aderir os sais de prata ao vidro. A partir daí, os negativos pré-sensibilizados passam a ser industrializados, já que são duráveis e possuem, ainda, maior sensibilidade à luz. Surgem também os papéis fotográficos de gelatina e prata, que eram igualmente industrializados e já se encontravam sensibilizados no ato da sua comercialização. Na presente exposição, os negativos de vidro produzidos do período do exílio da Princesa Isabel e do Conde d´Eu e as cópias fotográficas do mesmo período são exemplos desta tecnologia.

É também nos anos 1880 que surgem os primeiros filmes fotográficos flexíveis, com base de nitrato de celulose. Acontece, aí, a maior revolução da fotografia do século XIX, com o início da verdadeira popularização do processo, quando o cidadão comum passa a ter condições de tirar suas próprias fotografias. A partir do marcante lançamento da Kodak nº 1, as câmaras se miniaturizam, os filmes se tornam mais rápidos e surgem os laboratórios fotográficos comerciais. A fotografia "instantânea" vai deixando de ser um privilégio dos cientistas ou especialistas. A óptica também evolui de maneira espantosa, e já nas primeiras décadas do século XX sucedem-se os lançamentos de câmaras fotográficas com objetivas mais luminosas, obturadores mais rápidos e maior praticidade no manejo. Surgem novos formatos de filme. O flash é desenvolvido e sofre sucessivos aperfeiçoamentos. A fotografia em cores sofre uma evolução sem precedentes em sua história. Temos, enfim, uma infindável série de novos desenvolvimentos que nos trazem até os dias atuais, quando já adentramos a era da imagem digital.

Voltando ao século XIX, vale mencionar que àquela época desenvolveram-se, ainda, muitos outros papéis fotográficos, a partir de sais de ferro, platina, paládio etc. havia ainda os processos fotográficos que se baseavam na goma bicromatadas (com dicromato de potássio). Preparava-se uma substância que, ao receber a luz, endurecia, ao invés de escurecer - um "mecanismo" similar àquele praticado por Niépce com o betume da judéia, nos primórdios da fotografia. O dicromato, misturado com pigmentos e aplicado no papel, possibilitava a realização de vários processos, como o célebre papel de carvão.

Parceiros