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Guerra das Penas: os Panfletos Políticos da Independência (1820-1823)…

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Apresentação

PANFLETOS POLÍTICOS: OUTRA INTERPRETAÇÃO DA(S) INDEPENDÊNCIA(S) DO BRASIL

Por força das redes sociais e da internet, a circulação de notícias adquiriu tal velocidade que uma novidade ocorrida em qualquer localidade torna-se conhecida de maneira quase simultânea por toda parte do globo. Diferentemente ocorria no passado. Nas primeiras décadas do século XIX, os meios políticos de comunicação mostravam-se bastante limitados. Resumiam-se às conversas e à palavra escrita. Esta podia circular seja por meio da imprensa e das folhas volantes, também chamadas de panfletos políticos, seja por meio de papeis manuscritos em pequenos formatos, repletos de erros de grafia, passados de mão em mão. Tais documentos adequavam-se bem àquele momento histórico. Lidos em voz alta, possibilitavam que as notícias atingissem um público menos restrito, mais amplo do que o estreito universo letrado da época. E podem hoje, por essa razão, trazer informações fundamentais para a compreensão de determinados momentos e acontecimentos do período.

Desde muito cedo, uma vez criada a imprensa, panfletos políticos surgiram em períodos de tensão política e de convulsão social na Europa e, mais tarde, nas Américas. Mais baratos e ágeis que os jornais da época, faziam com que as notícias políticas deixassem o âmbito privado das Cortes para serem discutidas em espaços que se tornavam públicos, como praças e cafés. Em Portugal, com o movimento liberal do Porto de agosto de 1820, esses textos de circunstância integraram-se ao jogo político. No ano seguinte, chegaram ao Brasil. E prosseguiram, desempenhando esse papel ao longo de todo o Oitocentos. Transformaram-se, assim, em armas de combate, utilizadas para a criação de autênticas “guerras literárias” ou “guerra das penas”, na expressão da época.

Para que seja significativo, o estudo atual do processo da Independência do Brasil, ao invés de retomar a análise de documentos oficiais, com os quais os historiadores traçaram suas linhas gerais no passado, exige a busca de respostas para novas questões, que angustiam os habitantes do país hoje em dia, tais como as gritantes desigualdades sociais ou a onipresença de comportamentos autoritários. O objetivo estimula a utlização de fontes diversas, sobretudo aquelas capazes de abrir uma janela para se compreender as formas de pensar e de agir dos atores históricos na época. Nesse sentido, os panfletos políticos oferecem muitas oportunidades.

Elaborados em formatos e tamanhos variados, com ou sem capa, costurados ou colados, com muitos erros de impressão, do ponto de vista político, não obstante, constituem vias de acesso fundamentais para compreender um momento decisivo na construção do país. Os panfletos políticos revelam não só as ambições e insatisfações das pessoas na época, como também as ideias e princípios que combatiam ou defendiam, além das diferentes propostas que traziam, sem que ainda mesmo soubessem, para o conflito que tinha então início entre a política do Antigo Regime e a política moderna e constitucional, envolvendo Brasil e Portugal.

Ainda no século XIX, Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) já percebera sua importância. Nos primórdios do século XX, Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) soube explorá-los de maneira mais sistemática, enquanto Alfredo do Vale Cabral (1851-1894) procurava dar início à sua catalogação, atividade em que foi seguido por Rubens Borba de Moraes (1899-1986) e Ana Maria de Almeida Camargo. Em 1973, a publicação de seis folhetos do período por Raimundo Faoro, com pequena introdução, mais explicativa do que analítica, sinalizou outra vez a relevância dessas fontes. José Honório Rodrigues (1913-1987) não deixou de utilizá-las para redigir os cinco volumes de Independência: revolução e contra-revolução (1976), mas foi Maria Beatriz Nizza da Silva quem melhor percebeu o alcance dessas publicações para estudar a questão do constitucionalismo e do separatismo no Brasil (1988). Posteriormente, vieram trabalhos acadêmicos mais recentes, como os de Cecília Helena de Oliveira, Geraldo Mártires Coelho, Lucia Maria Bastos P. Neves, Gladys Sabina Ribeiro, Iara Lis Souza e Isabel Lustosa, entre outros. Todos procuram explorar os panfletos enquanto veículos de opinião, que registram valores e atitudes da cultura política da Independência. Por fim, a obra em quatro volumes intitulada Guerra Literária – panfletos políticos da Independência (2014)[*], em que são transcritos mais de 300 panfletos, com explicações diversas e ampla análise crítica para situá-los em seu contexto, revelou o volume dessas obras e tornou disponível uma amostra considerável delas.

Agora, a presente iniciativa da Biblioteca Nacional pretende ampliar ainda mais a disponibilidade do aceso aos panfletos políticos de 1820-1823. Comentá-los, relacioná-los à conjuntura política do período, descrever os tipos em que aparecem, identificar seus autores, quando possível, transcrever alguns trechos significativos e remeter para aqueles que já se encontram disponíveis digitalizados no site da instituição significa contribuir para desvendar uma outra história da Independência do Brasil em seus 200 anos.

[*]     Organizado por José Murilo de Carvalho, Lucia Bastos e Marcello Basile, publicado pela Editora da UFMG

Setembro de 2022.


Lucia Bastos P. Neves
José Murilo de Carvalho
Marcello Basile


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