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Histórias da Nova Holanda

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Mulheres europeias no Brasil Holandês

por Mark Ponte
Entre 1630 e 1654, milhares de homens de toda a Europa foram recrutados em Amsterdã para seguir a serviço da Companhia das Índias Ocidentais em direção ao Brasil. Quase sempre, sabemos seus nomes apenas por meio de promissórias que assinaram com um tabelião antes de partir. Com frequência, haviam contraído dívida considerável em um albergue ou pensão de Amsterdã. Dívidas que deviam ser saldadas com o soldo de marinheiro ou soldado. Sabe-se muito menos sobre as mulheres que partiram para o Brasil, sozinhas ou com um marido. Nos arquivos de Amsterdã é possível encontrar vestígios da história dessas mulheres que migraram para o Brasil. Alguns estão em registros notariais e outros em declarações de batismo feitos no Recife, que fizeram parte do Arquivo da Igreja Reformada.


Viúvas

Mortes em decorrência de doenças, confrontos e subnutrição ocorriam amplamente no Brasil-holandês. Muitas pessoas morriam dentro de alguns meses ou anos após a chegada. Não raro, as viúvas se casavam de novo no Brasil com um outro funcionário da Companhia das Índias Ocidentais. Algumas vezes por ano, uma frota partia do Brasil rumo à República. Após a chegada, muitas vezes eram feitos junto aos tabeliães dezenas de atestados sobre pessoas que tinham morrido no Brasil, como em setembro de 1644, quando o governador Maurício de Nassau voltou para a República em uma frota.

Várias declarações foram feitas no escritório do notário Henrick Schaeff, no Herenmarkt, bem atrás da Casa das Índias Ocidentais. Uma dessas declarações foi feita por Margrietgen Claesdr. Margrietgen havia partido para o Brasil alguns anos antes. Era esposa do aspirante da Marinha Hans Vroom. Pouco depois da chegada, Vroom veio a falecer. A viúva contraiu casamento em uma igreja do Recife com o soldado Henrick Sekamp, de Bremen. Uma grande festa de casamento foi organizada, segundo relata uma das testemunhas. Este casamento também não durou muito. Margrietgen morreu três anos depois. Em 1644, o viúvo Sekamp retorna à Europa como alabardeiro a serviço de Maurício de Nassau.


Declaração sobre Margrietgen Claesdr, 23 de agosto de 1644.

Neeltjen Thomas permaneceu em Amsterdã, grávida, quando seu marido, Thomas Jansz, partiu para o Brasil em 1632. Assim como tantos outros, Jansz também morreu no Brasil, sem nunca ter visto seu filhinho Thomas. Neeltjen casou-se de novo em Amsterdã com um inglês chamado Rogier Dutton. Ela viajou para Pernambuco com seu segundo marido e o pequeno Thomas. Neeltjen faleceu no Brasil. Thomas, agora com cerca de 12 anos, retorna órfão para Amsterdã com a frota de 1644.

De vez em quando, também partiam para o Brasil mulheres disfarçadas de homens. Uma delas, Sara Hendricx, se casou no Recife em 1637. Segundo uma carta do conselho eclesiástico do Recife aos Heren XIX em Amsterdã, Sara chegou ao Brasil "em trajes masculinos". Ela foi condenada a voltar para a República, mas a pena não foi executada. Depois disso, ela iniciou um relacionamento com um soldado, com quem se casou no Recife, apesar dos rumores, enfaticamente negados por ela, de que ainda seria casada na República.


Forte das Cinco Pontas

Centenas de soldados ficavam estacionados no Forte Frederick Hendrick, mais conhecido como Forte das Cinco Pontas. Mulheres também viviam no forte, como Margarita Rinckhout, esposa do alferes Johannes Rinckhout, que faleceu no Brasil no início de agosto de 1645. Em 1655, o comandante do forte, Jochum Deniger, fez uma declaração sobre Margarita. Duas semanas após a morte do marido, Margarita deu à luz um filho, a quem chamou Johannes, como o pai. O pequeno Johannes foi batizado no Recife no dia 23 de agosto. Ele viveria apenas 14 semanas.


Apesar de ter hoje quatro bastiões, o forte ainda é chamado 'Forte das Cinco Pontas' (Foto: Serra Alves, Coleção: Andresa Santana).


Uma família hispano-holandesa-brasileira

Apesar das elevadas taxas de mortalidade no Brasil, muitas das crianças que lá nasceram conseguiram voltar para a República, a exemplo das irmãs Beatrix e Marguerita Biscaretto, ambas casadas em Amsterdã na década de 1660. Beatrix e Anna eram filhas do pastor protestante Dionysis a Biscaretto, natural de Salamanca, na Espanha, que no Brasil se ocupava principalmente da conversão de tupis e africanos. Biscaretto era casado com Anna Jans.


Certidão de casamento de Margrita Piscarette e Roelof Willemsz van Steijn, 5 de novembro de 1661

A família, com quatro filhos, chegou a Amsterdã por volta de 1649. Em 10 de fevereiro de 1650, o pastor espanhol fez o juramento de cidadania na cidade. A família teve dificuldades para sobreviver em Amsterdã. Em 15 de janeiro de 1654, Dionysis fez uma reclamação sobre seu baixo ordenado para o Conselho da Igreja Reformada. O pastor Biscaretto morreu em Amsterdã em 1658, onde foi sepultado na Zuiderkerk. Em 5 de novembro de 1661, Marguerita, de 22 anos, casou-se com um padeiro de Groningen chamado Roelof Willems van Steyn. Alguns anos depois, a irmã Beatrix casou-se com o chapeleiro Hans Vos. Ambas tiveram filhos em Amsterdã.


Do Brasil para Nova Amsterdã

Não se sabe ao certo se a portuguesa Leonora Paye [Paz] chegou a pôr os pés na República, mas os vestígios de sua passagem nas Províncias Unidas também podem ser encontrados no Arquivo Notarial de Amsterdã. Podemos obter informações a respeito de Leonora no depoimento de um grupo de militares que chegou a Amsterdã, vindo do Maranhão, em 1644. Entre 1641 e 1644, a Companhia das Índias Ocidentais ocupou a cidade de São Luís, no Nordeste do Brasil. Em outubro de 1644, vários veteranos fizeram declarações sobre aqueles eventos, incluindo a luta contra os indígenas e portugueses na cidade e seus arredores.

Nem todos os portugueses eram hostis em relação à Companhia. Em maio de 1643, Leonora casou-se com o sargento da Companhia chamado Matheus Harmensz na Igreja de São Luís. Um casamento de curta duração, pois como tantas pessoas nessa época e região, Matheus adoeceu e faleceu alguns meses após o casamento. Após seu falecimento, Leonora partiu com o navio Blauwe Haan, da Companhia, para Curaçao, e lá se casou com o alferes Gijsbert Cornelisz de Leeuw, de Utrecht. Com ele, viajou para Manhattan para se estabelecer ali. Em 1647, Gijsbert ainda foi testemunha de um batismo na então Nova Amsterdã. De Leonora não se teve mais vestígios.


Fontes

Declaração sobre Margrietgen Claesdr, 23 de agosto de 1644 (Verklaring over Margrietgen Claesdr, 23 augustus 1644 (SAA))

Carta (cópia) do Conselho da Igreja do Recife aos Senhores XIX, 19 de agosto de 1637 (Brief (kopie) van de kerkeraad van Recife aan de vergadering van de Heren XIX., 19 augustus 1637 (NA))

Declaração sobre Neeltgen Thimas, 9 de setembro de 1644 (Verklaring over Neeltgen Thomas, 9 september 1644 (SAA))

Declaração sobre Margarita Rinckhout, 3 de setembro de 1655 (Verklaring over Margarita Rinckhout, 3 september 1655 (SAA))

Declaração de casamento de Beatrix Piscarette (sic) e Hans Vos, 21 de março de 1665 (Ondertrouwakte Beatrix Piscarette en Hans Vos, 21 maart 1665 (SAA))

Declaração de casamento de Beatrix Piscarette (sic) com Roelof Willemsz, 5 de novembro de 1661 (Ondertrouwakte Margrita Piscarette met Roelof Willemsz van Steijn, 5 november 1661)

Declaração sobre Leonora Paye, 14 de outubro de 1644 (Verklaring over Leonora Paye, 14 oktober 1644 (SAA))

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