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A Cremação: periodico recreativo

por Maria Ione Caser da Costa
A Cremação: periodico recreativo foi lançado no Rio de Janeiro no dia 19 de maio de 1883. No cabeçalho da revista, além do título e subtítulo, também estão as seguintes informações: “publicação bi-mensal”; “propriedade de uns pandegos” e “redactores uma porção”.

O título do periódico chama a atenção. Remete às práticas necessárias a uma vida que se extinguiu. São os momentos que sucedem à morte, o fim da vida. O subtítulo, periodico recreativo, dá uma pista para começarmos a entender a escolha do título: fazer troça, brincar com os acontecimentos passados.

A informação de que o periódico é de propriedade de uns pândegos, confirma a tese. Palavra que caiu em desuso, significa brincalhões, engraçados. Um grupo de pessoas se reúnem, conforme informação do cabeçalho, 'redatores uma porção', para criar uma publicação que pretende ser um meio de distrair e fazer troça.

A Cremação foi impressa pela Typographia da Revista do Exercito Brazileiro, que estava localizada na rua da Alfandega, 268. Foi vendida por 40 réis e podia ser encontrada em locais denominados como as 'Agencias da Cremação': a charutaria localizada na rua do Lavradio, n. 41, e também em outra charutaria localizada no número 43 da mesma rua; no Largo de S. Francisco; em uma charutaria localizada junto à confeitaria do Largo da Lapa e na Praça da Constituição. Estes endereços aparecem relacionados no número 2, mas a cada novo exemplar são acrescidos outros postos de venda, o que permite deduzir que o periódico foi bem recebido pelo público leitor.

Podem ser consultados na Hemeroteca Digital os oito primeiros exemplares publicados. O número 8 é de setembro de 1883. Pesquisa realizada na web não encontrou qualquer informação sobre a existência de outros exemplares desse título, portanto, não é possível afirmar se teve continuidade.

Todos os fascículos de A Cremação possuíam quatro páginas divididas em três colunas, separadas por um fio simples. Não possui ilustrações.

Na Hemeroteca Digital o primeiro exemplar contém somente duas páginas. Possivelmente a folha que imprimiu as páginas três e quatro foi extraviada ou danificada.

Sem qualquer indicação de responsabilidade, um longo editorial apresentou informações sobre o que pretendiam os editores. Eis alguns excertos:
O jornalismo fluminense atravessa na actualidade uma phase realmente interessante.

Cada cidadão é publicista.

Cada jornaléco defende os interesses do seu redactor, queremos dizer, da patria.

Cada um é orgão moralisador, queremos dizer, propagandista.

Cada substantivo e até mesmo alguns neologismos já tem servido para rotulo!

Um dia que nasce é mais um que grita, e se espernêa, como unico e verdadeiro orgão do povo - esse ideal da verdade, da justiça, do desinteresse; mas... é tambem mais um que perece ao descambar silencioso do sol!...

A unica comparação que temos para elle é - a sociedade litteraria... [...]

E o leitor que inquestionavelmente já foi, é ou será jornalista, não criticará por certo o termos emprehendido publicar a Cremação.

Ora, a Cremação...

Inutil é dizer que o nosso jornaléco em todas as questões é o prototypo da imparcialidade.

Elle e o Apostolo são os unicos representantes da opinião publica. [...]

O nosso programma é o dos mais variados que o Brazil tem visto com os seus oculos de baêta.

Seguimos completamente o systema europeu.[...]

Agora, resta apenas nos apresentar.

Nós somos muitos - a flor da gente, está sabido...

Cada um de nós é proficiente n'uma materia scientifica.

Até temos um que é republicano e outro que é sapateiro.

Relatar as batalhas que temos dado na arena da imprensa é desabotoar a serie de triumphos que nos tem bafejado a fronte com o halito da gloria.

 A Cremação publicou poesias, charadas, enigmas, folhetins, e notícias de um modo geral, sempre com uma dose de humor. A maioria dos artigos não são anônimos. Os colaboradores que assinam seus textos são Augusto de Samesan e Hortencio Mello. Outros textos são assinados por letras ou pseudônimos.

O soneto a seguir é de Hortencio Mello e não tem título. Foi publicado no exemplar número seis, no dia 11 de agosto de 1883. Ao final do poema apenas o nome do autor, local e data: Rio, 1881.

Uma vez eu te vi, mas foi desgraça

Sonhei-te um mundo novo de poesia;

Mas na corolla de tua alma escassa

Libei só fel - em beijos de ambrozia!...

 

Ás tuas juras teu amor trahia,

Bebendo o vicio na espumosa taça

Do prazer e do gozo e da volupia,

Com a luz do teu olhar cansada e baça!

 

Me espalhaste caricias ás mãos cheias!

E meu sangue, meu Deus, em tuas veias

Eu deixara em dilirios censiaes!...

 

- Mas escutai a trahição é uma baixeza...

Ah! mentira, não foi, não, foi nobreza:

O que tinhas me deste - eu quiz de mais!...

 

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