BNDigital

Periódicos & Literatura

< Voltar para Dossiês

A Lanceta: periódico humorístico, noticioso de grande circulação

por Maria Ione Caser da Costa
Na cidade de Manaus, em 24 de agosto de 1912, um dia de sábado, começou a circular A Lanceta, que trazia o subtítulo explicativo: periódico humorístico, noticioso de grande circulação. De modo chistoso, seus editores praticaram um modelo de redação jocoso, denunciando abusos e negligência dos governos em relação à floresta amazônica, à extração de minerais e ao já iniciado desmatamento da floresta.

A redação e o escritório de A Lanceta estavam localizados no sobrado de número 99 da rua Municipal, centro da capital amazonense. O proprietário era Paulo de Koch e a responsabilidade pela redação estava a cargo de Mascarilho de Sartilhana. O diretor foi Eliseu Estuda. Informações retiradas do expediente, localizado no verso das capas.

Nada foi encontrado sobre os responsáveis pela publicação. Possivelmente todos preferiram assinar com pseudônimos. A Lanceta é lançada com a finalidade de fazer troça e piadas com os acontecimentos da época. Criticar os periódicos já existentes, que só publicavam matérias tristes e nefastas, e, talvez por este motivo, preferissem o anonimato.

Foi um periódico bissemanal, com publicações às quartas-feiras e aos sábados. A seguir, um excerto do editorial, onde os responsáveis apresentam o seu programa e dizem o propósito da criação do periódico.
Entendendo que a vida tem duas faces, uma tragica e outra comica, verificámos um bello dia que somente a face tragica tem sido explorada entre nós a pretexto de politica, e que o lado comico e visivel, de todas as coisas estava completamente abandonada, mesmo pelos espíritos mais amaveis.

A Folha do Amazonas, o Jornal do Commercio, o Commercio do Amazonas, o Jornal de Manáos, A Noticia, cada qual toma as questões pelo avesso, parecendo os seus artigos de fundo uns monologos de tragédia grega ou ingleza, os quaes não raro começam ou terminam como no “Hamlet” a tirada de príncipe dinamarquez. [...]

É preciso que no meio do terrível desconcerto de vozes dos collegas vibre a risadinha fina e o assobio estridulo de um jornal humorístico, em commentario á asneira humana que, conforme o romancista portuguez e philosopho cynico, é infinita.

Em toda parte, quando um sugeito chóra um outro ri; quando morre um amigo nascem quatro ou cinco; quando um camarada leva um pescoção é porque um outro tem o summo prazer de o dar. Quando um dos hemisphérios terrestres está fatalmente sob a projecção ardente da luz solar. Se alguma rara vez a gente chora como o rei Lear, muitas vezes ri-se a gente como Mariscalho.

Assim, fazia-se necessário entre nós um orgam de publicidade para o riso.

Dahi o nascermos.

Que se vá a tristeza para os antípodas, que são os chinezes, aliás habilíssimos empinadores de papagaio!

Nós viemos rir, cidadãos. Portanto, cidadãos, abri alas. E, cidadãos, tomae cuidado em não deixar de fora as pontinhas do rabo de vossos ridículos.

Nós vamos andando com o riso envolto nas commissuras do labio, como se levassemos num estoque enrolado num lenço, para, de vez em vez, varar-vos de surpreza a alma de lado a lado, qual sorridentemente se traspassa com o ferro a estupida pança do burguez boquiaberto.

O nosso desideratum é rir [...]. Isso não impede que porem choremos de espaço a espaço, mesmo porque nas contorções do pranto há um ridículo imenso.

Finalizam com a frase: “Riremos, riremos; mas isso para corrigir o nosso tanto, pois dizem que Castigat ridendo”, referência a expressão latina, que pode ser traduzida por “corrige sorrindo”. Uma tentativa de mostrar que iriam fazer troça dos fatos narrados nos periódicos que circulavam naquela localidade, mas de forma leve e bem humorada.

Na publicação, o título aparece ao alto da capa em letra de forma, grafada de maneira decorativa e com muitos floreios desenhados.  Dentro da primeira letra A do título, está o desenho da figura de um homem de chapéu de abas largas, na postura de um observador. Entremeando as letras, desenhos de uma lança afiada, onde estão pendentes os dois pratos de uma balança e um tinteiro com uma pena.

Essa capa permanece até o número dezesseis. A partir do número dezessete as letras que compõem o título passam a ser em caixa alta, com um sombreado. O subtítulo permanece o mesmo. Esse formato mantém-se até o ano 3, n. 91, que foi publicado no dia 17 de outubro de 1914, último fascículo da coleção que está preservada na BN. Não há despedidas nem informações do término de A Lanceta.

Na Biblioteca Nacional podem ser consultados através da Hemeroteca Digital quase cem exemplares publicados entre os anos de 1912 e 1914. O último encontrado foi publicado em outubro de 1914.

Em 26 de abril de 1915 surge uma publicação com o nome de Lanceta: jornal humorístico, noticioso, critico e litterario, entretanto as informações não são conclusivas quanto a fazerem parte da mesma coleção. A coleção inicia com a designação numérica de ano 1, número 1 e não faz menção ao título anterior. Os responsáveis pela publicação assinam como: Zé Bocó (gerente), Zé Pipóca (redator), K. Tunda Junior (diretor responsável). Dessa publicação constam dezessete números, sendo o último publicado no dia 9 de setembro de 1915.

A Lanceta: periódico humorístico, noticioso de grande circulação, além das notícias genéricas e pilhérias, publicou também poemas e alguns pequenos contos. Destacamos, a seguir o poema Mulher!, que foi publicado no primeiro exemplar. Quem assina o poema é Gil Gregório, possivelmente pseudônimo de Armando Oliveira.

 

Mulher!

(Para a Lanceta)


Mulher! densa ideal de nossa Vida,

Que, foste amável, bella seductora,

Nos morde o coração d’uma incendida

Lucta em que é sempre terna vencedora.

 

Alma dos gosos, Vida do desejo,

Que do prazer todo o pesar resume,

Subindo dos olhares para o beijo,

Girando do prazer para o ciúme.

 

Foste de prazer de ventura rara,

Que n’alma infiltra uma energia louca

Pela trama da graça em que se ampara

Sorrisos, beijos, vibrações da bocca.

 

Lucida imagem, divinal figura,

Do vortice potente do prazer,

Fluido vital de nossa contextura,

A cuja falta temos de morrer.

 

Parceiros