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A Primavera: revista semanal de literatura, modas, indústria e artes

por Maria Ione Caser da Costa
Em 03 de março de 1861, no Rio de Janeiro, era editada pela primeira vez a publicação A Primavera: revista semanal de literatura, modas, indústria e artes. Foi impressa sob a responsabilidade de Azeredo Leite na Typographia Popular, localizada à rua Nova do Ouvidor, n. 9.

A seguir um excerto do editorial, assinado por Eleuterio:
Encetar uma publicação litteraria em uma época toda de politica é comprar desillusões á preço de fadigas nunca recompensadas.

A mocidade de hoje, porém, em meio de suas lucubrações constantes, não detem os vôos ante qualquer obstaculo. Abraça-se á cruz, e do soffrimento nascem-lhe as inspirações com que atravessa o Calvario das vicissitudes mundanas, procurando firmar a única verdade, que nunca se apaga, que atravessa de seculo em seculo, sempre rica de tradições incentivas.

No affictivo madeiro apurou o homem o sentimento, tragando uma a uma todas as gottas da amargura: mas, fez-se Christo ao depois. A mocidade de hoje assim carregará essa pesada cruz que bem se póde symbolisar na imprensa, e do tumultuar continuo das idéas que lhe borbulham no cerebro, dará mais luz a essa luz que nunca poderá apagar-se, sendo como é inextinguivel o pensamento. [...]

Esta revista é por sem duvida demais pequena para satisfazer todas as necessidades que entre nós palpitam. Operario, porém, da grande seita de Guthemberg, contribuirá tambem com o seu modesto contingente para a edificação do templo em que deve um dia aninhar-se a litteratura de mãos dadas com a industria e as artes. [...]

Não é sob os mais favoraveis auspicios que esta revista apresenta hoje o seu primeiro numero. Por ora só conta com a boa vontade de uma collaboração intelligente, d’onde o seu futuro, incerto ainda é verdade, mas donde o seu futuro irá a pouco e pouco brotando, coadjuvado como hade ser pela protecção publica.

O volume de A Primavera digitalizado e que pode ser consultado na Hemeroteca Digital possui 33 páginas. Num primeiro momento imagina-se que seja de um só fascículo, entretanto, dentro desse volume estão guardados quatro fascículos. A numeração das páginas é sequencial exatamente para que fosse formado um volume. O primeiro fascículo publicado em 3 de março de 1861, com 8 páginas, o segundo saiu publicado no dia 10 de março, o terceiro no dia 17 de março e o último existente na coleção da Biblioteca Nacional foi publicado no dia 24 de março daquele ano.

Seu formato original media 27cm x 18cm. Não apresentou ilustração. A periodicidade era semanal.

Dentre os colaboradores estavam Moreira de Azevedo (1832-1903), Franklin Massena (1838-1877), F. J. Bethencourt da Silva (1831-1911), E. de Souza, J. Bracarense e La Palferina.  Consta também nas páginas de A Primavera o poema “No album da artista Ludovina Moutinho”, assinado por M. A., que as pesquisas indicam ser de Machado de Assis.  Destacamos, a seguir a poesia “Desalento” de F. J. Bethencourt da Silva publicada nas páginas de A Primavera.

 

Desalento

Branca nuvem do meu viver passado,

Que n’um breve adejar me appareceste,

Porque no despontar das agonias

Meu dourado pharol escuresseste!

 

Ai! tantas illusões que me embalavam!

- Tantas crenças do céo mimosas flores,

Desfolhadas deixei, adormecidas,

No regaço gentil de meus amores...

 

E quantas esperenças desmaiadas

Desses sonhos da vida peregrinos!...

- Quantas rosas quimadas d’innocencia

Nos raios do horizonte purpurinos!

 

Tanta gloria que a fronte escandecia!

- Esmaltadas corôas venturosas,

Quebradas vi passar, cheias de lodo,

Envolvidad co’as turbas invejosas...

 

Cmbiantes amores, perfumados,

Que nos loucos festins me embriagaram,

Perdidos e sem flôres, n’um sepulchro

As fadas da existência sepultaram!

 

Mas com tudo, na dôr destas saudades

Que em maldito soffrer m’empallidecem,

Ao vêr passar os anjos dos amores

As fibras do meu peito inda estremecem...

 

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