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Era nova: semanario illustrado

por Maria Ione Caser da Costa
O lançamento de Era nova: semanario illustrado aconteceu no Rio de Janeiro em dia 24 de julho de 1915, um sábado.  Foi impresso pela Typographia de Roland Rohe, e, de acordo com a publicação, Fabian era o gravador.

A redação e administração de Era nova estava localizada no primeiro andar da rua do Carmo, 39, ao “canto da rua Sete de Setembro”, como informado no expediente.

O semanário contava com representantes em alguns estados do Brasil e alguns países da Europa. Em França estava Henri Allorge (1878-1938), em Portugal, Nuno Simões (1894-1975). No estado de Pernambuco contava com a colaboração de Augusto Rodrigues, em Alagoas, Cassiano de Albuquerque (1888-1921 ou 1922[*]). No estado da Bahia era Xavier Marques (1861-1942), no Espírito Santo, Antonio Moreira Dantas e em São Paulo o representante era Arthur Motta (1879-1936).

A seguir um excerto da carta de intenções, que não apresenta autoria, veiculada em seu primeiro número:
O apparecimento desta revista não obedece a nenhum intuito vulgar. Não é esta uma publicação que apenas se inicia por effeito daquelles interesses que presidem, por vezes, ao advento de trabalhos congeneres. Não ha aqui somente, como elemento fundamental, o producto dos esforços conjugados de algumas intelligencias. Era Nova apparece, principalmente, por força da situação em que se encontra o Brasil. A sua razão de origem, a explicação da sua existencia, está, antes de tudo, no phenomeno sociologico da actualidade brasileira. O seu nome, que comprehende uma alvorada e, por conseguinte, uma promessa, não é o resultado de uma escolha literária, mas uma consequencia mesma da situação que lhe serve de causa. [...]

É para animar e fortalecer estas ideias que hoje nos alistamos na imprensa brasileira, tomando solennemente o compromisso de que todas as nossas vaidades pessoaes, todo o nosso personalismo, todos os nossos pensamentos de ordem intima, serão aqui inapellavelmente sacrificados em proveito da prosperidade e do ressurgimento do Brasil. É com este proposito, é com a segura resolução de tratar, com um mesmo grande apreço, de todos os nossos interesses, e de congraçar, numa mesma expressão, todo o pensamento brasileiro, que hoje aqui nos reunimos e descerramos, ao de leve, para o Brasil que adoramos, a cortina clara dos novos horizontes redemptores.

Era nova não deu a conhecer os nomes dos seus editores. A lista de colaboradores, entretanto, é enorme, e a maioria entrou para o hall da fama da literatura nacional. Esses escritores e poetas iniciavam com bastante labuta seus dons literários em prol de um Brasil mais justo. Alguns dos colaboradores: Matheus de Albuquerque (1880-1967), Nestor Victor (1868-1932), Emilio de Menezes (1866-1918), Xavier Marques (1861-1942), Ronald de Carvalho (1863-1935), Augusto de Oliveira, Octávio Tarquínio de Sousa (1889-1959), além das charges e ilustrações de Julião Machado (1863-1930).

Os valores para venda avulsa eram diferenciados para a capital, os demais estados e o exterior, valiam 400rs, 500rs e 600rs, respectivamente. Para a assinatura anual os valores cobrados eram de 18$000 na capital, 20$000 nos outros estados e 25$000 para o exterior. Uma nota informava que “As assignaturas, compreendendo 52 numeros, começam em qualquer época. ”

Em todos os exemplares, anúncios e publicidades ocupam as oito primeiras e últimas páginas, podendo ser considerado como fonte de recursos para a criação e manutenção da publicação. Alguns exemplos são Parc Royal (vestuário da moda), Casa Beethoven (pianos e afins), Indemnisadora (companhia de seguros), A Mundial (companhia de seguros terrestres e marítimos), Loureiro & Queiroz (marcenaria e carpintaria), Typographia e Lytographia Rohe, J. Lages (leiloeiro), Achille Bove (joalheiros), além de propagandas de advogados, dentistas, médicos, dentre várias outras campanhas publicitárias.

Alguns periódicos da época publicaram notas de felicitação pelo lançamento de Era nova, que podem ser consultados através da Hemeroteca Digital.  A seguir, um exemplo, publicado no Correio da manhã do dia 31 de julho de 1915, (segunda coluna, primeira notícia após a propaganda). “Apparece hoje o segundo numero desse interessante semanário ilustrado. A edição de hoje está caprichosamente confeccionada, trazendo magnifico texto assignado por nomes de reputação firmada no nosso meio literário”.

Um estudo sobre o semanário Era nova é indicado para quem se interessar, tantos são os autores e poetas que nele colaboraram. Dentre os poemas encontrados em suas páginas, copiamos a seguir o soneto “Meu sonho familiar” assinado por Augusto Rodrigues, publicado na edição número 7. Entretanto, pesquisando na web, encontrou-se um poema homônimo, de autoria de Paul Verlaine (1844-1896), traduzido por Carlindo Lellis (1879-1945). Fica a dúvida se Augusto Rodrigues teria traduzido o poema e, no momento da edição, teria sido omitida esta informação. Pode-se notar que algumas frases são idênticas e o conteúdo do poema se assemelha.

 

Meu sonho familiar

 

Muitas vezes o sonho estranho me surprehende

De uma ignota mulher que eu amo e que me adora,

E que a mesma não é certamente a toda hora,

Não sendo outra, porém, e me ama e me comprehende.

 

Todo meu coração deixo que ella desvende,

Ella sómente o faz transparente e o avigora.

E se eu soffro, se a dôr minha fronte descóra,

Ella é o consolo idêal que sobre mim se estende.

 

Ella é trigueira, ou loura, ou ruiva? – Eu ignoro,

Seu nome? Apenas sei que elle é doce e sonoro

Como o de quem se amou e da vida fugiu.

 

Seu olhar, como o olhar de uma estatua, é sem alma,

E tem na sua voz grave, longinqua e calma

A inflexão de uma voz cara que se extinguiu.

 

 

Meu sonho familiar

Paul Verlaine  (Trad. de Carlindo Lellis)

 

Tenho este sonho: existe uma mulher

que eu não conheço e o seu carinho estende

sobre os meus males todos; que me quer

como eu a quero; enfim, que me compreende.

 

Nem um pesar, nem uma dor sequer

sofro sem que ela o sinta: ela me entende

e a grande dor que a minha fronte pende,

com seu pranto, ela faz amortecer.

 

É ela morena ou loura? Eu mesmo ignoro.

Seu nome? É tão querido como o nome

das pessoas amadas que morreram.

 

Olhos de estátua que um pesar consome!

Tem sua voz o timbre almo e sonoro

das vozes caras que se emudeceram.

 

[*] De acordo com ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico de Alagoas. Conferir em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/1104/739030_vI.pdf?sequence=7&isAllowed=y

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