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Na Estacada: pamphleto quinzenal

por Maria Ione Caser da Costa
Surgido em 10 de dezembro de 1907 no Rio de Janeiro, Na Estacada teve como responsáveis o médico e abolicionista Lopes Trovão (1848-1925) e Sylvio Romero (1851-1914), folclorista, historiador da literatura brasileira e sócio fundador da Academia Brasileira de Letras. Apesar dos diferentes perfis profissionais, tinham em comum o amor pelas letras. Talvez esse seja o motivo de terem publicado o periódico em questão.

O texto do editorial, que tem como título “Antiloquio (em tres capítulos) a todos em geral e a cada um em particular”, faz uma apresentação dos responsáveis pela publicação. Antes de iniciarem as pautas que lhes são caras, informam aos leitores quem são, o que gostam e o que fazem.
Os abaixo-assignados, por ordem alphabetica, doutor em medicina, sem clinica, o primeiro, e, o segundo, bacharel em direito, sem clientela, - este de 56 annos e aquelle com 60 annos completos de idade, - apparentando physicamente o direiteiro, sem causas, um escarrapachado O de sarcastica surpreza, e o medicineiro, sem doentes, um espichado ponto de admiração invertido, - brazileiros porque estão amorosamente vinculados ao Brazil pelo cordão umbilical, - republicanos porque mourejaram com egual ardor pelo advento da Republica, - pessoas idoneas, apezar de não poderem dizer-se qualificadas por lhes haverem escamoteado os títulos de eleitores, - com assento, que já tiveram, no Congresso Federal, - autores ambros de uns tantos actos privados e publicos e outras tantas palavras escriptas e faladas que chegaram ao conhecimento dos que veem e ouvem, - membros, o menos velho da Academia de Lettras, e o mais velho, da Sociedade Protectora dos Animaes, - um, o quinquagenario, pai legitimo de numerosa próle, com que gratuitamente ante-concorreu para o povoamento do solo e o outro o sexagintão, viúvo, que por umas razões lugubres de humanitário philosophismo se absteve prudentemente de multiplicar-se, mas que, por confessável curiosidade, experimentou as apprehensões da paternidade, creando e educando fructuosamente um filho alheio, - resolvemos, na intensa integridade das nossas funcções psychicas e physiologicas, occupar-nos das cousas e individualidades actuaes e mesmo preteritas, si necessário for, por termos verificado, nas nossas intimas confabulações, que ellas nos cahiam no vértice do mesmo ângulo visual.

O texto é longo. E escrito em um único parágrafo, quase sem pontuação. Para separar um assunto de outro, foram utilizados hifens.  São expostos os pontos comuns e os contraditórios de seus pensamentos, descritas suas carreiras como jornalistas, bem como um pouco da vida particular de cada um. Dois personagens maduros, com suas vidas já traçadas, iniciam uma publicação para se perpetuar na história.

Piedade & C. foi a empresa responsável nomeada como editora-proprietária. Seu nome aparece logo abaixo do título. Estava localizada na rua da Assembleia, n. 46.

O número avulso de Na Estacada foi vendido por 200 rs, e para a assinatura anual o valor cobrado era de 5$000. De acordo com informação colocada na página de rosto da revista, Na Estacada teve periodicidade quinzenal, pois “apparecerá nos dias 10 e 25 de cada mez”,

Alguns assuntos e temas tratados em Na Estacada dizem respeito às relações filosóficas com o dinheiro, com a música e também são feitas algumas inserções de fatos que aconteceram no período imperial (Pedro II). Nos textos que são dispostos nas páginas do fascículo em questão, encontramos o uso corrente de citações em francês e em latim.

Na capa, ao alto, o título em letras de forma serifadas e preenchidas em vermelho.  Em vermelho também estão os desenhos e arabescos que, trabalhados como renda, definem muito bem o espaço.  Logo abaixo, os nomes dos responsáveis pela publicação e, a seguir, o sumário. Na parte inferior da capa vê-se o desenho de uma pena de escrever, fazendo homenagem e lembrança ao saber intelectual que professavam os redatores do periódico. A ilustração da capa apresenta uma assinatura.

Dois anúncios são dispostos na terceira capa: o primeiro sobre o Lloyd Brazileiro e o segundo sobre a venda de volumes da tradução de José Pedro Xavier Pinheiro (1874-1882), da Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321). Um parêntesis se faz necessário, a título de informação: incentivado por Machado de Assis para fazer a tradução de Dante, Xavier Pinheiro aceita e dedica os últimos anos de sua vida a tal empreendimento. Não viu sua obra publicada. Mais de 20 anos depois, em 1907, graças ao esforço de seu filho, F. A. Xavier Pinheiro, a obra é publicada[*]

Na quarta capa, o anúncio da Loteria da Capital Federal, ilustrado com um desenho alegórico da “fortuna”, isto é, uma figura feminina com asas. O desenho utiliza linhas puras nas letras e mantém inspiração na art-nouveau na imagem feminina.

Com 14 páginas em uma coluna, este é o único exemplar existente na Biblioteca Nacional e que pode ser consultado através da Hemeroteca Digital. Não foram encontrados outros números nas nossas pesquisas.

Os textos e artigos são separados por asteriscos que dão continuidade ao seguinte, sem qualquer intervalo ou ilustração. Não constam nas páginas de Na Estacada qualquer poesia.

 

[*] Conferir em https://ccla.org.br/2021/07/__trashed-2/

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