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O Escorpião: periodico de ferretoadas

por Maria Ione Caser da Costa

O Escorpião foi lançado a 25 de outubro de 1862, no Rio de Janeiro.


Encontramos na Biblioteca Nacional uma coleção com 42 fascículos, apresentando algumas falhas na sequencia numérica. O último exemplar da coleção, ano 2, número 42,  foi publicado em 23 de novembro de 1863.


O periódico mudou de endereço de tipografia várias vezes. Inicialmente foi impresso pela Typographia Popular, localizada à rua Nova do Ouvidor, 9. A partir da décima edição, mudou para Typographia do Escorpião, situada à rua do Regente 20. Finalmente, do número 38 em diante foi editado pela Typographia Luso-Brasileira, com endereço à rua do Hospício 256.


O verdadeiro nome dos editores e colaboradores não aparece em nenhum fascículo. Utilizavam uma identidade alternativa, ou pseudônimo,  seguindo o costume de  anonimato da época. O editorial de abertura Duas palavras ao leitor, é assinado por Os escrivinhadores. O texto faz uma crítica veemente à imprensa periódica, especialmente a brasileira. Inicia afirmando que


a imprensa é um pharol que empana os horisontes de quase todas as nações do Globo; - é uma machina electrica que move-se à vontade de quem a maneja: - é um instrumento artificioso de que os politicos servem-se para galgarem as altas posições do Estado; é o thurybulo onde se queima o pôdre insenso da lisonja e da adulação para defumar-se os reprobos, assassinos e viciosos, - é o salva-vidas dos padrões, bancarroneiros, fraudulentos e tunantes.


Mais adiante o texto afirma que a missão da imprensa “no seculo em que vivemos é perniciosa e corrosiva”. E prossegue: “nada escapa a essas novas harpias, verdadeiros assassinos e salteadores da honra e da reputação alheia, que se intitulão de jornalistas e escriptores (com algumas honrosas excepções) no seu farejar carnivoro e devastador”.


Com a leitura do artigo, que tem o mesmo nome do periódico, O Escorpião, também anônimo, fica-se sabendo que a intenção da “apparição” deste periódico é devida ao desejo de prestação de serviços à humanidade, e que seus editores  pretendem demonstrar: que desejam “a prosperidade do Brasil; que trabalhamos a bem de seus melhoramentos materiais;  que debellamos o nepotismo, o patronato e  afilhadagem por serem contrários á boa razão e a ordem das cousas”.


A partir do exemplar n.1, do ano 2, publicado em 3 de janeiro de 1863, os fascículos passam a estampar, a epígrafe “Quem do Escorpião está mordido a sombra o espanta”, logo abaixo do título. Os exemplares avulsos eram vendidos na corte ao preço de 100 réis, com a assinatura anual custando 2$000 e a semestral, 1$000. Nas províncias, o preço unitário era de 120 réis, com a assinatura anual valendo 2$500 e a semestral, 1$500.


O Escorpião publica sonetos, anedotas, crônicas e notícias que circularam em outros periódicos. Estas notícias eram copiadas dos outros jornais e publicadas com um acréscimo crítico ou debochado. A seção Literatura apresenta sempre contos ou poemas de forma fragmentada, utilizando a palavra continua que, ao modelo dos folhetins, a continuação pode ser lida no exemplar seguinte.  Os temas abordados n’O Escorpião e os poemas publicados são, em sua maioria, escritos de forma jocosa, fazendo troça de algum político ou  mesmo de um fato do dia-a-dia.


O Coveiro, B. Canecco & comp., O Sapo-inchado, R. S., A Lagartixa, Almonzara, O Pai João, Cícero, O Espião, J. A. Ribeiro de Rezende (O Gerente), O Cabrião, F. M. P. N., Dois Curiosos, O Periquito, R. C. Montóro, Um Brasileiro e J. F. da Silva Guimarães são alguns dos pseudônimos que assinam os textos ou poemas publicados nas páginas de O Escorpião.


Selecionamos uma poesia publicada no ano 2, n. 24, de 28 de junho de 1863 que,  divergindo dos temas abordados em suas páginas, entoam “suspiros d’amor”, bem ao estilo do romantismo, então vigente.


 

Não menti!...


Tu dissestes que a lisonja
Fez em mim sua morada:
Eu digo que te enganaste,
Repito, estaes enganada.

Por comparar-te a um anjo
Meu coração não mentiu,
Pois tu foste um astro liado
Que na vida me fulgia.

Quando no mundo eu vagava
Qual baixel em mar undoso,
Rogando a Deus que abrandasse
Esse mar tão assombroso.

Elle escutou minhas preces,
No meio dessa procella,
Fez no céo, que eu via negro,
Fulgir meiga a pura estrella.

Forão teu olhos formosos
Que me derão redempção,
Foste tu que acalentaste
Meu gelado coração.

Foste tu que a minha Lyra
De rosas c’roar vieste
E calcaste, aos pés sorrindo,
Triste ramo de cypreste.

Dizendo que tal emblema
Não cabia ao trovador,
Nem á Lyra que entoára
Ternos suspiros d’amor.

Vê tu, pois, minha querida,
Que fallei do coração,
Nem cabia no meu peito
Vil lisonja, ou ingratidão!

 

J. F. da Silva Guimarães

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