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O Garoto: critico, desopilante, molieresco, rabelaiseano

por Maria Ione Caser da Costa
Um dos jornais satíricos e caricatos que circularam em Fortaleza, capital cearense foi O Garoto, periódico que se intitulava: critico, desopilante, molieresco, rabelaiseano. Foi lançado no dia 03 de novembro de 1907, e circulou até dezembro do ano seguinte.

Foi escrito e dirigido pelo caricaturista, romancista, poeta e, posteriormente, acadêmico, Gustavo [Dodt] Barroso (1888-1959) e pelo também caricaturista, chargista e humorista José Gil Amora [José Albano Amora] (1883-1920). Com regularidade “indeterminada”, O Garoto era editado na rua 24 de Maio, n. 236. Neste endereço funcionava a Farmácia Albano, de propriedade do tio de José Gil Amora, local em que cedo começara a trabalhar e montara seu escritório de literato e caricaturista.

Impresso na Typographia D’O Garoto, com quatro páginas cada exemplar, sendo estas diagramadas em três colunas divididas por um fio simples. A quantidade, variedade e centralidade das ilustrações nas matérias fazem dele um verdadeiro periódico ilustrado, embora simplório. As ilustrações são dos próprios editores, que faziam seus “clichês a canivete, servindo-se da casca da cajazeira”.

O periódico era composto por prosas, versos, crônicas e charges que, como toda ilustração desse tipo, eram provocativas. Veio para criticar e “desopilar o fígado” de seus leitores, farpeando as pessoas que estavam em evidência na sociedade das terras de Iracema, principalmente os políticos e burgueses.

O número avulso atual era vendido por 100rs. O valor subia para 200rs para quem quisesse comprar números atrasados. “Não se aceita collaboração de pessoa alguma sem assignatura, ouviu?”, era uma das frases do expediente, descartando qualquer hipótese de outros colaboradores que não se identificassem aos editores. Todas as assinaturas encontradas nas páginas estão sob pseudônimos, tais como: Inofe da Paixão, João Cotôco, José da Rua, Wenceslão Espalha Brasa, X Garabola, Xico Chorão e Zé Gil.

Numa indicação clara de que a pilheria e a comicidade era o mote dos editores, os expedientes de todos os fascículos iniciam com a seguinte trova:

“Para cá vem de carinho... Quem comigo se metter! Seja brabo ou bem mansinho, Todos hão de padecer!...”.

Na capa, além do cabeçalho, título e da designação numérica, aparece o desenho de um garoto de camisa listrada, braços abertos, saudando uma paisagem praiana, marca da cidade. As primeiras e quartas capas eram sempre ilustradas por uma charge crítica ou cômica.

O editorial, sem indicação de autoria, inicia assim:

O Garoto surgindo hoje na arena jornalística, vem prehencher uma lacuna, de que ha muito se fazia mister na grande terra do “Yaya”, “Casaca de urubu”, “Tostão” e outros amimaes terrestres da mesma espécie, no dizer deste ultimo.
Atravessamos uma época de marasmo, de falta de estimulo mesmo, preguiçando p’r’ahi numa espécie de spleeun maldito que nos vai atrophiando aos poucos e haurindo gota a gota o nosso alento vital. [...]
O Garoto então, sacudindo os da Troça, da Pilheria e da verdadeira Gargalhada, - jogral eterno, espera fazer uma transformação completa.
O seu lemma é fazer rir até morrer... mesmo a qualquer um hipocondríaco que haja porventura, algures, com cara d’asno.
Nada de tristezas, portanto.
É folgar rijo, que a vida é breve e a morte certa.


Em novembro de 1908, quando o periódico completou um ano, é publicado na capa, um poema com a assinatura de Olavo Bilac, com o título “Anniversario d’O Garoto: um soneto pelo telegrapho”. O poema está em folha inteira e emoldurado com belos arabescos. Ei-lo:

Anniversario d’O Garoto
Um soneto pelo telegrapho


Ao completares hoje um roseo anno de vida
Consagrado á pilheria, á critica e á poesia,
É um sagrado dever que tem a Academia
De Lettras do Brasil, nesta sala reunida,

Em sessão, onde o riso á festa nos convida,
Mandar-te parabéns de viva sympathia,
Por successo tão grande havido neste dia
- Marco de uma batalha – a primeira vencida.

Acceita pois, GAROTO, um abraço fraterno
Que te faça estalar toda a espinha dorsal,
Com um voto ao Ceará de muito bom inverno

E um outro fervoroso enviamos-te afinal,
Que livre te trará das caldeiras do inferno,
- Que sejas como nós de existência immortal!

Em quase todos os números há a publicação de uma crônica. Sempre no mesmo estilo, algumas apresentam a assinatura de José da Rua, pseudônimo utilizado por José Gil Amora. Nelas, o autor se dirige aos seus leitores como “sorumbáticos e pantalgruélicos” e comenta os acontecimentos locais.

O soneto “Aos noivos” é dedicado “ao poeta Mario Linhares”, e assinado com o pseudônimo de Zéca Garoto, marcam que a irreverência e as farpas provocativas têm espaço mesmo nas homenagens...

Os Noivos
(Ao poeta Mario Linhares)


Á noite, finda a festança
Do casório, o jovem par
Se despe, sem mais tardança,
Na alcova do novo lar.

Do espartilho a noiva cança
Para os cordões desatar...
Diz-lhe o noivo: Anjo, descança...
Com esta faca é bom cortar.

Do quarto perto, assustada,
Ouvindo o que o genro diz,
A sogra vem apressada

Á alcova e grita batendo:
- De faca não seu Diniz!
Aqui tem óleo, querendo...

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