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O Iris: jornal scientifico e litterario

por Maria Ione Caser da Costa

O Iris foi lançado em maio de 1857, na capital da província de São Paulo pela Typographia Imparcial de Joaquim Roberto de Azevedo Marques, então situada à rua do Ouvidor, 46. Recebeu o subtítulo de jornal scientifico e litterario. Foi mais um periódico que se preocupou com a nacionalidade brasileira, cultuando as letras e as leis que determinariam a formação da identidade do povo brasileiro.


Não foram encontradas informações sobre os nomes de seus editores. As palavras postas em seu primeiro editorial nos levam a crer que sejam jovens estudantes que buscavam dar um passo em direção à “missão que começa a fallar pelos labios da adolescencia e da inexperta mocidade, mas que algum dia terá por órgão a experiencia e o estudo do homem adulto e do ancião”. Assim iniciam o editorial:


O cultivo das letras é mais do que um deleite para o homem, é um dever imposto pela sua natureza sensível e racional. Neste século em que uma grande parte da humanidade mutila a obra Deos servindo-se da inteligência sómente como de uma força inventora de fosos e commodos materiaes, quando os asperos sons do Wagon resvalando pelos seus carris de ferro quase suffocam os canticos da poesia, as predicas do moralista e os discursos dos reformadores, que tentam eliminar da sociedade as parazitas destruidoras que se apegam ás suas mais santas instituições para sorver-lhes a seiva e deixal-as myrrhadas e agonisando lentamente no seio dos seculos, é sobre tudo louvável a cruzada de todos quantos robustecidos pela consciencia do dever e pela grandeza da missão travam da penna como de um thuribulo; e incensando á sciencia exaltam o espírito e dam nova força á vida do pensamento. E essa cruzada é tanto mais louvavel em nosso paiz quanto as sciencias e as letras ainda não conquistaram nelle a posição a que podião aspirar; - o sacrifício é por ora a unica esperança da litteratura – a pobreza a única Victoria da nova poezia – o applauso de meia duzia de entendidos a única recompensa dos nossos escriptores.


De formato pequeno, medindo 23 x 15 cm, podem se encontrados na  Biblioteca Nacional dois exemplares, os de números 1 e 3, este último publicado em julho de 1857. Com 48 e 30 páginas cada respectivamente, apresentam numeração sequencial de páginas, não havendo nenhum hiato na paginação entre os exemplares 1 e 3. Por este motivo chega-se a conclusão de que o segundo exemplar foi erroneamente numerado como 3. O correto seria receber o número 2.


Os exemplares que foram digitalizados e podem ser consultados pela web, através da BNDigital pertencem a Divisão de Obras Raras. Eles possuem o ex-libris da “Collecção Bennedicto Ottoni”, a mais importante coleção de livros sobre o Brasil e a América. Esta coleção foi incorporada ao acervo da instituição em 1911, por doação de seu filho, Júlio Benedicto Ottoni. Os exemplares em duplicata que estão guardados na Coordenadoria de Publicações Seriadas não podem ser descartados, em virtude do Depósito Legal.


Para corrigir o erro de editoração comentado acima, algum funcionário dos tempos idos, ao notar a continuidade da paginação, alterou os números dos exemplares. Com o procedimento o número 1 ficou sendo também o número 2, pois recebeu uma anotação com o novo número.  Interessante anotar que o algarismo foi feito numa grafia copiando o formato utilizado na publicação. Esta prática pode ser observada em alguns outros documentos antigos, nos quais eram feitas incursões ao texto original. Nos dias de hoje os procedimentos são totalmente diversos: os erros de editoração encontrados são apontados em notas no momento da catalogação do periódico, mas são preservados.


Outra anotação curiosa está na página 46 do primeiro exemplar. A poesia intitulada A’ Frei Francisco de Monte Alverne” não apresenta autoria, mas em uma anotação manuscrita ao alto do título, lateralmente. Nela pode-se ler “J. Bonifácio – Moço”. Acredita-se que seja uma referência ao autor do poema, José Bonifácio de Andrada e Silva, sobrinho neto do Patriarca da Independência,  José Bonifácio. O poema, entretanto, não está no livro Rosas e Goivos, de 1848, mas aparece em Poesias, organizado por Jose Maria Vaz Pinto Coelho, não muito tempo após a morte do autor.


Outra anotação pode ser visualizada na última página do exemplar de número 3: “este periódico foi redigido pelo quinto annista João Baptista Pereira”.


Graficamente O Iris foi formatado como se fora um livro, em uma única coluna e sem ilustrações. De um modo geral, seus textos são eruditos, voltados para a área do Direito, e não noticiosos. Homem de Mello e João Crispiniano Soares são os únicos colaboradores nomeados na publicação. A seguir um excerto do poema que a anotação informa haver sido escrito por José Bonifácio de Andrada e Silva, O Moço.


A’ Frei Francisco de Monte Alverne


I


Que sombra é esta? – d’onde vem trajando


O profético manto do passado?


Que mysterios do céo vem murmurando?


De frios ossos n’este chão calcado


Vem profeta dizer qual foi seu fado?!


II


Silencio! Traz o esquife luctuoso


Da geração extincta... e cae-lhe o pranto!


Olha em roda de si – e no repouso,


Estendidos no pó – no campo sacto,


Vêr seus amigos... não, não póde tanto!


III


Seus louros onde estão? – verdejam inda


Sobre campas – á sobra [sic] do cypreste!


Que palmas belas! – essa gloria infinda


Não ha frieza que lh’oviço creste;


A morte as unge, novas galas veste!

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