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O Moleque: propriedade de uma associação

por Maria Ione Caser da Costa
O semanário O Moleque: propriedade de uma associação foi editado na cidade de Desterro, em Santa Catarina. Os primeiros redatores foram o poeta e escritor Virgilio Varzea (1863-1941), e Pedro Paiva. Foi impresso na Tipographia e Litographia, situada na Rua da Constituição, 72, na atual Florianópolis (à época, Nossa Sra. do Desterro).

A Biblioteca Nacional não possui os originais de O Moleque. Os fascículos que podem ser consultados na Hemeroteca Digital, foram digitalizados a partir do microfilme da coleção existente na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, que inicia com o número 4, publicado em 1º de janeiro de 1885. Presumivelmente o primeiro número teria sido lançado em dezembro de 1884.

Iniciando o ano de 1885, a primeira matéria publicada é o poema Cumprimento, assinado por Moleque: “Eu felicito ao leitor / Pela bôa entrada de annos, / Alegre e de bom humor / Eu felicito ao leitor; / Desejando o esplendor / D’um viver sem desenganos... / Eu felicito ao leitor / Pela bôa entrada de annos...”

A coleção de O Moleque vai até o número 44, publicado em 1º de novembro de 1885, com falha nos números 1, 2, 3 e 15. A partir do número 22, publicado em 17 de maio de 1885, cinco meses após o lançamento, o poeta Cruz e Souza (1861-1898) passa a ser o redator da publicação, sendo saudado no editorial, que inicia com seu nome em destaque: CRUZ E SOUZA.
Assume hoje a redacção do Moléque o fulgurante escriptor e elevadíssimo poeta, cujo nome irradia á cima.

Para se avaliar o seu merito, é bastante dizer que a sua personalidade litteraria foi julgada, pelas principaes folhas do nosso paiz, a mais completa, artística e superior que a província de Santa Catharina tem produzido até aqui.

Entretanto os leitores poderão julgal-o melhor, pelo correcto e salutar artigo que abaixo publicamos, e que foi escripto rapidamente, sobre os joelhos, na occasião em que chegava-nos do sul, a horrorosa e quase absurda noticia da morte do Dumas brasileiro, a mais cricteriosa e digna organização de dramaturgo que possuiríamos em melhor futuro – Arthur Rocha.

É portanto, inundados de um orgulho heroico e extraordinário, que noticiamos a entrada do maravilhoso poeta das Cambiantes e dos Cirrus e Nimbos, para a nossa redacção.

Abro um parêntesis para apontar um fato curioso. Diz respeito à data de falecimento do escritor e poeta abolicionista Arthur Rocha. As pesquisas apontam para as datas de 1859-1888 como nascimento e morte do referido escritor. A leitura do artigo de Cruz e Souza n’O Moleque aponta para o ano de falecimento ter sido o de 1885. Sugestão para pesquisas futuras. Fecho parêntesis.

O Moleque foi bastante ilustrado com caricaturas e charges litografadas. Seus artigos e notícias, apresentados de forma satírica e bem humorada. Registrava a vida cotidiana da cidade de Desterro, concursos de beleza, notícias de alforria de escravizados e assuntos concernentes à literatura. Publicou poemas e crônicas. O poeta abolicionista Cruz e Souza assinava a maioria das matérias. Além de seu nome utilizava também alguns pseudônimos: Zat, Zot, Zut, Felisberto, Filósofo Alegre ou Trac.

Cruz e Souza era partidário do abolicionismo, utilizava as páginas d’O Moleque para contar fatos acontecidos e atacar a escravidão. Alguns fatos diziam respeito a ele próprio. Uma exemplo foi a matéria publicada no dia 16 de agosto de 1885, na coluna “Piparotes”, que assinou como “Trac”. O Moleque, na figura de Cruz e Souza deixa de ser convidado para o “grande baile de Anniversario ao qual o luxo e o bom gosto, a magnificencia, não faltaram”, baile promovido pelo Club 12 de Agosto, onde “estava seductora e fina a sociedade que dava a tudo aquillo uns tons phantasticos e côr de rosa”.
[...]Se não se distribuio convite para o Moléque porque o seu redactor chèfe é um creoulo, é preciso saber-se que esse creoulo não é um imbecil que não o saiba e o diga bem alto, por sua honra, por seu orgulho, porque não se véxa de hombrear com ninguém deste mundo que saiba o que è cavalheirismo, educação e probidade.

É um creoulo que tem muita presunpção em o ser e que não se curva, a despeito de tudo, senão ao talento, à bondade e ao caracter.[...].

Publicação semanal, todos os fascículos com quatro páginas, sendo que a primeira e a última tinham desenhos e charges. As páginas com texto foram divididas em três colunas. Escolhemos, a título ilustrativo, um dos muitos poemas de Cruz e Souza publicados nas páginas de O Moleque.

 

Luar

Pelas espheras, nuvens peregrinas,

brandas de toques, encaracoladas,

passam de longe, tímidas, nevadas,

crusando o asul sereno das collinas.

 

Sômbras da tarde, sombras vespertinas

como escomilhas lèves, delicadas,

caém da serra oblônga nas quebradas,

vão penumbrando as cousas crystallinas.

 

Rasga o silencio a nòta chã, plangente

da Ave-Maria – e então, nervosamente,

n’uns ineffáveis, expontaneos jôrros

 

esbate o luar, de fòrma admirável,

claro, bondoso, electrico, saudavel

na curvilinea compridão dos môrros.

[1] http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=889113&pesq=

[2] http://memoria.bn.br/DocReader/889113/140

 

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