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O Mundo da lua: folha illustrada, lunática, hyperbolica e satyrica

por Maria Ione Caser da Costa
Lançado no Rio de Janeiro em 1º de janeiro de 1871, o periódico O Mundo da lua, trouxe o subtítulo de folha illustrada, lunática, hyperbolica e satyrica.

O primeiro número foi editado pela Typographia de Cardoso & Irmão, que estava situada na rua Gonçalves Dias, nº 60. A partir do segundo exemplar, passa a ser editado pela Typographia do Diario do Rio de Janeiro, localizada no número 97 da rua do Ouvidor. Alguns números foram executados pela Typographia e Litographia Imparcial de Felix Ferreira & Comp, localizada no número 146 da rua Sete de Setembro, e os últimos pela Typographia Americana, situada na rua dos Ourives, 19.

O número avulso de O Mundo da lua valia 400 réis para a Corte e Niterói e 500 réis para as províncias. Os valores das assinaturas também variavam: na corte e em Niterói valiam 4$000, 8$000 e 16$000 para o trimestre, semestre ou para um ano de assinatura, respectivamente. Enquanto que nas províncias, a assinatura semestral valia 10$000 e a anual o valor cobrado 20$000.

O caricaturista Pinheiro Guimarães (João Pinheiro Guimarães) e seu primo Luís Guimarães Júnior foram os responsáveis pelo periódico O Mundo da Lua. Pinheiro Guimarães ilustra a capa do primeiro exemplar com uma charge em que ele e seu primo estão segurando seus instrumentos de trabalho, tendo abaixo, os seguintes dizeres: “A caridade bem entendida começa por casa”.

Também colaboram com ilustrações, além de Pinheiro Guimarães, que assina seus trabalhos com o desenho de um pinheiro (ao alto) e a letra G (abaixo), Flumen Junius (Ernesto Augusto de Souza e Silva Rio, m.1905) e Bordalo Pinheiro (Raphael Augusto Prostes Bordallo Pinheiro, 1846-1905)

A seguir um recorte do texto do editorial, onde os editores falam da galhofa e da sátira que pretendem entregar semanalmente aos leitores:
... O que é certo é que fazer rir honestamente e espirituosamente vale mais que a rendição de Metz ou uma corrida de uhlanos para longe de Orleans!

Rir!... Todo o mundo ri e todo o mundo faz rir! Um idiota que cahe debruços é capaz de excitar a hilaridade em mil e oitocentos diplomatas congregados!

O riso é um enigma, como o olhar, como o gesto e como a consciencia. Eu me rio, porque tu estás sério; como tu ficas serio quando me rio. Das duas uma: ou a tua seriedade é um idiotismo ou é um idiotismo o meu riso! [...]

Riamo-nos então! Riamo-nos? Gargalhemos muito! muito e sempre! O leitor gosta; gosta a leitora e os edictores desta folha também! [...]

O Mundo da lua não é um titulo como outro qualquer. Ser-nos-hia mais fácil comprar uma commenda do que achar um titulo jornalístico! Pensámos, cogitámos, prescrutámos sem parar, sobre a indole e o futuro deste semanário especial.

Saiba quem lêr isto que a redação do Mundo da Lua veio realmente da lua. A terra está gasta, inútil e semsaborona. Era preciso uma novidade saliente. Onde encontral-a? Entre os deputados? Senadores? Em partidos políticos? no movimento sediço e gasto da comunhão terrena?

Os edictores d’esta folha, enviados extraordinarios d’um planeta tão mal considerado na terra, determinaram ser fieis zeladores dos interesses lunaticos. Um dos nossos collegas quiz dar ao semanário o nome de Eclypse, outro de Nevoeiro, outro de Cataclysma, outro de ... [...]

O Mundo da Lua foi o baptismo adoptado. Depois de tudo aceito e decidido, recordamo-nos de que estávamos em terra firme, e que era preciso portanto seguir a norma dos nossos conterrâneos, embora filhos de planeta contrario.

Os primeiros 14 fascículos apresentam na parte superior da capa o mesmo desenho: um quadrado com o desenho de um homem com o dorso nu, segurando uma lança fincada na terra, e avista ao longe a lua, que parece estar dormindo com uma touca de babados. Nuvens e fumaça completam o quadro. Na parte superior do desenho, o título do periódico disposto em semicírculo.

Na lateral direita do desenho, uma nota informava que “toda a correspondência, deve ser dirigida ao gerente desta folha a rua dos Ourives nº 76, sobrado, aonde se recebem assignaturas e annuncios a 100 rs por linha”.

A partir do número 15, publicado em 8 de abril de 1871, as ilustrações deixam de fazer parte da primeira e quarta capas, passando a serem colocadas nas páginas centrais. Neste fascículo está  um pouco da vida de Antonio José Nunes Garcia (1813-1894), poeta, que se tornou jornalista, professor e literato. No número em questão ele é descrito como “homem alto, magro, bastante moreno, com a fronte, onde se vê scintillar o gênio, larga e contornada. Tem “cabelo hirsuto onde os lisos pentes á força furam.”

O Mundo da lua teve seis meses de duração, perfazendo um total de 26 exemplares. O último foi publicado no dia 27 de junho de 1871. Todos os exemplares com quatro páginas, duas ilustradas, e duas com os textos que podem ser consultados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Abaixo um dos poemas encontrados nas páginas de O Mundo da Lua. Está no número 11, que foi publicado no dia 11 de março daquele ano. É de autoria de Luiz de Alvarenga Peixoto (1836-1876).

 

Á morte da princesa D. Leopoldina

Que o velho tronco, despido

dos seus verdores, sem vida

caia na terra querida,

na terra que o vio nascer,

é triste; mas não lutamos

contra as leis da Providencia

que, sem conta, da existencia

na terra os annos não quer.

 

Mas vêr a flôr peregrina,

vergada aos sopros do Norte,

cahir, ferida de morte,

longe dos patrios rosaes!...

Mas vêr a jovem Princeza,

na sua aurora primeira,

morrer na terra estrangeira,

é dôr pungente de mais!...

 

Todo Brasil, mergulhado

na mais profunda tristeza,

chora a morte da Princeza,

morte cruel que o céo quiz:

tão longe dos Pais amados,

dos amantes soberanos

a quem Deos por longos annos

conserve em bem do paiz.

 

Luz de estrela que reflecte

seus raios na fria vaga,

brilha um instante e se apaga

no manto da escuridão,

a memoria da Princeza,

sem lembrança nem saudade,

em terra estranha não há de

ter prantos do coração.

 

Mas o povo que caminha

na senda escura da vida,

em procura da avenida

que o progresso lhe mostrou,

quando o céo velar seu rosto

n’uma noite tormentosa,

chorará a luz formosa,

que tão cedo se apagou.

 

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