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Revista nova (SP 1931)

por Maria Ione Caser da Costa
A Revista nova foi lançada em São Paulo no dia 15 de março de 1931 sob a direção de Paulo Prado (1869-1943), Mario de Andrade (1893-1945) e Antônio de Alcântara Machado (1901-1935). A gerência estava sob a responsabilidade de Nelson Palma Travassos (1903-1984). Circulou até dezembro de 1932.

Publicação envolvida com os ideais modernistas, publicou crítica literária e inúmeros estudos relacionados aos acontecimentos do Brasil daquele início dos anos de 1930.

Foi lançada como publicação trimestral, com edições nos meses de março, junho, setembro e dezembro, passando a bimestral no segundo ano, 1932.

O último número da coleção, o número 8, publicado em 15 de dezembro de 1932, trouxe duas informações na seção “Notas”. A primeira informa sobre a falha da publicação: “o movimento de 9 de julho impediu a publicação dos ns 8 e 9 desta revista, a 15 de agosto e 15 de novembro, respectivamente. O presente fascículo compreende, assim, três números reunidos num só volume.” A segunda explica que “por motivos de ordem particular, Mario de Andrade deixou o posto que ocupava na direção da REVISTA NOVA, desde o seu primeiro numero. Esse afastamento, entretanto, não privará a revista da colaboração habitual do autor de “Macunaima”, como se depreende do próprio sumario do presente número.” Os exemplares da Revista nova ainda não forma digitalizados, portanto, a consulta só poderá ser efetuada na Coordenadoria de Publicações Seriadas da Biblioteca Nacional.

Revista nova foi editada pela Empresa Gráfica Revista dos Tribunais. A redação e administração estava localizada na rua Xavier de Toledo, número 72. Seu número avulso foi vendido por 5$000 e a assinatura anual valia 18$000.

O texto de abertura não teve título, e recebeu as assinaturas dos três diretores.

 
Esta revista nasce com a firme tenção de durar. Ano começado será acabado: assegura-se aos possiveis assignantes. E essa affirmação é necessária numa terra que nem esta de desanimo facil e tentativas abortadas. Sobretudo no terreno ainda bravo das chamadas cousas do espirito.

Para Sinclair Lewis a literatura é a sexta preocupação do americano do norte. Entre nós é preciso distinguir. Porque a literatura é ao mesmo tempo a primeira e a ultima preocupação do brasileiro. É a primeira quando se trata da literatura por conta propria saída do desejo humano e muito nacional de brilhar falando e escrevendo: daí as citações classicas pondo erudição nos documentos administrativos e a presença distincta de Anatole France nas brigas de secção livre. Porém é a ultima das utimas quando se affirma na leitura do verdadeiramente bom poeta ou na compra do indiscutivelmente optimo romance do momento. O que parece ter varios nomes mais ou menos generosos: ignorancia, preguiça, egoísmo, indifferença, atraso. Este ultimo parece o mais certo: immenso atraso intelectual.

A REVISTA NOVA portanto se destina a uma minoria. Fazendo tudo quanto lhe fôr possível para engrossal-a. Nos dois sentidos.

Com tal intuito não se cingirá á pura literatura de ficção. Nem mesmo lhe reservará a maior parte do espaço. O conto, o romance, a poesia e a crítica delles não occuparão uma linha mais do que de direito lhes compete numa publicação cujo objectivo é ser uma especie de repertorio do Brasil.  Assim o interessado encontrará aqui tudo quanto se refere a um conhecimento ainda que  summario  desta  terra,  através  da  contribuição  inédita  de  ensaístas,  historiadores,  folcloristas,  technicos,  críticos  e  (está  visto) literatos.  Numa dosagem imparcial.  Resta esclarecer que, sendo da sua terra, a REVISTA NOVA será tambem do seu tempo.  E deste terá sobretudo a feição polemica que o caracteriza.

Medindo 22,5 cm x 15,5 cm, foi diagramada em coluna única e cada fascículo foi composto com mais de cem páginas. Não apresentou ilustrações nem publicidade em suas páginas. As capas traziam o sumário de cada fascículo, e todos os números apresentaram um editorial seguido de ensaio ou documento histórico: n. 1, “Carta a Eduardo Prado” (por Ramalho Ortigão); n. 2, “Carta ao Visconde de Pedra Branca” (por José Bonifácio de Andrada e Silva); n. 3, “O livro de Fra Gondicario” (excerto de um romance  inédito de Álvares de Azevedo e todo o número foi dedicado ao seu centenário); n. 4, excertos da correspondência de Alberto Rangel; n. 5, inéditos de Eduardo Prado sobre o padre Manoel de Moraes; n. 6, “Excerptos do Diário do Visconde de Taunay”; n. 7, “Extratos dos  Arquivos  Domesticos  da Companhia  de  Jesus,  referentes ao Padre Manuel de Moraes” (por Eduardo Prado); n. 8, “Carta a Eduardo Prado” (por Eça de Queiroz).

Colaboraram na Revista nova, além dos diretores, Afrânio Peixoto (1876-1947), Alfredo Ellis Júnior (1896-1974), Antonio Piccarolo (1863-1947), Artur Motta Filho, Astrogildo Pereira (1890-1965), Azevedo Amaral (1881-1942), Homero Pires (1887-1962), José da Silva Gordo (1891-1961), Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), Martins de Almeida (1907-1932), Octávio de Faria (1908-1980), Osório César (1895-1979), Ronald de Carvalho (1893-1935) e Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima, 1893-1983).

A seguir dois poemas: o primeiro, “Farsa” de Augusto Meyer (1902-1970), e o segundo, “Poema patético”, de Carlos Drumond de Andrade (1902-1987).

 

Farsa

Seios gêmeos ventre claro delta escuro

Eva morde o limbo de uma folha.

 

Adão feito de barro está no barro

Inócuo, de bodoque e de monóculo.

 

O esqueleto encasacado cumprimenta

O fruto ilustre, mal ou bem?

 

Não tenha medo: os animais são amestrados

Urro de leão na mola da barriga

Tudo depende do dedão do Manda-chuva.

 

Ó bocejo Ó perfeição paradisíaca

Si não fosse o silvo sabio da serpente...

 

Na platea distraída,

Tate-bitates, os doutores interpretam.

 

Poema patético

Que barulho é esse na escada?
É o amor que está acabando,
é o homem que fechou a porta
e se enforcou na cortina.

 

Que barulho é esse na escada?
É Guiomar que tapou os olhos
e que se assoou com estrondo.
É a lua imovel sôbre os pratos
e os metais que brilham na copa.

 

Que barulho é esse na escada?
É a torneira pingando água,
é o lamento imperceptivel
de alguem que perdeu no jogo
emquanto a banda de música
vai baixando, baixando de tom.

 

Que barulho é esse na escada?
É a virgem com um trombone,
a creança com um tambor,
o bispo com uma campainha
e alguem abafando o rumor
que salta de meu coração.

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