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Periódicos & Literatura

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O Mosquito – órgão do povo

por Irineu E. Jones Corrêa (FBN), Luzia Ribeiro de Carvalho (IC Faperj – bolsista)
O Mosquito é um jornal manuscrito da cidade de São João Marcos, mesma cidade em que foi editado outro periódico que também pode ser visitado neste dossiê da coleção Periódicos & Literatura, O Município. A Biblioteca Nacional possui os números 17, 34 e 35, do ano de 1892, segundo ano de circulação do título. Esta informação indica que ele foi publicado durante um período razoavelmente longo, fato pouco comum para publicações desse tipo. Procurando em outras bibliotecas, não foi possível saber se ele circulou por quanto tempo mais.

A cidade de São João Marcos tornou-se muito conhecida no ciclo do café do Vale do Paraíba no século XIX. Já no século XX, a grande referência encontrada em relação a cidadezinha se deu pelo alagamento de suas terras para a construção da represa de Ribeirão das Lajes.

O periódico está com as suas folhas amareladas e manchadas, com alguns rasgos nas bordas e marcas de dobraduras. O cabeçalho é composto pelo nome do periódico, data de edição, ano e número e nome da cidade. As matérias estão distribuídas em três colunas. Uma única vez, no número 34, um texto vaza essa distribuição, ocupando o espaço de duas colunas. Suas medidas são 22 x 33 cm.

A primeira coluna à esquerda traz a periodização do manuscrito, informando que circula aos domingos, e nomeia o redator, José de Paula Assumpção. Na edição 17, faz uma referência aos diversos colaboradores, sem citar seus nomes, e ao “generalíssimo Deodoro”. No exemplar 35, o endereço da redação, Rua da Matriz 30, aparece no mesmo espaço. Na edição 34, uma borda negra, provavelmente uma indicação de luto pela morte do Marechal Deodoro da Fonseca, ocorrida em 23 de agosto.

O editor de O Mosquito, também responsável por O Município, era o sacristão da igreja local, conforme registra o Almanaque Laemmert. Coincidência ou não, o jornalzinho tem várias expressões e frases em latim, uma delas, (Mane, Thecel, Phares), que pode ser traduzida como “contado, pesado e dividido”, usada de modo relacionado com o presidente da época, Floriano Peixoto (1839-1895), parece questionar a capacidade do Marechal em exercer o cargo.

O número 17, o mesmo em que aparece a expressão comentada acima, faz outra crítica ao Presidente, que assumiu o cargo após a renúncia de seu antecessor. De acordo com o noticiário da época, sua posse foi contestada por grupos de oposição, que pediam a realização de uma nova eleição, em cumprimento ao que dizia a Constituição de 1891, que determinava nova eleição quando da vacância do cargo antes de completado dois anos de mandato. Em tom crítico, o jornalzinho chama atenção para “atitudes ditatoriais” como a deposição de alguns dos governadores eleitos, além de denunciar que o presidente não aparentava sensibilidade para as dificuldades passadas pelo povo. Ao final da matéria lança um repto: ”Basta de sacrificares o povo Brasileiro!”.

A edição termina com as notícias da cidade, como aniversários e falecimentos, as efemérides do mês de fevereiro e fatos do cotidiano, como uma briga entre dois senhores da cidade e o restabelecimento da saúde do Sr. Manoel Soares de Oliveira, provavelmente Manoel Soares de Oliveira Cravo (1844-1896), antigo Barão de São João de Loureiro, casado com uma filha do lugar.

O número 34, que circulou em 11 de setembro, retrata uma profunda tristeza e melancolia, pela morte de Deodoro da Fonseca, ocorrida no final do mês anterior. Logo abaixo do cabeçalho traz um poema atribuído à José Bonifácio, em honra “daquele que com tanta coragem bate-se sempre contra os inimigos da pátria”. Para o editor, uma de suas maiores glórias foi, em 1889, ter banido do território brasileiro a “dynastia imperial”. Entre os atos assinados por ocasião da Proclamação da República, estava o exílio imposto à família imperial. Publicado no Boletim da Alfandega de 23 de novembro de 1889, trata-se de um documento extremamente interessante do ponto de vista das relações entre os membros da elite: o Marechal escreve uma carta com a determinação ao exílio e recebe uma resposta do Imperador deposto, ambas publicadas na imprensa. Deodoro ficou no governo desde 15 de novembro de 1889 até 23 de novembro de 1891, quando renunciou, sendo substituído por Floriano.

Um texto comenta sobre a reeleição do jornalista Quintino Bocayuva (1836-1912) para o congresso Federal no Rio de Janeiro, cargo ocupado entre 1890 a 1900. O senador foi o primeiro ministro das relações exteriores da República, no período de 1889 a 1891. Foi presidente do estado do Rio de Janeiro, de 1900 a 1903. A coleção da Biblioteca Nacional guarda a edição do jornal O Paiz, do dia 11 de julho de 1913, na qual há o noticiário sobre a morte do renomado político.

Nem só de assuntos republicanos trata O Mosquito. Uma de suas matérias dá instruções de como tirar manchas gordurosas de um tecido e um texto anunciando a inauguração da nova revista na capital, o Correio Mercantil.

E o número 35 cobra das autoridades locais uma solução para o problema da grande quantidade de cães à noite na cidade que assusta e causa grandes inconvenientes aos são-joão-marquenses. Como solução, o periódico sugere que os moradores andem armados à noite. Nas demais colunas, o jornal informa sobre as festividades da festa de São João Marcos, sobre a nomeação do novo vigário de Mangaratiba, anuncia o aniversário da Dona Maria Paula de Assumpção, mãe do redator chefe, e dá uma receita para cuidar das unhas. Uma interessante informação encontrada no periódico é acerca do recenseamento da cidade, “no dia 30 de agosto do corrente ano, verificou-se existir 6722 almas, sendo homens 3388 e mulheres 3334”.




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