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Periódicos & Literatura

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O Município: um ilustre jornalzinho

por Irineu E. Jones Corrêa (FBN), Luzia Ribeiro de Carvalho (IC Faperj – bolsista)
O jornal manuscrito, O Município, circulou pela cidade de São João Marcos, em de 12 de agosto 1894. O redator-chefe responsável era J. de Paula Assumpção, sacristão da igreja da cidade, de acordo com o Almanak Laemmert. Ele já editara outro periódico manuscrito, O Mosquito, que também integra a coleção Periódicos & Literatura: Publicações Efêmeras, Memória Permanente. Ambos são folhas fortemente republicanas e visceralmente anti-monarquistas.

O periódico é composto em letra cursiva de tamanhos e contornos regulares. No cabeçalho, formado por título, ano e número, e no expediente, com nome da cidade, data e redator, as letras são em tamanho maior do que aquelas do corpo do texto. Dividido em duas colunas, as quatro páginas de papel almaço do periódico mostram uma organização simples e objetiva, com linguagem direta e de vocabulário simples, matérias são apresentadas em ordem de importância.
A sua primeira matéria reporta o importante festejo de entrega da bandeira realizado no domingo anterior ao da publicação. No evento, as senhoras republicanas ofereceram a flâmula nacional ao 28º Batalhão de infantaria da Guarda Nacional da Câmara, comandado pelo capitão José Noberto de Mello. Tratava-se do mesmo pavilhão que tremulava no “formidável cruzador Nitheroy”, famoso pela missão de “combate aos piratas” que se aventuravam na baía de Guanabara. Os tais piratas não eram os antigos corsários franceses, ingleses ou holandeses, mas aqueles que, na atualidade, procuravam “erguer uma monarchia morta para todo o sempre” – uma alusão às revoltas da armada que sacudiram o regime, nos idos de 1892. Enfaticamente, o orador afirmara que, caso necessário, o 28º Batalhão marcharia para defender a república.

O capitão, como a maioria dos chefes locais da Guarda Nacional, era um rico proprietário na cidade, no caso, era o dono da Fábrica de Tecidos e Fiação São José. Em 1909, as terras da fábrica seriam uma das maiores glebas desapropriadas para a construção da represa de Ribeirão das Lages. A fábrica tornou-se a primeira indústria do município transferida para Barra Mansa.

A notícia seguinte, “Casa de Caridade”, conta sobre a kermesse realizada em benefício da casa, aproveitando para criticar enfaticamente os oposicionistas do regime republicano por não comparecerem ao ato de caridade pelo que seria uma espécie de “politicagem mesquinha”.

Outra matéria, “Diversas Notícias”, narra acontecimentos cotidianos da cidade, aniversários, notícias do próprio periódico e assuntos variados. Em seguida, retoma o assunto da homenagem realizada pelas senhoras, informando que após a quermesse houve um baile que durou até altas horas da madrugada. Ao final, aparece a reprodução da notícia de O paiz, de 10 de agosto, que informara sobre a promoção do 1º tenente Jorge Americano Freire a capitão-tenente, bem como sobre uma calorosa saudação ao militar feita pelo redator. A historiografia da Marinha registra a carreira de Freire que chegaria a Diretor da Escola Naval e Almirante.

A história da cidade de São João Marcos é digna de novela. A localidade foi fundada em 1739, com a ocupação da região por fazendas. Localizada no Vale do Paraíba, viria a ter grande desenvolvimento no período do café, com a população chegando a 18 mil habitantes. Era uma cidade formada por ruas e travessas, com casas de estilo neoclássico e calçamento feito de pedra de cantaria. No século XX, ela manteve uma relativa riqueza. Tinha até um clube de futebol, o Marcossense F.C.
Em 1940, entretanto, durante o governo de Getúlio Vargas, a região foi escolhida para ser inundada pelas barragens que garantiriam água e eletricidade para a grande área metropolitana do Rio de Janeiro. Com isso, a cidade foi esvaziada, os habitantes transferidos para uma localidade próxima e seus prédios demolidos. Curiosamente, a inundação não ocorreu e o local virou uma cidade fantasma, até que no ano 2008 foi transformada num parque arqueológico e ambiental.

Antes de ser esvaziada, a cidadezinha criou filhos ilustres. Pereira Passos (1836-1913) foi o prefeito da reforma modernizadora do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, Ataulfo de Paiva (1867-1955) foi juiz, escritor e homem público importante, sendo um dos fundadores do serviço social da capital. Fagundes Varela (1841-1875) é um nome importantíssimo da tradição poética brasileira, um dos maiores representantes do romantismo brasileiro, autor de Cântico do Calvário. Ele e Paiva integram a plêiade da Academia Brasileira de Letras.










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