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Projeto Resgate Barão do Rio Branco

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Bahia | Castro e Almeida

por Esther Caldas Bertoletti
Introdução para o Catálogo dos Documentos Avulsos da Capitania da Bahia existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa

O Catálogo que em ora se publica apresentando de forma sistemática os quase 20.000 verbetes-resumos, com datas extremas de 1604-1828, existentes em 281 caixas nas prateleiras da SALA DO BRASIL, como era carinhosamente chamada pelo ilustre baiano e historiador Pedro Calmon, vem completar os outros dois conjuntos de documentos que já possuíam verbetes publicados e por isso eram mais conhecidos pelos pesquisadores. Verbetes que produzidos durante o século XX foram publicados, no Rio de Janeiro, nos Anais da Biblioteca Nacional, nos anos 1913 a 1918 e na Bahia, pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em 1950.

O primeiro deles, em 5 volumes, reunia 30.374 verbetes-resumos de documentos armazenados em 151 caixas com datas extremas de 1613-1807. Na Introdução ao primeiro dos cinco volumes, consta a informação que os documentos pertenciam ao “Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa, custodiados na Biblioteca Nacional portuguesa e organizados por Eduardo de Castro e Almeida, primeiro conservador da referida biblioteca”. Todos os cinco volumes tiveram uma edição de apenas 500 exemplares.

Vale lembrar aqui as palavras de Manoel Cícero Peregrino da Silva, diretor da nossa Biblioteca Nacional e autor da referida Introdução: “que entre os milhares de documentos oficiais que foram incorporados à Biblioteca Nacional de Lisboa e desde 1901 constituem uma seção à parte sob a denominação de Arquivo de Marinha e Ultramar, é considerável o número dos que são relativos ao Brasil, muito dos quais de grande importância para o estudo da nossa história”. O Dr. Eduardo de Castro e Almeida propôs à direção da nossa Biblioteca Nacional, organizar e inventariar os documentos relativos ao Brasil existentes nas caixas custodiadas pela Biblioteca Nacional de Lisboa, de onde era funcionário. Apresentou um plano de trabalho que compreenderia a ordenação geográfica e cronológica, e, para além dos verbetes- resumos, apresentaria alguns extratos de trechos ou mesmo a transcrição na íntegra de documentos que, segundo o seu critério, poderiam oferecer interesse histórico para o Brasil. Além dos verbetes-resumos preparou também três índices alfabéticos, um de nomes, outro remissivo de apelidos (ou seja, de sobrenomes) e um terceiro de assuntos (que incluía o toponímico).

E assim foi feito, inicialmente com os documentos existentes relativos à Capitania da Bahia e posteriormente à Capitania do Rio de Janeiro, também publicados nos Anais da Biblioteca Nacional do Brasil entre os anos 1921-1951. Temos portanto, no início do século XX, os cinco primeiros Catálogos contendo verbetes-resumos de documentos baianos contidos em 151 caixas (hoje, um total de 466 caixas, abrangendo os três conjuntos).

Durante todos esses anos esses Catálogos foram o grande manancial de pesquisa dos estudiosos da História da Bahia que tinham que se deslocar até Lisboa para ler os documentos de seu interesse precípuo.

Neste ínterim, o governo português decidiu criar o Arquivo Histórico Colonial, nos anos 30, com efeito pelo Decreto-Lei n. 19.868 de 9 de junho de 1931 criava o Arquivo Histórico Colonial que foi instalado no Palácio da Ega à Junqueira, onde se encontra até os nossos dias, incorporando os documentos mais antigos da Secção Ultramarina da Biblioteca Nacional e os fundos documentais do Ministério das Colônias, depois Ministério do Ultramar.

Vieram documentos de outros fundos e de outras instituições e, na reorganização, foram fixados três conjuntos principais: o do Conselho Ultramarino (Séc.XVI a 1833), o da Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar (1834-1910) e o do Ministério do Ultramar (1910-1975). O fundo que nos diz respeito diretamente é o do CONSELHO ULTRAMARINO tão cuidadosamente historiado por Marcello Caetano em seu livro editado no Brasil “O Conselho Ultramarino. Esboço da sua história”, Ed. Sá Cavalcante, Rio de Janeiro, 1969.

Contudo, a documentação da antiga Capitania da Bahia, hoje abrigada em 466 caixas tinha a particularidade de possuir dois conjuntos de documentos com Catálogos impressos: o conjunto organizado por Eduardo de Castro e Almeida (5 volumes, 1913-1918, publicados pela Biblioteca nacional, no Rio de janeiro) contendo documentos do período 1613-1807 e o conjunto organizado por Luisa da Fonseca, com a documentação do século XVII publicado na Bahia, pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, nos Anais do I Congresso de História da Bahia. Consta que Luisa da Fonseca, que era funcionária do Arquivo Histórico Ultramarino, organizou os verbetes a pedido do historiador baiano, Pedro Calmon e apresentou o resultado de seu trabalho no referido Congresso, sendo publicado no Vol. II dos Anais. São 34 caixas contendo 4.384 verbetes/resumidos de documentos de 1599 a 1700. Não preparou índices, nem fez transcrição de trechos ou de documentos na sua íntegra, à semelhança de Eduardo de Castro e Almeida, o que dificulta sobremaneira a pesquisa.

Já existiam assim esses dois conjuntos de documentos abrangendo períodos superpostos e este imbricamento de datas e documentos só aumentou ao verificarmos, no início dos trabalhos do PROJETO RESGATE, mais precisamente, em 1990, que existia ainda por fazer uma quantidade bem maior de caixas, ou seja, exatamente mais 281 caixas, com datas extremas de 1604-1828, ou seja, períodos históricos semelhantes aos dois outros conjuntos.

Temos hoje os documentos da antiga Capitania da Bahia distribuído em três conjuntos:

I – Conjunto organizado por Eduardo de Castro e Almeida: 151 caixas, publicado em 5 volumes (1913-1918) indicando 30.374 documentos com transcrição de trechos e/ou documentos na integra e apresentando índices por nome, sobrenome e assunto.

II – Conjunto organizado por Luisa da Fonseca: 34 caixas publicado em 1 volume (1950) indicando 4.384 documentos, não apresentando índices.

III – Conjunto organizado pela equipe do PROJETO RESGATE: 281 caixas contendo precisamente 19.610 verbetes/resumos dos documentos que se publica neste Catálogo acrescidos dos índices que foram preparados por uma equipe coordenada pelo próprio Arquivo Público do Estado da Bahia.

Discutiu-se no início dos trabalhos como microfilmar os três conjuntos: colocar os documentos, não importando qual o conjunto, em rigorosa ordem cronológica e assim amalgamar os documentos, ou respeitar os conjuntos tendo que em vista que dois deles já possuíam catálogos publicados com os verbetes/resumos e utilizados e referenciados por diversos pesquisadores. A direção do Arquivo Histórico Ultramarino optou por manter os três conjuntos separados e assim foi feito o trabalho. Contudo, para a microfilmagem dos dois primeiros conjuntos, com verbetes já publicados, foi necessária a leitura de revisão dos documentos nas “capilhas” que abrigavam o documento principal e seus anexos (essas antigas capilhas foram substituídas por capas novas e mais adequadas). Após essa minuciosa e cuidadosa leitura de confronto e controle dos verbetes publicados no Brasil na primeira metade do século XX, com os documentos originais, reproduzimos as páginas dos catálogos em cópias, tipo Xérox, que foram recortadas por verbete (na impossibilidade de serem digitados, pois demandaria muito tempo) para serem microfilmadas antes de cada documento a guisa de sinaléticas.

Vale dizer que ao longo do tempo entre a preparação dos verbetes (metade do século XX) até a leitura técnica realizada pelos pesquisadores do PROJETO RESGATE para a microfilmagem, alguns documentos estavam fora de seus lugares originais, o que é natural em se tratando de documentos avulsos que, constantemente iam até os pesquisadores nas SALAS DE LEITURA, primeiramente, na Biblioteca Nacional de Lisboa e depois no Arquivo Histórico Ultramarino, por mais de 90 anos para os olhares atentos e curiosos dos pesquisadores. Na preparação para a microfilmagem desses dois conjuntos contamos com a colaboração de pesquisadores baianos, arquivistas e historiadores entre os quais se destaca a antiga funcionária do Arquivo do Estado da Bahia, Neusa Esteves Fernandes, hoje arquivista da Santa Casa de Misericórdia, onde prossegue o seu trabalho com competência e dinamismo. A ela devemos a elaboração dos Índices, completos, dos documentos do século XVII, juntamente com outros colaboradores tais como Zita Alves, Tatiane de Lima Trigueiro e
Mário Pires Miguel. Espera-se que em breve possam ser re-editados os verbetes do Catálogo da Luisa da Fonseca acrescidos dos índices facilitadores da consulta, na sequência deste Catálogo dos Avulsos que ora se edita graças ao empenho da atual diretora do Arquivo Público do Estado da Bahia, Dra. Maria Teresa Navarro de Brito Lemos. Anteriormente, como era de se esperar, outras Diretoras do Arquivo da Bahia, também se empenharam mas, sem êxito. Os Governos dos Estados da Bahia e de Sergipe apoiaram a transformação dos rolos de microfilmes dos dois primeiros conjuntos (Castro e Almeida e Luisa da Fonseca) em CD-ROMs. Uma ampla divulgação dos resultados concretos do trabalho que se realizava em Lisboa, foi feita em solenidade realizada no próprio Arquivo Público da Bahia, em setembro de 1998, ocasião em que os Cds dos dois primeiros conjuntos microfilmados foram distribuídos a cerca de 15 instituições baianas de ensino e pesquisa, entregando-se na ocasião cópia dos rolos de microfilmes ao Arquivo Público do Estado (uma segunda cópia encontra-se custodiada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro). O fato mereceu ampla cobertura da Imprensa baiana e alguns pesquisadores escreveram textos primorosos, entre eles, permitam-me citar, o de Fernando da Rocha Peres intitulado “LAVRA DO ARQUIVO”, em que finalizava dizendo que a “Bahia passa a ter o ouro do arquivo, a lavra necessária para o avanço das pesquisas históricas em nossas universidades”. (jornal A TARDE, Salvador, 22/09/1998)

Ao mesmo tempo em que se procedia a re-leitura e confronto dos documentos originais com os verbetes dos dois conjuntos já publicados para a microfilmagem que disponibilizaria, na integra, todos os documentos aos interessados, iam sendo organizados e preparados os verbetes do novo conjunto de documentos avulsos sobre a Capitania da Bahia que se apresentavam ainda inexplorados. Muitos documentos-anexos aos documentos principais foram encontrados “desgarrados” do seu local de origem e alguns documentos até tinham migrado das caixas da Capitania da Bahia para as caixas de outras Capitanias.

Foram então “re-pescados” na re-leitura de todos os documentos da Capitania da Bahia, contido nas 466 caixas.

Portanto, o que os estudiosos e pesquisadores têm acesso hoje, nos seus computadores ou leitoras de microfilmes, é o resultado do trabalho, dedicação e competência de alguns dedicados pesquisadores baianos e sergipanos. Para a realização desse trabalho contamos com o apoio financeiro principalmente da já citada Fundação Clemente Mariani, além dos governos dos Estados da Bahia e Sergipe e do governo federal, sob a coordenação da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura e a colaboração dos Ministérios das Relações Exteriores/Departamento Cultural/ Embaixada do Brasil em Lisboa e da Ciência e Tecnologia/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq. Também recebemos apoio de instituições portuguesas como a Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e a sempre amiga Fundação Calouste Gulbenkian, com bolsas de pesquisa tão providenciais além do próprio Arquivo Histórico Ultramarino. Temos pois, finalmente, no Brasil e na Bahia, a integralidade dos documentos baianos sobre o período colonial existente no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa que, em breve, estarão também disponibilizados “on line” pelo Centro de Memória Digital da Universidade de Brasília, graças a Convênio com o Ministério da Cultura e patrocínio da PETROBRÁS.

O terceiro conjunto de documentos (1604-1828) que se publica neste Catálogo os verbetes, foi lido e organizado, com extrema dedicação, paciência e competência, para a elaboração dos verbetes-resumos por uma equipe de professores e pesquisadores, hoje mestres e doutores brasileiros, Avanete Pereira de Souza, Onildo Reis David, Márcia Gabriela de Aguiar Barreto e Lourival Santana Santos, com o apoio de outros pesquisadores, historiadores e arquivistas brasileiros e portugueses. Recentemente, para a publicação do Catálogo os verbetes/documentos foram revistos pela equipe do Arquivo Público do Estado da Bahia, sob a coordenação de Marlene de Oliveira e, em Lisboa, pela coordenadora atual dos trabalhos do PROJETO RESGATE, pesquisadora doutoranda Erika Simone de Almeida Carlos Dias. Aos a elaboração dos 19.610 verbetes foram microfilmados na sequência dos trabalhos graças ao incondicional apoio desde os primeiros momentos da Dra. Maria Clara Mariani, Presidente da Fundação Clemente Mariani /Banco BBM.

O que se esperamos possa ser feito, em sequência do Catálogo desvelando os verbetes e os índices do terceiro conjunto documental relativo à Capitania da Bahia existente no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, completando assim o acesso facilitado aos documentos que abrangem três séculos de história da Bahia, em cerca de 450.000 páginas manuscritas é que se prepare, com a ajuda dos pesquisadores, Universidades e instituições governamentais, um plano de trabalho para a realização da:

I – Reedição dos Catálogos de Eduardo de Castro e Almeida e Luisa da Fonseca com verbetes uniformizados, ou seja, sem as transcrições (já que temos agora acesso à íntegra informacional dos documentos) e com a observância das normas modernas de transcrição paleográfica e da sistemática arquivística na elaboração dos verbetes e dos índices. Trabalho semelhante ao que foi recentemente realizado com o apoio da FAPESP/Governo do Estado de São Paulo, re-editando os 8 volumes do antigo Catálogo dos verbetes dos documentos coloniais da Capitania de São Paulo preparados por Alfredo Mendes Gouveia e publicados pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro/IHGB, em 15 tomos especiais da Revista, a partir de 1956.

II - Preparação de um Índice único dos nomes, assuntos e lugares com remessa aos três conjuntos documentais. Hoje, os documentos dos três conjuntos possuem datas entre 1599-1828 superpostas e a forma imbricada do conteúdo informacional está a exigir hoje dos pesquisadores uma ida e vinda aos três conjuntos documentais para análise de um único acontecimento. Com esses dois trabalhos estaremos todos oferecendo os pesquisadores da história da Bahia e do Brasil o acesso às fontes da memória resgatadas para os nossos pesquisadores ao abrigo da RESOLUÇÃO nº 4212 da UNESCO de 1974 e graças aos convênios de cooperação e amizade entre os dois países Brasil-Portugal.

Vale a pena relembrar aqui que muitos documentos, com datas a partir de 1548 (anteriores portanto, aos documentos trazidos de Lisboa) existentes no Arquivo Público do Estado da Bahia de interesse para a história de Portugal foram microfilmados e, hoje, encontram-se à disposição dos pesquisadores portugueses no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, no âmbito da Comissão Luso Brasileiro para Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental (COLUSO). Documentos que se complementam e ajudam a melhor compreender a história de um passado colonial comum.

Cabe ainda uma palavra de agradecimento à eterna mestre de todos nós, Profa. Dra. Heloisa Liberalli Bellotto que desde o primeiro momento tem estado, periodicamente, em Lisboa coordenando e incentivando todas as equipes, dirimindo dúvidas com a sua competência e dedicação à causa dos documentos e que muito nos ajudou no diálogo técnico com os funcionários do Arquivo Histórico Ultramarino, que sempre nos apoiaram desde o primeiro momento, ao lado das diretoras: a antiga, Dra. Maria Luisa Abrantes e a atual, Dra. Ana Canas Delgado Martins, ela própria uma estudiosa da história do Brasil, como bem o demonstra o seu livro Governação e Arquivos. D.João VI no Brasil, editado em Lisboa, em 2006.

Em nome dos pesquisadores, não só baianos mas de todos, sejam brasileiros ou não, o PROJETO RESGATE muito deve ao entusiasmo de todos os que de uma forma ou de outra se achegaram ao PROJETO RESGATE, tornando-o uma realidade sonhada por tantos por tanto tempo. E aqui cabe também uma palavra in memoria do Embaixador Wladimir Murtinho, nosso sempre lembrado Coordenador Geral que, em 1983, fazia no Palácio do Itamaraty, no Rio, as primeiras reuniões para a concretização do PROJETO RESGATE BARÃO DO RIO BRANCO, finalmente iniciado nos anos 90. Ao Ministério da Cultura, dirigido nos últimos anos por ilustres e sensíveis baianos e, principalmente, ao Ministro Juca Ferreira que assina o estimulante PREFÁCIO, à Secretaria de Articulação Institucional ao qual o PROJETO RESGATE está ligado e à minha instituição de origem, a Fundação Biblioteca Nacional, que me liberou, há mais de 25 anos para cuidar, com a paixão também baiana, do planejamento e da execução técnica do PROJETO RESGATE, os meus sinceros agradecimentos por ter a oportunidade de “servir à causa da memória”. Enfim, convidamos todos à pesquisa e a saudar, em uníssono, o Catálogo dos Avulsos da Capitania da Bahia com um emocionado VIVA O DOCUMENTO!

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