Projeto Resgate Barão do Rio Branco
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por Elizabeth Madureira Siqueira, Fernando Nogueira Lima, Paulo Coelho Machado
O catálogo que hoje vem a lume é revestido de características singulares, na medida em que corporifica a importante trajetória histórica lusitana e brasileira, simbolizada pela conquista, destemor, aculturação, diplomacia, esperança, luta e resistência. Foi no bojo desse intrincado movimento que constituiu-se a História de dois estados brasileiros - Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - unidos, no século XVIII, sob a denominação de Capitania de Mato Grosso.
Rememorar seus fastos primevos implica na compreensão do antigo sistema colonial que, nessa parte da Colônia brasileira, realizou-se de maneira singular. A História da Capitania de Mato Grosso revela que as ações humanas foram capazes de romper tratados firmados entre as cortes lusitana e espanhola, consubstanciada no avanço paulatino e constante de colonos portugueses rumo ao extremo ocidente.
Foi, na raia máxima da frente oeste de colonização, firmada a fronteira nacional - fruto de embates e lutas que tiveram por mote uma movimentação espontânea e vigorosa que garantiu a Portugal o domínio de toda a extensão territorial consubstanciada no território da Capitania de Mato Grosso.
Nessa "guerra" de conquista, o colonizador português, que atravessou o Atlântico para representar o Rei, deparou com os colonos, bandeirantes farejado- res de índios e de metais preciosos que, por sua vez, contavam com a resistência indígena na luta pela garantia de seus seculares territórios e pela manutenção de sua milenar cultura. Um quarto componente emergiu nesse espaço de conquista e fé - o elemento religioso que, entre a cruz, o livro e o tacape, disputou politicamente com os colonos a posse dos índios e, para estes últimos, sinalizou com o cristianismo e os hábitos e costumes ocidentais. Todo esse processo teve como palco terras que significavam a "chave e o propugnáculo do sertão do Brasil."
A trajetória histórica da Capitania de Mato Grosso foi composta por um jogo de força, astúcia e diplomacia implementado por esses heterogêneos segmentos. De um lado, a Coroa Portuguesa representada pelos capitães-generais e seus assessores diretos. O sistema de capitação. o quinto do ouro. a casa de fundição, a Provedoria e a Contadoria da Real Fazenda marcaram os espaços fiscalistas do sistema. De outro lado, o Senado da Câmara, o pelourinho, o poder de justiça representado pelo Ouvidor-Mor, pelos juízes de Fora e de Paz responsáveis pelo cumprimento, em pleno sertão, das ordenações, cartas régias, bandos e regimentos. Ao lado dessa organização administrativa, de tradicional realização nas diversas colônias lusitanas de além mar ressalta o inusitado de Mato Grosso que, com sua realidade diferencial, oferecia vários desafios ao corpo legal: os índios em abundância - mão de obra escrava, fiéis apóstolos de Jesus ou guardiões da fronteira? O vastíssimo território e o dilema - Cuiabá ou Vila Bela para sediar a capital da nova Capitania? Abastecê-la via litoral, pelas monções do Tietê, ou pelo alto Guaporé-Amazonas, através da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão? Colocar os escravos - nas lides mineiras ou nas roças? Comercializar na fronteira com os espanhóis ou suportar as privações? Aceitar a ação jesuíta ou resistir a ela? Expulsá-los significaria a retirada de substancial parcela da cultura letrada do vasto território colonial. Permitir somente a extração do ouro ou abrir a mineração também ao diamante? Fazer "vistas grossas" ao contrabando ou afugentar a já rala popula- ção da fronteira? Propiciar uma colonização tipicamente "tupiniquim" ou optar pela migração de casais açorianos? Incorporar os indígenas como colonos, escravizá-los ou dizimar os grupos mais resistentes?
Foi em meio a essa série de indagações que se realizou, na Capitania de Mato Grosso, uma modalidade de colonização típica porque fruto de uma problemática histórica específica e singular.
O presente Catálogo consubstancia, em seus verbetes, o embate entre o mundo colonial fronteiriço e sua adequação ao sistema colonial, num tempo, natureza e andamento próprios. Oferece ele aos consulentes dados e interpretações desse momento histórico tão distante cronologicamente, mas que foi capaz de fincar no solo e imprimir na gente mato-grossense características que, até hoje, personificam o território e o povo de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O esforço no resgate dessa histórica trajetória setecentista, tendo por base a documentação depositada no Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, deve-se a um grupo de cívicos brasileiros unidos em torno do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, sob a Coordenação Geral do Embaixador Wladimir do Amaral Murtinho, a Coordenação Técnica da Dra. Esther Caldas Bertoletti e apoiado pela Casa da Memória - Arnaldo Estevão de Figueiredo, entidade presidida por Lélia Rita Euterpe de Figueiredo Ribeiro. O trabalho de leitura, resenha e catalogação dos documentos constantes do presente Catálogo esteve a cargo de dois pesquisadores, Dora Ribeiro - por Mato Grosso do Sul - e Edvaldo de Assis - por Mato Grosso. A edição deste instrumento de pesquisa contou com a importante parceria de instituições de ensino superior: Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade de Cuiabá, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Católica Dom Bosco, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, Centro Universitário da Grande Dourados.
A reconstituição da memória histórica de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul integra um projeto mais amplo de redescobrimento de um Brasil nascido há 500 anos atrás e cujo futuro depende fundamentalmente da compreensão e entendimento daquilo que fomos, elo essencial na projeção dos rumos daquilo que seremos.
Rememorar seus fastos primevos implica na compreensão do antigo sistema colonial que, nessa parte da Colônia brasileira, realizou-se de maneira singular. A História da Capitania de Mato Grosso revela que as ações humanas foram capazes de romper tratados firmados entre as cortes lusitana e espanhola, consubstanciada no avanço paulatino e constante de colonos portugueses rumo ao extremo ocidente.
Foi, na raia máxima da frente oeste de colonização, firmada a fronteira nacional - fruto de embates e lutas que tiveram por mote uma movimentação espontânea e vigorosa que garantiu a Portugal o domínio de toda a extensão territorial consubstanciada no território da Capitania de Mato Grosso.
Nessa "guerra" de conquista, o colonizador português, que atravessou o Atlântico para representar o Rei, deparou com os colonos, bandeirantes farejado- res de índios e de metais preciosos que, por sua vez, contavam com a resistência indígena na luta pela garantia de seus seculares territórios e pela manutenção de sua milenar cultura. Um quarto componente emergiu nesse espaço de conquista e fé - o elemento religioso que, entre a cruz, o livro e o tacape, disputou politicamente com os colonos a posse dos índios e, para estes últimos, sinalizou com o cristianismo e os hábitos e costumes ocidentais. Todo esse processo teve como palco terras que significavam a "chave e o propugnáculo do sertão do Brasil."
A trajetória histórica da Capitania de Mato Grosso foi composta por um jogo de força, astúcia e diplomacia implementado por esses heterogêneos segmentos. De um lado, a Coroa Portuguesa representada pelos capitães-generais e seus assessores diretos. O sistema de capitação. o quinto do ouro. a casa de fundição, a Provedoria e a Contadoria da Real Fazenda marcaram os espaços fiscalistas do sistema. De outro lado, o Senado da Câmara, o pelourinho, o poder de justiça representado pelo Ouvidor-Mor, pelos juízes de Fora e de Paz responsáveis pelo cumprimento, em pleno sertão, das ordenações, cartas régias, bandos e regimentos. Ao lado dessa organização administrativa, de tradicional realização nas diversas colônias lusitanas de além mar ressalta o inusitado de Mato Grosso que, com sua realidade diferencial, oferecia vários desafios ao corpo legal: os índios em abundância - mão de obra escrava, fiéis apóstolos de Jesus ou guardiões da fronteira? O vastíssimo território e o dilema - Cuiabá ou Vila Bela para sediar a capital da nova Capitania? Abastecê-la via litoral, pelas monções do Tietê, ou pelo alto Guaporé-Amazonas, através da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão? Colocar os escravos - nas lides mineiras ou nas roças? Comercializar na fronteira com os espanhóis ou suportar as privações? Aceitar a ação jesuíta ou resistir a ela? Expulsá-los significaria a retirada de substancial parcela da cultura letrada do vasto território colonial. Permitir somente a extração do ouro ou abrir a mineração também ao diamante? Fazer "vistas grossas" ao contrabando ou afugentar a já rala popula- ção da fronteira? Propiciar uma colonização tipicamente "tupiniquim" ou optar pela migração de casais açorianos? Incorporar os indígenas como colonos, escravizá-los ou dizimar os grupos mais resistentes?
Foi em meio a essa série de indagações que se realizou, na Capitania de Mato Grosso, uma modalidade de colonização típica porque fruto de uma problemática histórica específica e singular.
O presente Catálogo consubstancia, em seus verbetes, o embate entre o mundo colonial fronteiriço e sua adequação ao sistema colonial, num tempo, natureza e andamento próprios. Oferece ele aos consulentes dados e interpretações desse momento histórico tão distante cronologicamente, mas que foi capaz de fincar no solo e imprimir na gente mato-grossense características que, até hoje, personificam o território e o povo de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O esforço no resgate dessa histórica trajetória setecentista, tendo por base a documentação depositada no Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, deve-se a um grupo de cívicos brasileiros unidos em torno do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, sob a Coordenação Geral do Embaixador Wladimir do Amaral Murtinho, a Coordenação Técnica da Dra. Esther Caldas Bertoletti e apoiado pela Casa da Memória - Arnaldo Estevão de Figueiredo, entidade presidida por Lélia Rita Euterpe de Figueiredo Ribeiro. O trabalho de leitura, resenha e catalogação dos documentos constantes do presente Catálogo esteve a cargo de dois pesquisadores, Dora Ribeiro - por Mato Grosso do Sul - e Edvaldo de Assis - por Mato Grosso. A edição deste instrumento de pesquisa contou com a importante parceria de instituições de ensino superior: Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade de Cuiabá, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Católica Dom Bosco, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, Centro Universitário da Grande Dourados.
A reconstituição da memória histórica de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul integra um projeto mais amplo de redescobrimento de um Brasil nascido há 500 anos atrás e cujo futuro depende fundamentalmente da compreensão e entendimento daquilo que fomos, elo essencial na projeção dos rumos daquilo que seremos.