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Arquitetura no Brasil

Nireu Cavalcanti*


A Arquitetura (incluindo o que chamamos hoje Urbanismo) representa materialmente a organização social, política e cultural de uma sociedade. Tem sido, ao longo da história da humanidade, expressão estética, técnica e simbólica de indivíduos, grupos, sociedades e nações. As elites governantes sempre buscaram imortalizar-se através da Arquitetura de seus monumentos e das suas cidades.

Para entender uma edificação ou uma cidade é importante conhecer quais os agentes que a produziram. Quem solicitou e financiou o empreendimento, quem projetou e quem construiu. Portanto, a Arquitetura é síntese de arte coletiva, de conjugação de várias visões de mundo, de vários conceitos estéticos, técnicos e culturais amalgamados pelo menos por esses três agentes citados.

As pessoas

No território hoje chamado Brasil havia várias linguagens arquitetônicas produzidas pelas diversas nações indígenas que o ocupavam. Seriam dotadas de riqueza conceitual, simbólica e técnica diferentes, porém, da produzida pelos europeus portugueses que aqui chegaram como senhores dessa parte do Novo Mundo. Não utilizavam nas suas construções, pedras, tijolos, telhas, ou outros materiais comuns nas construções européias. Utilizavam diretamente as árvores, particularmente as palmeiras.

Quando a Coroa portuguesa, através da esquadra de Pedro Álvares Cabral, chegou oficialmente ao território americano, em 22 de abril de 1500, Portugal já era uma monarquia consolidada desde 1134, ano da posse do seu primeiro rei, D. Afonso Henriques. Portanto, produzia Arquitetura havia 400 anos dentro dos padrões e de estilos desenvolvidos pela estruturada civilização européia.

Os portugueses iniciaram o contato com a nova terra interferindo em sua toponímia: batizaram de monte Pascoal o morro que avistaram e de Terra de Vera Cruz o território. O registro inicial entre as duas culturas descrevia assim os aborígines:

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados,
de bons rostos e bons narizes, bem feitos.
Andam nus, sem cobertura alguma.

Continua a descrição desse primeiro contato entre os portugueses e os índios no tocante ao costume alimentar, as informações de interesse comercial como a possível existência de pedras e metais preciosos no território de “Santa Cruz” e sem qualquer referência à sua Arquitetura.

Deram-lhe ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, farteis, mel e figos passados.
Não quiseram comer quase nada daquilo; (…) Viu um deles umas contas de rosário, brancas;
acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço.
Depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra
e novamente para as contas e para o colar do capitão,
como dizendo que dariam ouro por aquilo. (…)(Trechos da Carta de Pero Vaz de Caminha, primeiro documento descrevendo o Brasil)

Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir,
sem procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, (…)
E deitaram um manto por cima deles; e consentindo, quedaram-se e dormiram.

Aos índios os colonizadores impuseram serem totalmente desculturados, a começar batizados com nomes portugueses para ingressarem no mundo católico civilizado. Eram obrigados a se unir aos colonizadores a fim de libertarem seus filhos de sua origem pagã e inculta. Foram ainda aldeados longe das matas e próximos ao controle do Estado e da Igreja Católica, sob normas dos colonizadores sendo os núcleos construídos segundo a Arquitetura européia.

A resistência a tais ditames significava manterem-se brutos e inimigos. Sofreriam então as guerras, ditas justas, que permitiam aos colonizadores, com o beneplácito do Reino e do Vaticano, escravizarem os prisioneiros. Nessas Guerras Santas foram dizimados muitos índios e os que escaparam fugiram para o sertão continental. Só no final do século XVII, após a Igreja e a monarquia lusa estabelecerem normas proibindo a sua escravidão, é que muda a relação entre colonizadores e os índios e seus descendentes. Depreende-se disto a submersão quase definitiva dos traços culturais indígenas no espaço que se construía.

O terceiro segmento humano que veio para a formação do Brasil colonial tem origem no continente africano, então secular e tradicional fornecedor de escravos negros. Em 1460, portugueses chegaram ao golfo da Guiné e no último quartel daquele século já haviam instalado o comércio negreiro regular.

Ao longo da costa atlântica da África foram instituídos os postos de vendas dos escravos trazidos por comerciantes locais. Eram adquiridos aos chefes de nações africanas que tinham estoque à venda de prisioneiros de guerra, ou de condenados que infringiram códigos daquelas sociedades.

Compravam-se aos governantes africanos e a seus comerciantes associados aos estrangeiros, ouro, diamante e outros produtos comerciáveis internacionalmente, quanto escravos. Era o ser humano tratado como qualquer mercadoria de exportação.

Na África, muitos viviam em cidades populosas e dominavam sistemas construtivos em pedra, tijolo, barro, taipa, adobe; muito semelhantes aos europeus. Eram sociedades com longa tradição de contato comercial e cultural com os estrangeiros. Contudo, chegado ao Brasil, o escravo passava por perverso processo de perda de identidade pessoal e da origem africana. Perdia, em conseqüência, as relações familiares e, sobretudo, culturais. Batizado para tornar-se católico, recebia nome não-africano, era obrigado a aprender a língua portuguesa e a servir o senhor que o comprou. Passava a morar nas senzalas, de concepção arquitetônica totalmente estranha à sua cultura.

O injurioso e indigno Estatuto da Escravidão vigorou no país até 13 de maio de 1888, quando foi extinta a escravidão pela Lei Áurea, determinada pela princesa Isabel.

Aos aculturados índios e africanos e seus descendentes, nascidos no território colonial brasileiro, para serem aceitos e sobreviver restava-lhes mimetizar-se num típico súdito da monarquia portuguesa. Portanto, apagados seus traços culturais, deviam conceber e realizar obras arquitetônicas típicas dos cânones dos colonizadores europeus.

Os sistemas de governo

O período colonial brasileiro encerra-se oficialmente a partir da Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815, promulgada pelo príncipe regente D. João, elevando o Brasil à categoria de Reino, unido ao de Portugal.

Tornando-se o Brasil independente de Portugal em 07.09.1822, instalou-se aqui o regime Imperial que se estendeu até a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

O regime Republicano democrático vem se consolidando, sofrendo interrupções ao passar por períodos autoritários e ditatoriais: o do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e o período dos governos militares (1964-1985).

Evidentemente a Arquitetura no Brasil mudou ao longo de seus mais de 500 anos de história, expressando cada período vivido por nosso povo e Nação.

Os profissionais

No período colonial foram projetistas os engenheiros militares (formados nas Aulas de Fortificações ou Academias Militares, iniciadas na última década do século XVII, primeiro em Salvador, na Bahia e depois no Rio de Janeiro) – a maioria dos profissionais que atuaram no Brasil –, os arquitetos (com formação nas obras reais ou em atelier de outros profissionais), os mestres pedreiros, carpinteiros, marceneiros, ou os artistas pintores, entalhadores etc. Até mesmo profissionais de outras áreas, como ourives ou mesmo um leigo, poderiam projetar. Para construir, entretanto, era necessária a presença de mestres-de-obras como responsáveis. Eram profissionais pertencentes às Irmandades que congregavam aquela especialidade (pedreiros, carpinteiros eram filiados à Irmandade de São José, os ferreiros à de São Jorge etc.), e devidamente registrados na Câmara de Vereadores da vila ou da cidade.

Além desses cursos formais, cada engenheiro militar ou arquiteto que viesse trabalhar no Brasil recebia um adicional no salário para ensinar suas profissões a alunos locais. Os mestres pedreiros, carpinteiros, marceneiros, entalhadores que dominavam o desenho arquitetônico e de fortificações poderiam lecionar Arquitetura em suas oficinas. Os que estavam a serviço das obras reais trabalhavam em todo o território de Portugal e de suas colônias. Assim, poderia um profissional que passou em Goa, em Macau vir projetar um forte na Amazônia, ou no Rio de Janeiro. Ou vice-versa.

Alguns desses profissionais que vieram trabalhar no Brasil eram estrangeiros de origem italiana, francesa, alemã, sueca etc., trazendo para cá os conhecimentos arquitetônicos de sua formação de origem.

As leis reais, como as chamadas Pragmáticas, proibiam o uso nas construções não religiosas de materiais de revestimentos ou decorativos que contivessem ouro ou prata, ou que os imitassem, de tecidos ou papel importados, pinturas, ou qualquer outro elemento que denotasse luxo nas construções. Tudo isso era liberado para as obras de igrejas, conventos etc., o que explica a pujança e riqueza ornamental desses prédios.

A partir do Brasil Reino, chegou em 1816 um grupo de professores e artistas franceses para criarem uma Academia de Artes e Ofícios. Entre esses profissionais estava o arquiteto Augusto Henrique Victor Grandjean de Montigny, responsável pela criação do primeiro curso regular e específico de Arquitetura, na Academia Real de Belas Artes. Por sua vez, o estudo de engenharia civil se deu pela primeira vez na antiga Academia Militar, transformada em parte na Escola Central e depois na Escola Politécnica de Engenharia, na cidade do Rio de Janeiro.

No decorrer do século XIX a composição original da sociedade brasileira mudou – como vimos, originalmente formada de portugueses, índios, africanos e seus descendentes –, com a vinda massiva de imigrantes de vários países europeus.

Entre eles vieram muitos profissionais ligados à construção civil com domínio de técnicas e linguagens arquitetônicas próprias que enriqueceram o repertório nacional. Destacaram-se os profissionais ingleses e franceses que integraram as equipes projetistas e construtoras de estradas de ferro, portos, canais, belas pontes metálicas e até de edifícios públicos e particulares, como teatros, mercados, pavilhões e palacetes.

No início do século XX vieram os imigrantes japoneses.

Hoje, os profissionais arquitetos urbanistas e engenheiros que atuam no país, nele nasceram ou residem e se formam, obrigatoriamente, em escolas de nível superior, e espalhadas em todos os estados brasileiros.

As linguagens arquitetônicas no Brasil

Arquitetura originariamente brasileira, talvez, possa ser considerada a produzida pelos índios antes da chegada do português. Até o presente ainda não brotou nenhuma de caráter genuinamente nacional. O que temos, e de muito valor arquitetônico, são formas peculiares de produção autônomas reelaboradas de conceitos estéticos, técnicos e culturais originários externamente ao Brasil. O fazer, o compor, e a criatividade dos nossos projetistas no uso de materiais construtivos é que vêm produzindo uma Arquitetura diferenciada e reconhecida como brasileira.

No período colonial consolida-se uma unidade formal e construtiva nas edificações e cidades brasileiras. Nos prédios laicos e nas fortificações em linguagem austera, de construção sólida e esteticamente composta com elementos simétricos e ritmo simples, destacam-se alguns elementos mais elaborados, tais como os portais de entradas, os cunhais, cornijas, platibandas ou beirais – quando o telhado avança sobre o plano das fachadas. Em contrapartida, as igrejas e mosteiros eram mais elaborados externamente e seus interiores ricamente ornamentados.

Os estilos formais utilizados nesse período vão do classicismo renascentista (ou maneirista para alguns) da capela quinhentista da Casa de Garcia D’Ávila, o Velho, na Bahia, à pujança do barroco e do rococó. Estas correntes dominaram todo o século XVIII, cedendo o espaço às primeiras construções neoclássicas brasileiras como o teatro São João no Rio de Janeiro, inaugurado em 1813.

A partir da Independência do Brasil e instituição do Império – D. Pedro I (1821-1831), Regência (1831-1841), e D. Pedro II (1841-1889) – consolida-se o neoclassicismo na Arquitetura brasileira e inicia-se o estilo denominado ecletismo. No período, algumas dessas construções são projetadas no exterior e montadas no Brasil, como prédios em estrutura e elementos metálicos. Nessa corrente eclética insere-se ainda o estilo chalé, de gosto romântico de grande sucesso a partir da década de 1860.

Estas correntes avançaram pelo século XX até a sua metade e conviveram com o Art-Déco, o Neocolonial (Eclético) e o surgimento dos primeiros prédios da Arquitetura Moderna, também chamada de Estilo Internacional.

Os ideais republicanos, as transformações culturais, econômicas e técnicas (principalmente com os novos meios de comunicação-radiofônica, depois televisivo) da sociedade e do Brasil criaram o ambiente propício para a consolidação da linguagem da nova Arquitetura que se produzia fora do país. Arquitetos estrangeiros expoentes da corrente modernista como Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, vieram ao Brasil divulgar os novos conceitos, trazidos também pelas revistas e livros sobre a Arquitetura Moderna. Esses conhecimentos aos poucos penetravam nos cursos de arquitetura e engenharia, formando profissionais abertos à nova linguagem estética e construtiva. Esses arquitetos e engenheiros dominaram os conceitos e tecnologias modernas e produziram obras de grande valor arquitetônico, reconhecidas internacionalmente. Surgiram edificações que agregaram elementos nacionais e se diferenciaram das demais produzidas em outros países.

O símbolo da concretude da Arquitetura Moderna no Brasil é sua capital, Brasília, hoje preservada como Patrimônio da Humanidade.

É importante registrar que a maioria dos edifícios que verticalizaram as cidades brasileiras e que aparentemente são dados como exemplares da Arquitetura Moderna, são meros e banais produtos dos grupos vinculados à especulação imobiliária que dominam o mercado no Brasil. Faz-se necessário distinguir os exemplares de fato paradigmas daquele movimento.

A primazia da Arquitetura Moderna passa a ser questionada por jovens arquitetos a partir da década de 1970, propositores de conceitos originários do exterior, chamados genericamente de Pós-Modernismo. Esses profissionais espalharam pelas cidades brasileiras obras, em princípio, classificadas como high-tech, revivalistas, desconstrutivistas, slick-tech etc.

Paralelamente a todas essas correntes estilísticas eruditas os leigos produziram suas Arquiteturas utilizando e reintepretando elementos desses conceitos arquitetônicos oficiais. É a chamada Arquitetura Vernacular, na qual encontramos belos exemplos nas zonas rurais, nas periferias e subúrbios das cidades, ou nas favelas, que refletem as desigualdades sociais, econômicas e culturais de nosso país.

Infelizmente, num paralelo com essas desigualdades, podemos dizer que, no Brasil, a boa Arquitetura é privilégio de poucos.

*Arquiteto, professor e diretor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.

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