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Literatura Colonial

Quando as naus de Pedro Álvares Cabral aportaram no Brasil, era o último ano do século XV, o último da Idade Média. Persistiam ainda nas mentalidades elementos do imaginário medieval, e Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra cabralina, não era exceção, por isso, sua leitura dos novos fatos e das novas terras se faz ainda à luz de mitos e crenças medievais. Daí crer ele que tivessem chegado a uma ilha, pois que os mapas antigos não registravam a existência de outras terras contínuas além do velho mundo constituído pela Europa, a Ásia e a África.

A Carta de Achamento de Pero Vaz é o primeiro documento da história e da literatura brasileiras. Escrita num estado de euforia diante de tipos humanos novos, que ele considera belos, Caminha revela-se já tocado pela nova visão do mundo e do homem, típica do Renascimento.

O primeiro momento de uma literatura feita no Brasil ou na Europa sobre a nova terra descoberta são relatos sobre o gentio, a fauna, a flora, a natureza e suas riquezas. Há nessa literatura uma constante preocupação em se estabelecerem relações de comparação entre o que é daqui e seu equivalente na Europa. Percebe-se, também, desde a Carta de Caminha, nos elogios da terra, de seu clima e de suas águas, a intenção de atrair investimentos colonizadores para a nova terra.

O século XVI, na história da literatura brasileira, deve ser visto como o século da preparação para o desenvolvimento posterior da literatura no Brasil-Colônia, a época em que se marcam os primeiros contatos entre o branco europeu e os donos da terra, e se registra o misto de espanto, curiosidade e interesse do branco colonizador diante da natureza da terra e de seus habitantes. Assim, desenvolve-se a partir da Carta de Caminha uma literatura informativa do colonizador. Além da Carta de Achamento do Brasil consideram-se obras dessa literatura informativa o Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza. O Diário traz o registro da expedição de Martim Afonso de Souza, relatando a viagem de Portugal ao Brasil. Nesse Diário, Pero Lopes de Souza faz referência à história de Pernambuco, às lutas com contrabandistas franceses de pau-brasil, à presença de um português na Bahia e outro em Cananéia e à fundação de São Vicente por Martim Afonso de Sousa, em 1532. Na descrição da natureza o Diário continua uma tradição eufórica, inaugurada na Carta de Caminha.

A História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil mais do que uma história factual, essa História, de Pero Magalhães de Gândavo é uma descrição da terra e de sua natureza, flora, fauna e do estado das capitanias. São importantes informações que têm por finalidade favorecer as intenções colonizadoras dos portugueses na nova terra americana. Na descrição da natureza, Gândavo se aproxima de Caminha e de Pero Lopes de Souza, no entusiasmo e na admiração diante da flora e da fauna brasileiras, mas já é bem mais objetivo com relação aos índios, que Caminha em sua euforia diante dos naturais da terra. No Tratado da Terra e da Gente do Brasil,outra obra de Gândavo, que permaneceu inédita por muitos anos, o autor retoma informações já apresentadas na História da Província Santa Cruz.

Esse filão de obras informativas sobre o Brasil atinge sua culminância no Tratado Descritivo do Brasil em 1587, de Gabriel Soares de Sousa. Nele se evidenciam ainda mais claramente as intenções do autor e, por extensão, de toda esta literatura informativa do século XVI. Gabriel Soares de Sousa apresenta aos portugueses as imensas possibilidades da terra até o ponto de vaticinar a formação aqui de um vasto e poderoso império. O autor, porém, não deixa de admoestar o governo da metrópole sobre o desleixo com sua segurança e seu desenvolvimento. Outra obra de Gabriel Soares de Sousa é a Notícia do Brasil. Essa obra é dividida em duas partes, tendo cada uma sua denominação: Roteiro Geral com Largas Informações de toda a Costa do Brasil e a segunda sob o título: Memorial e Declaração das Grandezas da Bahia de Todos os Santos, de sua Fertilidade e das Notáveis partes que Tem. Em ambas as partes ressaltam-se as imensas possibilidades da terra, sua fertilidade, o que se deve nela cultivar. A cada passo o autor está advertindo o governo da metrópole sobre a necessidade de povoar certas regiões e fortificá-las a fim de que se possam defender da cobiça estrangeira.

Não se pode esquecer a literatura dos padres da Companhia de Jesus. Há que se fazer referência à obra dos padres Manuel da Nóbrega, Fernão Cardim e José de Anchieta. De Nóbrega, o único livro é o Diálogo sobre a Conversão do Gentio, obra que se destinava a convencer os próprios jesuítas da importância da catequese dos índios, que o autor apresenta com a mesma dignidade do europeu. Nóbrega não chega a enaltecer o estágio natural do índio, o bom selvagem, mas o considera um ser humano como qualquer outro, apto a receber e incorporar os valores cristãos. Importantes também, na literatura de informação do século XVI são as cartas do Padre Nóbrega dentro de uma correspondência trocada com os padres da Companhia sobre o andamento da obra da catequese, da obra pedagógica e da assistência espiritual prestada aos colonizadores.

O Padre Fernão Cardim, além dos textos epistolares sobre a catequese, é autor de três obras que também se prendem à literatura de informação do século XVI:Do Clima e Terra do Brasil e Algumas Coisas Notáveis que se Acham assim na Terra como no Mar. Do Princípio e Origem dos Índios do Brasil e de seus costumes, Adoração e Cerimônias e a Narrativa Epistolar de uma Viagem e Missão Jesuítica.

A obra literária do padre José de Anchieta é a maior e a mais importante dentro da literatura jesuítica do século XVI. Há vários aspectos a se considerarem na produção literária de Anchieta. Em primeiro lugar considere-se a obra de preocupação catequética e pedagógica, com os poemas, os cantos e hinos, monólogos e diálogos e, sobretudo seus autos teatrais escritos em português, espanhol e tupi-guarani. A correspondência com outros membros da Companhia sobre o andamento da catequese prende-se a toda a literatura de informação sobre a terra, os índios, seus costumes, os métodos aplicados na obra de cristianização do índio e sua integração na cultura dos colonizadores. Um outro aspecto não pode ser esquecido, que é o de sua poesia em latim: o poema épico De Gestis Mendi de Saa, e o poema lírico de inspiração religiosa De Beata Virgine Dei Matre Maria.

Em 1601 é publicado o poemeto épico Prosopopéia, de Bento Teixeira, o primeiro poeta nascido no Brasil com obra publicada. A Prosopopéia foi o primeiro livro editado nos prelos da Biblioteca Nacional em 1876.

No século XVII vão surgir três dos maiores nomes de nossa literatura colonial: o poeta Gregório de Matos, o historiador Frei Vicente do Salvador, e o orador sacro padre Antônio Vieira. Se a poesia épica de Bento Teixeira é ainda um eco da epopéia camoniana, de gosto clássico e renascentista, os outros autores do século XVII já se prendem a uma estética nova: o Barroco.

Gregório de Matos deixou uma obra vasta e diversa, ainda necessitando de uma edição crítica que defina, com certeza, a mais próxima do desejável, o verdadeiro corpus de sua poesia. As duas grandes linhas da poesia de Gregório de Matos são a lírica e a satírica. Lirismo e sátira, uma oposição contrastante que reforça a posição de Gregório de Matos no barroco. Outra oposição se mostra no interior de sua poesia lírica que assume uma dicotomia também fortemente barroca: o lirismo amoroso/o lirismo religioso.

Outro poeta do século XVII é Manuel Botelho de Oliveira, autor da Música do Parnasso, publicado em 1705, já no século XVIII, portanto, mas que encerra tipos de composições características dos dois séculos: sonetos, madrigais, décimas, redondilhas, romances, oitavas, canções e silvas. A musa inspiradora é sempre a mulher, idealizada segundo os cânones clássicos. A crítica tem sempre destacado, dentro da Música do Parnasso, o poema descritivo a Ilha da Maré, Termo da Cidade da Bahia, chamando a atenção para seu nativismo, onde o autor faz desfilarem as cores e os sabores das frutas brasileiras e as outras belezas naturais da terra.

A História do Brasil, de Frei Vicente de Salvador, é a primeira história do país escrita por um brasileiro. É um relato de fatos acontecidos entre 1500 e 1627. É uma obra barroca, escrita sob a influência do estilo da época, numa linguagem rica em aliterações, jogos de palavras, metáforas e outras figuras. A História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, permaneceu inédita até 1889 quando foi publicada nos Anais da Biblioteca Nacional, número 13(1).

Concomitantemente com a poesia e a narrativa histórica, a oratória sacra do século XVII tem no Padre Antônio Vieira seu lídimo representante. Vieira a quem o poeta português Fernando Pessoa chama de “Imperador da Língua Portuguesa”, é um exímio manejador da língua portuguesa a qual soube ele amoldar às sutilezas do barroco conceptista. Seus sermões, cuja edição ele próprio organizou, já no fim da vida, são modelos de parenética sacra. O Sermão da Sexagésima foi escolhido por ele para ser o primeiro de sua edição dos sermões e é um exemplo de seu estilo com seus desdobramentos silogísticos e correspondências alegóricas. É notável também o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, pregado na Bahia, na igreja de Nossa Senhora da Ajuda, quando a esquadra holandesa já se apresentava em frente à baía de Todos os Santos. Nesse sermão, Vieira, baseado sempre em fontes bíblicas apostrofa Deus diante da ameaça de invasão da Cidade de Salvador. Outros sermões: Sermão de Santo Antônio, Sermão do Mandato, Sermão de Nossa Senhora do Ó, Sermão da Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel.

Padre Antônio Vieira teve dificuldades com o Tribunal da Santa Inquisição por seu messianismo e seu sebastianismo, mas também por se colocar sempre ao lado dos índios contra os colonos do Maranhão que os queriam escravizar.

Frei Manuel de Santa Maria Itaparica é autor do poema Eustáquidos, sobre a vida de Santo Eustáquio. Junto ao poema, na mesma edição, provavelmente de 1769, um outro poema, ligado ao primeiro, mas de caráter descritivo e intensamente nativista é a Descrição da Ilha de Itaparica. Frei Itaparica é ainda um continuador da tradição camoniana no Brasil Colonial.

O século XVIII, ao lado da manutenção de uma estética barroca, trará para as letras brasileiras os cânones e os gostos do arcadismo, que conviverá com o barroco e dará às letras coloniais brasileiras um conjunto de poetas chamados comumente de Escola Mineira; grande parte de seus poetas esteve envolvida na Inconfidência Mineira. Em Ouro Preto conviveram os três poetas: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto.

Cláudio Manuel da Costa trouxe de seus estudos na Europa o gosto árcade, que predomina na sua produção poética, a qual já anuncia, também, o romantismo. Preso durante a repressão à Inconfidência Mineira, suicidou-se na prisão em Ouro Preto.

Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Portugal, de pai brasileiro, exerceu algumas funções públicas no reino antes de vir para Ouro Preto em 1792, tornando-se amigo, entre outros, de Cláudio Manuel da Costa e de Alvarenga Peixoto. Apaixonou-se por uma adolescente, Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, a Marília de Dirceu (seu nome árcade) que foi a musa inspiradora de sua obra lírica. É o autor de Marília de Dirceu e mais Poesias e de uma obra satírica chamada Cartas Chilenas. Implicado na Inconfidência, foi degredado para Moçambique.

Alvarenga Peixoto associa a poesia laudatória a manifestações de sentimentos nativistas, como se vê na ode À Rainha D. Maria. O caráter nativista de sua poesia é evidente na cantata O Sonho, escrita numa ilha da baía da Guanabara; é uma construção alegórica feita a partir da vista do Pão de Açúcar. Denunciado por participar da Inconfidência Mineira, foi preso, julgado e deportado.

Manuel Inácio da Silva Alvarenga é autor de um poema lírico, onde diferentes formas de composições poéticas se reúnem sob a denominação de Glaura. Trata-se das paixões amorosas do eu lírico pela mulher amada, que nem sempre corresponde ao amor do poeta. Quando se inicia uma fase de correspondência por parte da amada, ela é levada pela morte. A poesia épica do arcadismo está representada por José Basílio da Gama, Frei José de Santa Rita Durão e Cláudio Manuel da Costa.

Basílio da Gama é o autor do poema Uraguai, um canto épico em decassílabos brancos. Ainda se integra na tradição da epopéia camoniana, embora não siga os esquemas quinhentistas. O poema é dividido em cinco cantos. A matéria épica é a luta em que se uniram portugueses e espanhóis contra os Sete Povos das Missões, que se opunham à execução do Tratado de Madrid, de 1750.

O poema épico Caramuru, de Santa Rita Durão, segue de muito perto o padrão camoniano. Dividido em dez cantos, como a epopéia de Camões, o poema traz as cinco partes em que se divide o modelo renascentista. Como Camões, o frade brasileiro emprega os recursos tradicionais da epopéia, como o maravilhoso, a mitologia, os sonhos e previsões. A matéria épica é o descobrimento da Bahia por Diogo Álvares Correia, mas em torno do assunto fulcral, apresenta a história do Brasil, os costumes dos índios, suas tradições, a natureza brasileira, que é mostrada com toques de exaltação nativista. A morte de Moema, a índia rejeitada pelo herói e que morre de amor tentando acompanhar a nau que o leva para a Europa, é episódio comovedor, que está para o Caramuru, como o de Inês de Castro está para Os Lusíadas.

Vila Rica, o poema de Cláudio Manuel da Costa, consta de dez cantos em versos decassílabos. Percebe-se ainda a influência de Camões, não só nas partes convencionais da epopéia renascentista. A proposição está nas quatro primeiras estrofes, onde o poeta se propõe cantar a fundação da capital das Minas e exaltar a memória de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que vem a ser o herói da narrativa épica. A invocação é dirigida ao pátrio ribeirão do Carmo, e a dedicatória é feita ao Conde de Bobadela. Segue-se a narrativa com uma apresentação do Brasil-Colônia e o descobrimento das minas com todas as dificuldades que passaram os heróis da ação épica. O elemento indígena, com seus valores e suas tradições é importante no poema. Duas ações desenvolvem-se paralelamente no poema: o propriamente épico, onde se destaca o herói Albuquerque; outra de fundamento lírico em torno de um episódio amoroso que envolve índios e outro branco colonizador, Garcia Rodrigues Pais.

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