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Realismo

Rachel Saint Williams*


“Os anos de 70 trouxeram a viragem anti-romântica
que se definiu em todos os níveis.
Chamou-se realista e depois naturalista na ficção,
parnasiana na poesia, positiva e materialista em filosofia.”
Alfredo Bosi


O final do século XIX traz em sua bagagem muitas mudanças que irão marcar de maneira profunda e impactante a sociedade brasileira. A extinção do tráfico negreiro, as sucessivas crises da lavoura açucareira, a crescente luta pela participação no cenário político por grupos marginalizados, exemplificavam a crise sofrida pelo regime imperial abalado então em sua principal forma de sustentação econômica: o latifúndio monocultor escravista. As instituições políticas ligadas ao Império e o regime escravocrata sofriam profundas críticas baseadas em reivindicações em nome da civilização moderna e das leis da evolução e do progresso. Os temas que empolgavam as discussões e o imaginário de uma determinada intelectualidade brasileira eram a escravidão e a república, sem que necessariamente tais temas estivessem associados. Em 1868 assiste-se a formação de um partido liberal radical seguida pela fundação do Partido Republicano em 1870, por um ala dos progressistas, concretizando um espaço de expressão política para os grupos excluídos. Os contestadores do Regime Imperial buscariam suas alternativas de modelos democráticos nos Estados Unidos e na França.

Neste período contestatório pode-se observar o florescimento de inúmeras tentativas de encarnar na produção intelectual o espírito crítico e cientificista ditado pelas doutrinas materialistas que em terras brasileiras assumiram maior vigor em torno do positivismo de Auguste Comte e do evolucionismo de Charles Darwin. Destacam-se os estudos em torno da oratória civil, da história, da gramática, da critica literária, entre outros. Época em que surgiram nomes de grande relevo para a sociedade brasileira tais como: Rui Barbosa, Capistrano de Abreu, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Silvio Romero e Tobias Barreto.

É este o cenário de emergência de um determinado movimento denominado realismo. Tal movimento buscou inspiração em autores como os franceses Gustave Flaubert, Guy de Maupassant, Emile Zola e Anatole e nos portugueses Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão e Antero de Quental. Identifica-se como o principio básico para os escritores realistas a negação da subjetividade e do idealismo das narrativas românticas a favor da objetividade e do distanciamento que são as marcas da observação científica. Também são características bem definidas do movimento: a descrição de costumes, públicos ou privados, objetivando sempre a maior proximidade possível com a realidade em busca de um compromisso com a verdade, a presença do determinismo para explicar as manifestações sociais, a preferência pela utilização de uma linguagem mais simples que a dos românticos, uso da forma narrativa ao invés da descritiva e a preferência por ambientes urbanos que sugere a não identificação do escritor com a natureza. No Brasil os escritores que mais merecem destaque neste movimento são Raul Pompéia e Machado de Assis, um dos mais importantes nomes da literatura brasileira.

Embutido na tendência realista mas apresentado como um segmento dentro do movimento encontra-se o Naturalismo. Apesar de toda de obra naturalista ser realista nem toda obra realista é naturalista, faz-se então necessário apontar alguns traços distintivos da desta. Entre suas particularidades, podemos destacar: a ênfase no fator da hereditariedade determinar o comportamento dos personagens; o condicionamento dos personagens ao meio físico e social; a aproximação do comportamento dos personagens com o comportamento animal, o que explica as inúmeras comparações entre seres humanos e animais; a relevância dada à satisfação das necessidades instintivas; e ainda enredos que apresentam situações de desequilíbrio social muito graves, em caráter de denúncia. Alguns dos principais autores desta tendência são: Inglês de Souza, Adolfo Caminha, Júlio Ribeiro e Aluísio Azevedo. O trecho de Adolfo Caminha explicita bem alguns traços apresentados acima:

“Marcas de lonas suspensas em variais de ferro, umas sobre as outras,
encardidas como panos de cozinha, oscilavam à luz moribunda e macilenta das lanternas.
Imagine-se o porão do navio mercante carregado de miséria(…).
Respirava-se um odor nauseabundo de cárcere, um cheiro acre de suor humano,
diluído em urina e alcatrão.”

(Bom Crioulo)

Ou ainda em Júlio Ribeiro:

“Magdá, em vão tentando debater-se na camisola de força,
foi então conduzida para uma cédula (…).
Ficou lá dentro sozinha, a roncar como uma fera encarcerada”

O naturalismo tingiu-se de matizes regionalistas na produção de escritores como Manuel de Oliveira Paiva, Domingos de Olímpio Braga Cavalcanti e Rodolfo Teófilo, onde a seca e o cangaço assumiriam um papel marcadamente importante na configuração de suas obras. Alguns destes romances regionais são “Luiza-Homem” em 1903 de Domingos de Olímpio, história de uma retirante nordestina; “A Fome” em 1890, “Os Brilhantes” em 1895 e “O Paroara” em 1899 de Rodrigo Teófilo que retratam a seca e a imigração; e “Dona Guidinha do Poço” de Manuel de Oliveira Paiva que ressalta a linguagem regional.

A poesia também manifestou reação contra o romantismo em diversas tendências, entre elas a poesia realista e a poesia de caráter cientificista produzida por indivíduos como Carvalho Júnior e Teófilo Dias, porém são essas as manifestações de menor relevo frente à popularidade de produção e consumo alcançada pela renovação estética caracterizada pelo Parnasianismo. A alcunha deste movimento encontra sua origem na França, onde foi feita a publicação de três antologias poéticas chamadas Parnasse Conteporain, em 1866,o nome Parnassus faz referência ao monte grego que seria a morada dos poetas. O marco inicial do Parnasianismo no Brasil foi a publicação do “Fanfarras” de Teófilo Dias em 1882. A principal marca deste estilo foi o que se denominou de o Culto da Forma ou também a Arte pela Arte.

Entre as principais características do estilo parnasiano podemos sublinhar: objetividade na descrição do mundo, descrição detalhista dos objetos e cenas, destaque a temas exóticos como os de história antiga e povos orientais, visão do amor mais sensual e carnal, universalismo em oposição ao individualismo romântico, emprego de vocábulos raros e incomuns, perfeição nas rimas, utilização de formas fixas de composição, uso de efeitos sonoros e plásticos sugerindo sensações sensoriais. Neste estilo destacam-se os nomes de Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Um dos poemas que melhor pode exemplificar as características acima descritas é o “Vaso Chinês” de Alberto de Oliveira:

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.
Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.


Resta sublinhar que essa tendência de contestação do romantismo chamada realismo contou com um espaço de destaque para a circulação e divulgação de suas idéias que foram as revistas e alguns periódicos da época. Para citar alguns podemos eleger a Revista Brasileira de Franklin Távora publicada entre 1879 a 1881 que quando reapareceu, sob a direção de José Veríssimo, teve um papel fundamental para o círculo nacional de intelectuais pois de suas reuniões e colaboradores foi formada a Academia brasileira de Letras; a Gazeta Literária de J. A. Teixeira e Vale Cabral entre 1883 a 1884; A Semana, que teve papel ativo na renovação literária, de 1885 a 1887 e depois novamente de 1893 e 1895; Jornal Novidade da Alcindo Guanabara de 1887 a 1892 e O Álbum de Artur de Azevedo entre 1893 a 1895.


*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ.

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