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A instalação dos monges beneditinos no Rio de Janeiro

D. Mauro Maia Fragoso*


A história dos beneditinos no Brasil tem seu início nas resoluções tomadas no capítulo geral da Congregação Beneditina de Portugal, reunido no mosteiro de São Bento, da capital portuguesa no ano de 1581, quando então, por mandato do geral, Fr. Plácido de Villalobos enviou Fr. Antônio Ventura do Latrão à cidade do Salvador, na Bahia, juntamente com outros oito confrades para fundarem o primeiro mosteiro em terras americanas. Dentre a comitiva fundadora encontravam-se dois monges já de origem brasileira: Fr. Pedro Ferraz e Fr. João Porcalho, ambos nascidos em Ilhéus. Esses dois brasilienses, acompanhados de um terceiro, haviam sido enviados a Portugal a fim de freqüentarem os bancos escolares. Mas uma vez lá chegados, acabaram por ingressar na Escola do Serviço do Senhor.

Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro

A expansão da Regra Beneditina em terras brasileiras

Uma vez estabelecida a família beneditina no Brasil, o abade soteropolitano não hesitou em difundir a Regra do Patriarca pelas novas terras e no ano de 1589 enviou à cidade do Rio de Janeiro dois dos oito fundadores do primitivo mosteiro brasileiro, os dois brasilienses.

Nossa Senhora do Ó

Ao chegarem à cidade do Rio de Janeiro em outubro de 1589, Fr. Pedro Ferraz e Fr. João Porcalho se abrigaram na antiga Ermida de Nossa Senhora do Ó, onde, hoje se encontra a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, na atual Rua Primeiro de Março.

O barulho do cais do porto

O barulho causado pelos transeuntes que se movimentavam entre o cais do porto, da atual Praça XV, e o centro da incipiente cidade, fez com que os dois beneditinos procurassem uma localidade mais silenciosa e, por conseguinte mais propícia à vida monástica. Foi então nessa busca que encontraram no cume do Morro da Conceição uma ermida sob o patrocínio do mesmo orago toponímico e depois da devida negociação para lá se mudaram ainda no primeiro semestre de 1590.

Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição do Rio de Janeiro

Uma vez instalados sobre a rocha firme, à beira da Praia de Nossa Senhora (ou Manuel de Brito), os dois homens de Deus não tardaram em lançar mão aos fundamentos do Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição. Orago esse que no ano de 1602 seria comutado pelo de Nossa Senhora do Monserrate, a pedido do Governador Geral, Francisco de Souza, sob a influência do período filipino.

Instalação e demarcação do terreno

Empolgados com a piedade e a dedicação dos novos moradores do Morro da Conceição, a vizinhança não poupou esforços para auxiliá-los na ingente tarefa de preparar as instalações da nascente comunidade monástica ao redor da pequena ermida. A fim de manter o recolhimento, os fundadores procuram logo demarcar os limites da clausura que pelos fundos era resguardada pelo mar. Pela frente e laterais a cerca se estendia pelo Caminho dos Pescadores (atual Rua Visconde de Inhaúma), dobrava no Caminho da Prainha (atual Rua Alcântara Machado), subia pelo Morro da Conceição, até o antigo forte de mesmo orago e descia em direção à Prainha (atual Praça Mauá), passando pela Rua da Prainha (atual Rua do Acre).

A paz ameaçada

A paz encontrada pelos fundadores no alto da colina durou somente até a primeira década dos anos seiscentos, pois a partir dessa época a máquina administrativa do Estado passou a ambicionar o patrimônio monástico infligindo muitos dissabores aos monges. E para agravar ainda mais a situação, o progresso administrativo desses religiosos excitava os ânimos dos invejosos vizinhos que paulatinamente iam se instalando à sua volta. Assim, a primeira das inúmeras disputas travadas entre beneditinos e poder público se deu quando administradores estatais decidiram demolir parte do patrimônio religioso alegando melhoria para o Porto da Prainha. Essa medida que se prolongaria por muitos anos, culminou com um incêndio criminoso provocado pelo povo numa calada de noite em 1611.

Início das obras definitivas

Já na primeira metade do século XVII, antes mesmo do cenóbio fluminense comemorar seu jubileu áureo de fundação, graças às inúmeras doações recebidas de seus benfeitores, os religiosos se viram aptos a encetar a construção da Casa de Deus e por volta de 1617 recorreram ao engenheiro militar Francisco de Frias da Mesquita para que delineasse o projeto arquitetônico. Ignorando qualquer registro da assistência do autor a execução da obra, podemos presumir que Frias teria assistido-a até sua volta a Portugal em 1635. Dos seus primórdios até o ano de 1669 a construção monástica contou com a supervisão do mestre de obras Fr. Leandro de São Bento (†1673). A partir de então (1669) a história da construção toma um novo rumo sob a orientação de Fr. Bernardo de São Bento Correia de Souza (†1693).

No obstante a datação da referida planta preceder à década de 20, de fato, as obras, dirigidas por Frei Leandro de São Bento, só tiveram início em 1633, com o assentamento das bases da Igreja Abacial que seria inaugurada em 1641. O revestimento de talha, no entanto, só teria início a partir de 1669 e se prolongaria até o ano de 1800 com a inauguração da Capela do Santíssimo Sacramento.

Por volta de 1670, sob o encargo de Frei Bernardo de São Bento, teve início a ornamentação do templo com a talha e as imagens retabulares do futuro Frei Domingos da Conceição da Silva e as pinturas de Frei Ricardo do Pilar.

A ornamentação interna da igreja abacial forma como que um mosaico histórico da inserção da Ordem Beneditina no seio da Igreja Universal. Iniciando pelo retábulo do altar mor, o Patriarca Bento, ladeado por sua irmã gêmea, Santa Escolástica, e resguardado pela Virgem Maria, inicia a narrativa de sua espiritualidade vivida através dos séculos. Nas paredes e teto da Capela Mor os 14 painéis de Fr. Ricardo do Pilar retratam a história da Ordem sob a proteção maternal da mesma Virgem Maria na figura de 13 santos monges beneditinos. Já a iconografia representada tem seus limites ampliados fora do claustro incluindo personalidades civis e a influência beneditina na sociedade medieval. Assim, no conjunto escultórico da nave encontramos as figuras de quatro reis, que de uma forma ou de outra estiveram ligados à vida beneditina; quatro Papas, representando a plêiade dos 27 beneditinos que governaram a Sé Petrina (dente eles, 3 cistercienses e um camaldulense); quatro Bispos que atuaram entre diversos povos e duas viúvas consagradas representando a ascensão do material ao espiritual. Finalmente, os oragos hagiográficos das Capelas Laterais complementam a inserção da Família Beneditina no contexto eclesiástico geral passando da devoção mariana ao culto dos mártires, das virgens, dos pastores e dos monges.

Patrimônio

Uma vez estabelecida a comunidade monástica sobre a colina que posteriormente passaria a ser chamada de Morro de São Bento, inúmeras foram as doações e empreendimentos que fizeram do incipiente mosteiro um complexo empresarial que teve seu apogeu durante os anos de 1750 a 1850, seguindo-se imediato declínio.

Não fosse a brusca interrupção desse vertiginoso processo aquiritivo, em breve os filhos de São Bento teriam ocupado ainda maior porção do litoral fluminense que inicialmente fora dividido entre beneditinos, franciscanos e jesuítas. Com apenas 60 anos de implantação, os beneditinos cariocas já haviam adquirido propriedades de norte a sul do Estado: de Paraty, divisa com São Paulo, a Campos dos Goytacazes, limítrofe com o Espírito Santo.

Escravaria

Finalmente, um elemento de não menos importância e que indubitavelmente contribuiu largamente para o progresso material e espiritual dos beneditinos fluminenses foi a sua escravaria. É sabido que a condição de escravo não era fácil para aqueles africanos arrancados de suas pátrias e trazidos cativos para uma outra realidade. Mas na opinião de muitos especialistas, ser escravo beneditino era um atenuante da vida escravocrata brasileira. Esse atenuante começava com a possibilidade de constituição de família propiciado pelos beneditinos e ampliado ainda mais com a liberdade e aproveitamento dos dons específicos de muitos desses cativos permitindo-lhe enveredar pelas mais variadas categorias profissionais e artísticas.

*Ordem de São Bento.

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