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DESENHAR

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DESENHAR

A construção de uma capital francesa, a primeira tentativa de uma Europa possível, se deu com a chamada Missão Francesa, e deve ser compreendida, sobretudo, como corolário da elevação do Brasil de colônia à condição de reino. Quando Jean-Baptiste Debret e seus companheiros da Caravana Lebreton desembarcaram às seis e meia de uma tarde de verão do brigue americano Calpe, na rampa do Largo do Paço, faziam apenas cem dias que o Reino Unido de Portugal e Brasil havia sido criado. Desde 16 de dezembro de 1815:, o Rio de Janeiro tornara-se de jure a capital de um império luso-brasileiro.

Esses franceses que gozaram sua última esperança nos cem dias de Napoleão até a debacle de Waterloo, todos expatriados bonapartistas, chegavam, em 1816, como os primeiros imigrantes qualificados na antiga América portuguesa, para erguer os atavios de uma Corte absolutista nos trópicos. A rainha, D. Maria, a primeira de seu nome e também chamada de “A Louca”, acabara de falecer temendo o demo e a revolução que, para ela, eram a mesma coisa.

Com a chegada da “Missão”, às riquezas da terra somar-se-ia tentativamente a modernidade francesa na nova capital do Reino Unido. Do arquiteto da Missão, Grandjean de Montigny, datam dessa época o projeto para a Escola Real de Ciências, Artes e Ofício e a concepção do primeiro plano urbanístico para o Brasil: a primeira inaugurada em 1826, demolida na República, o segundo apresentado pós-1822, que nunca se realizou. A partir da chegada dos franceses, uma vontade da elite de mudar as aparências recrudesceu: as tradições seculares do mundo colonial estavam rapidamente desaparecendo, mas a aparência da cidade pouco mudaria – uma população de rua de antanho pode ser vista ainda hoje, com um aspecto ainda mais miserável, despida dos turbantes, tecidos e chapéus, de seus adornos e sua identidade cultural.

A aquarela de Thomas Ender (1793-1875), em que o artista vienense se autorretratou ao lado dos naturalistas Spix e Martius, é um registro precioso que pertence a um conjunto adquirido há oito décadas pela Biblioteca Nacional: seu caderno de viagem, com trabalhos brasileiros tomados do natural. Trata-se de uma obra paralela e secreta que o jovem austríaco copilou para o seu protetor, o Príncipe de Metternich. Desse álbum de 144 páginas com 244 ilustrações, a aquarela de viagem é a mais bem acabada.

São desenhos e esboços aquarelados que o artista vienense realizou durante os 10 meses que esteve no Brasil, entre 1817-1818. Realizadas em pleno Reino Unido, elas fazem parte do conjunto produzido nas primeiras décadas do século XIX, cujos registros trazem o que há de mais precioso na iconografia brasileira. Sua obra gravada, ilustra os livros Reise in Brasilien (Spix e Martius, 1823-1831), Flora Brasiliensis (Martius, 1829) e Reise im Inneren von Brasilien (Pohl, 1832-1837).

De todos os artistas viajantes, foi Ender o mais realista. A semelhança entre o austríaco e seu contemporâneo Debret surge quando registram na mesma época os mesmos cenários, paisagens e tipos “costumbristas”. Já os estilos podem ser comparados com as duas aquarelas do artista francês selecionadas para esta exposição: Negro feiticeiro e Enterro de um cavaleiro da Ordem de Cristo.