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ROMANTISMO/DECADENTISMO: GÊMEOS SINISTROS ? Edmundo Bouças/ UFRJ-CNPq

O Decadentismo revigorou a complexidade de investidas recalcadas pelos dogmas cientificistas, num compromisso que divisou as passagens da escrita pelas franquias do imaginário, bem como pelo repasse de uma grafia afeita às fabulações de individuação da verdade. No horizonte da prosa decadentista, a reaparição do signo da rebeldia romântica chancelou a intenção de superar as imposições da estética naturalista, divergir de seus mecanismos de interpretação, por em crise suas metodologias, deslocar seu sistema de estruturação do real.

Se, por um lado, percebemos que o Naturalismo, apesar de diretamente combatido, exerceu sobre a narrativa decadentista uma influência sub-reptícia, especialmente no âmbito da tematização de bizarrias e anormalidades psicológicas, por outro, em proporção bastante próxima, somos levados a admitir que tais componentes mesclaram-se ao prolongamento de diversos registros de “patologias” do Romantismo evocadas pelo Decadentismo, desencadeando um estado favorável à liberação muitas vezes desenfreada de lidar com as sensações individuais.

Como nos lembra Georges Bataille, “o escritor autêntico ousa fazer o que contraria as leis fundamentais da sociedade ativa”. Na instigação do campo prometéico que aciona o princípio dessa autenticação, Wilde distende o dandismo pelas trilhas que divisam a palavra como ponto distintivo.

Essa indissociável relação do dandy com a palavra nutre os acentos com que Wilde trama as condições que encorajam a arte a entabular manobras articuladoras da força de disseminação do paradoxo, associando-as ao emprego engenhoso impulsionado pelo cinismo e pelo sarcasmo. [...] Pelos desdobramentos do paradoxo, o dandismo decadentista assumiu o propósito de romper com os aparatos do bom senso burguês e do senso comum, numa investida que confere os traços pelos quais, como disse Deleuze: “o paradoxo é, em primeiro lugar, o que destrói o bom senso como sentido único, mas , em seguida, o que destrói o senso comum como designação de entidades fixas”.

Portanto, Romantismo e Decadentismo celebraram – num espelho ustório – a combustão do corpo e da arte, exibindo os recursos de representação com que os jogos de abertura e fechamento do século XIX convocaram a literatura a sondar artimanhas paralelas entre as fantasias do eu e os fantasmas que passavam a fermentar as ficções do sujeito.

Excerto do texto de Coutinho, L.E.B.. Romantismo/decadentismo:gêmeos sinistros?. Linha de Pesquisa - Revista de Letras da UVA, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.138-148, 2001.