REDESCOBRIMENTO DO BRASIL

Sérgio Buarque de Holanda refere-se aos anos imediatamente posteriores à chegada da Corte portuguesa e à abertura dos portos ao comércio internacional como o novo descobrimento do Brasil, pois nunca o nosso país parecera tão atraente aos geógrafos, naturalistas e viajantes em geral.

Muitos estrangeiros sentiram-se estimulados a descobrir ao mundo o país, suas riquezas e potencialidades, e diante do interesse crescente de europeus pelo novo reino surgem várias histórias gerais (1, 2, 3) do Brasil escritas por autores de diferentes nacionalidades e, na maioria das vezes, publicadas em mais de uma língua.

Mais expressiva ainda é a literatura de viagem (1, 2, 3, 4) que, desde o início do século XIX, passou a atrair o público europeu de forma progressiva. O caso brasileiro tinha elementos que o diferenciavam e o colocavam para além do simples exotismo, base do atrativo maior para os leitores do gênero. Afinal, a transmigração da Corte portuguesa, a abertura dos portos, os interesses mercantis europeus, a elevação à condição de Reino Unido, a aclamação do rei português no Rio de Janeiro e o casamento de D. Leopoldina, filha do imperador da Áustria, com o príncipe herdeiro despertaram e mantiveram viva a atenção sobre a ex-colônia. Ao conjunto de eventos, acrescentava-se um quadro de informações fantasiosas e hiperbólicas sobre as riquezas e belezas naturais do Brasil.

Os estrangeiros que se distinguiam por seus conhecimentos úteis em quaisquer das artes liberais e mecânicas eram recebidos com afabilidade, sem preferência de nação ou de religião, como se verifica, por exemplo, na concessão do direito, negado até então, de receberem sesmarias.

As diversas seções da Biblioteca Nacional também registram a importância da presença estrangeira neste período. Na Iconografia, os inúmeros e importantes registros de artistas de diferentes nacionalidades oferecem representações sobre a vida e costumes do Rio de Janeiro de então , além de panoramas e vistas da cidade e seu entorno, em que as diversas técnicas reproduzem de maneira uníssona o mesmo deslumbramento. Na Cartografia, os mapas costeiros aparecem revisados e a novidade são mapas minuciosos do interior do território brasileiro . Na Música, destacam-se obras de estrangeiros radicados no Brasil e canções populares recolhidas por Spix e Martius entre 1817 e 1820.

A outra face da ideia do redescobrimento tem a ver com a criação, por D. João, de uma série de equipamentos sociais que desvelam para a antiga colônia um universo de informações científicas e culturais até então indisponíveis pelas restrições impostas pela Coroa portuguesa como estratégia de dominação, inexistindo no Brasil de então, por exemplo, imprensa e universidade.

Vários autores portugueses acentuam que D. João, com exceção da música, não manifestou grande interesse pelas artes e que sua Corte, quando ele era regente e rei, jamais se mostrou um centro de cultura como tantos outros do seu tempo. Na verdade, tais afirmações não levam em conta a complexa conjuntura nacional e internacional em que D. João assumiu a regência, em 1792 e que se prolongou pelos anos seguintes, culminando com a invasão francesa.

Já no Brasil, encontrando a nova sede da Corte absolutamente carente de equipamentos culturais, irá promovê-los e animá-los durante sua estada, envolvendo-se diretamente em muitas dessas iniciativas.

Ainda que alguns autores afirmem que D. João não tinha uma relação fácil e frequente com a escrita, ou que se furtava ao convívio com intelectuais, no Brasil seu governo foi marcado por incentivo ao desenvolvimento do ensino e à promoção das ciências e das artes.

Neste contexto foram criadas sucessivamente várias instituições e as primeiras escolas de ensino superior. Tal iniciativa reveste-se de grande importância, pois equipamentos sociais desse tipo inexistiam na América Portuguesa, ao contrário da América Espanhola, onde já havia universidades desde o século XVII. Em 1808, foram criadas a Escola de Cirurgia da Bahia, a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro e a Academia Militar, tal como a Biblioteca Nacional, em 1810.

De igual relevância foi a instalação da Imprensa Régia, uma vez que qualquer iniciativa nesse sentido tinha sido até então impedida pela metrópole. Criada em 1808, além de imprimir a legislação produzida, fabricar livros para escrituração, encadernar impressos, também editava livros. Assim, foi responsável pelo pioneirismo nas edições brasileiras e, particularmente, pela publicação de obras a serem utilizadas nas escolas recém-criadas.

A Academia Real Militar, que tinha também o objetivo de ensinar engenharia civil e mineração, mereceria atenções especiais. Publicou-se, por ordem real, em 1811, um compêndio de álgebra, traduzido do francês, e, no ano seguinte, outro de geometria descritiva adaptado às artes, além de um de mecânica, que tratava de estática, dinâmica, hidrostática e hidrodinâmica, todos destinados aos alunos daquela instituição.