A fotografia no século XIX

O Papel do papel: um breve ensaio acerca da relev�ncia da fotografia em papel albuminado no s�culo XIX

Joaquim Mar�al Ferreira de Andrade.

Prim�rdios da Fotografia

As d�cadas de 1820 e 1830 marcam o surgimento dos primeiros processos fotogr�ficos, ap�s um longo per�odo de gesta��o, que durou alguns s�culos. A quase imediata expans�o da fotografia em termos globais, sua assimila��o por diferentes culturas e sua r�pida apropria��o pelos mais distintos campos do conhecimento nos demonstram estarmos diante de um fen�meno que merece integrar a galeria dos grandes inventos da hist�ria da modernidade. Segundo William M. Ivins, Jr., "(...) � atrav�s da fotografia que arte e ci�ncia provocaram seus efeitos mais impressionantes sobre o pensamento do homem comum contempor�neo. Sob diversos pontos de vista, a hist�ria das t�cnicas, da arte, da ci�ncia e do pensamento podem ser divididas, de maneira apropriada e convincente, em seus per�odos pr� e p�s-fotogr�ficos."

A fotografia nasce do anseio por uma representa��o mec�nica, supostamente mais objetiva, da realidade visual. Suas origens no ambiente positivista da Europa do s�culo XIX, onde atuaram quase todos os seus precursores, que utilizavam a c�mera obscura e a c�mera l�cida para "copiar" o que viam, t�m sido intensamente pesquisadas e discutidas em d�cadas recentes. Muito j� se conhece, tamb�m, sobre a contribui��o daqueles que, durante os tr�s s�culos anteriores - a que denominamos per�odo da pr�-fotografia 0 acumularam pr�ticas, observa��es e descobertas nos campos da f�sica e da qu�mica, cujo somat�rio culminou no surgimento da fotografia, atrav�s de diversos pesquisadores que investigavam simultaneamente processos distintos em localidades tamb�m distintas.

Neste sentido, come�ar�amos relembrando as experi�ncias do ingl�s Thomas Wedgwood, assistido por Humphry Davy e que produziu, em 1802, c�pias-contrato de folhas e outros objetos sobre papel sensibilizado com nitrato de prata sem, no entanto, descobrir uma f�rmula para fixar tais imagens. Mais � frente, lembrar�amos do franc�s Joseph-Nic�phore Ni�pce, conhecedor da litografia e inventor de um processo de reprodu��o denominado heliografia - que possibilitava a multiplica��o de imagens atrav�s de um sistema muito similar a outros processos de gravura ent�o conhecidos - e autor da primeira imagem capturada atrav�s da utiliza��o de uma c�mera obscura equipada com uma objetiva. Obtida em 1826 em sua cidade natal, Chalon-sur-Sa�ne, essa imagem resultou do endurecimento do betume da jud�ia pela a��o da luz - diferentemente do escurecimento das emuls�es fotogr�ficas � base de sais de prata, que viriam a possibilitar o desenvolvimento da fotografia propriamente dita, pouco tempo depois.

Em seguida, vale lembrar da descoberta isolada da fotografia havida em nosso pa�s, em 1833 - seis anos antes, portanto, da primeira patente de um processo fotogr�fico ser requerida na Europa. Hercules Florence, cidad�o franc�s radicado na Vila de S�o Carlos (hoje Campinas), S�o Paulo, n�o apenas desenvolveu e testou com razo�vel sucesso um processo fotogr�fico rudimentar, como tamb�m cunhou a pr�pria palavra que o denomina photographie.

Interessado que estava em outros inventos relacionados � reprodu��o impressa, Florence n�o levou � frente suas pesquisas com o empenho requerido e acabou se frustrando quando, em 1839, tomou conhecimento de not�cias chegadas da Europa que davam conta da inven��o do daguerre�tipo. Em 26 de outubro de 1829, publicou no jornal paulistano A Phenix um comunicado esclarecendo sua posi��o quanto � descoberta da fotografia na Europa, comunicado este que foi transcrito no Jornal do Com�rcio de 29 de dezembro do mesmo ano.

A daguerreotipia mencionada acima, era um dos processos fotogr�ficos que vinham sendo desenvolvidos naquele per�odo, tendo sido inventada pelo franc�s Louis Jacques Mande Daguerre, em colabora��o com Joseph-Nic�phore Ni�pce e seu filho Isidore Ni�pce. Em 19 de agosto de 1839, numa sess�o conjunta das Academias de Ci�ncias e de Belas Artes, em Paris, ocorreu o an�ncio da inven��o do daguerre�tipo. A patente do invento foi adquirida pelo governo franc�s e "doada � humanidade", tendo se disseminado rapidamente pelo mundo. Consiste numa chapa de cobre, prateada atrav�s de um processo eletrol�tico (galvanoplastia) e depois polida at� se tornar um espelho. Sensibilizada a partir da exposi��o aos vapores de iodo, era ent�o colocada na c�mara e sobre ela se formava a imagem fotogr�fica latente, depois revelada, com vapores de merc�rio - que atuavam sobre as �reas atingidas pela luz - tornando-se um am�lgama de merc�rio e prata, vis�vel. Por se tratar de um artefato extremamente fr�gil, a chapa, depois de fixada, lavada e seca, era sempre vedada num estojo, sendo recoberta por uma placa de vidro. Embora as imagens assim obtidas possuam alta qualidade, sua visualiza��o � dificultada devido � superf�cie espelhada. Ademais, a imagem possui a lateralidade invertida e � �nica, ou seja, n�o pode ser multiplicada, devido � inexist�ncia do negativo.

Quatro anos antes daquela patente, no entanto, outro importante processo j� vinha sendo desenvolvido pelo ingl�s William Henry Fox Talbot que, no entanto, s� retomou suas investiga��es ap�s tomar conhecimento do an�ncio do daguerre�tipo. Em 1840 descobriu a imagem latente - que se torna vis�vel por meio da revela��o, possibilitando assim uma acentuada redu��o (para apenas 1 minuto, em m�dia) do tempo de exposi��o necess�rio para a tomada das fotografias. Talbot patenteou finalmente o seu processo em 1841, sobre o qual passou a exigir o pagamento de direitos autorais, em alguns pa�ses. Trata-se do cal�tipo ou talb�tipo, um negativo de papel, que ap�s o processamento (revela��o) era encerado para tornar-se mais transparente, sendo em seguida prensado contra um outro papel sensibilizado, sob uma placa de vidro e exposto � luz do sol, possibilitando assim a obten��o de uma c�pia fotogr�fica (positiva) em papel salinizado ou papel salgado - assim designado porque o banho inicialdo papel era mesmo numa solu��o de cloreto de s�dio, o conhecido sal de cozinha. Viabilizou-se, ali, a reprodutibilidade na fotografia, tal como o conhecemos e praticamos at� os nossos dias: o original, ou matriz, � o negativo, a partir do qual podemos gerar um n�mero infinito de c�pias positivas, todas de igual qualidade e valor. A fotografia tornou-se, assim, um m�ltiplo.

As imagens proporcionadas pelo cal�tipo, no entanto, n�o tinham a mesma qualidade e nem exerciam o mesmo fasc�nio daquelas obtidas atrav�s dos daguerre�tipos. As fibras constituintes do negativo de papel acabavam por prejudicar a impress�o do positivo, que tinha uma apar�ncia granulada, sem precis�o nos detalhes, (aquilo que hoje denominamos resolu��o da imagem) e uma colora��o amarronzada e fosca.

Voltemos agora ao Brasil. J� em 17 de janeiro de 1840, o abade franc�s Louis Compte, capel�o do L�Orientale, navio-escola franco-belga que dava a volta ao mundo e chegara h� pouco da Europa, produziu os primeiros daguerre�tipos de nosso pa�s, todos na regi�o central da cidade do Rio de Janeiro. Apresentado ao nov�ssimo processo, D. Pedro II - � �poca, com apenas 14 anos e �s v�speras da antecipa��o da sua maioridade - interessou-se de imediato, providenciando logo a aquisi��o de um equipamento para seu pr�prio uso e melhor compreens�o do processo, e tornando-se assim o primeiro cidad�o brasileiro a tirar uma fotografia."

� a partir da�, ent�o, que se inicia a produ��o das imagens fotogr�ficas de nosso pa�s, hoje conhecidas. Alguns dos primeiros fot�grafos que chegaram ao Brasil, vindos da Europa ou da Am�rica do Norte, eram viajantes, verdadeiros aventureiros, que percorreram diversas cidades de nossa costa antes de seguir rumo ao cone-sul, chegando em seguida ao oceano Pac�fico e subindo o outro lado do continente. Outros se estabeleceram - alguns por curto per�odo (muitas das vezes em alguma empreitada espec�fica de documenta��o fotogr�fica), outros por mais tempo, outros ainda por toda a vida.

Com o passar das d�cadas, surgem tamb�m os primeiros fot�grafos brasileiros. Embora a fotografia brasileira do s�culo XIX tenha alcan�ado excelente n�vel de qualidade, sua produ��o � incompar�vel, em termos quantitativos, com aquela de outros pa�ses onde a situa��o econ�mica e social era mais favor�vel, possibilitando o seu consumo por maiores contingentes da popula��o.

A evolu��o da tecnologia da fotografia

A tecnologia da fotografia evolui e se diversifica com espantosa rapidez nas d�cadas que se seguem �s primeiras inven��es. Paralelamente � dissemina��o do daguerre�tipo, nos anos 1840, a produ��o de cal�tipos (os negativos de papel) tamb�m avan�a, n�o s� na Gr�-Bretanha (em especial na Inglaterra e Esc�cia) mas tamb�m na Fran�a, onde surgem v�rios grandes fot�grafos que se dedicaram � documenta��o de edif�cios e monumentos, sob o patroc�nio do pr�prio governo. Alguns franceses, como Gustave Le Gray e Louis-D�sir� Blanquart-Evrard, realizaram ainda importantes desenvolvimentos t�cnicos no sentido de melhorar a qualidade e a produtividade dos cal�tipos. J� estava claro, �quela �poca, que o futuro da fotografia residia nos processos que possibilitavam a sua m�ltipla reprodu��o, a partir de um negativo ou outro tipo de matriz.

Anos depois da implanta��o do primeiro processo negativo-positivo - inventado por Fox Talbot nos anos 1830 mas s� patenteado em 1841 - outro ingl�s, Frederick Scott Archer, obteve sucesso em 1850 ao utilizar um l�quido viscoso, o cal�dio (nitrato de celulose ou nitrocelulose, dilu�do em �ter e �lcool) para aderir a emuls�o de sais de prata em uma placa de vidro, desenvolvendo assim o negativo de vidro de col�dio �mido, tamb�m conhecido como chapa �mida. Desta maneira, estava resolvido o problema causado anteriormente pela interfer�ncia das fibras da celulose quando se copiava um negativo de papel - a qualidade desses positivos, agora, era muito superior �quela das c�pias obtidas a partir de cal�tipos. O uso desse novo negativo, que tinha que ser preparado imediatamente antes do ato da tomada da fotografia e revelado logo depois (pois quando o col�dio seca se torna imperme�vel, impedindo a a��o do revelador), disseminou-se rapidamente.

� fato que, antes mesmo de Scott Archer, o franc�s Claude F�lix Abel Ni�pce de Saint-Victor j� havia desenvolvido um negativo de vidro, em 1847 que se valia da albumina - uma prote�na extra�da da clara do ovo - para aderir os sais de prata ao vidro. Embora estes negativos pudessem ser preparados com anteced�ncia, sendo capazes de durar muitos dias antes da sua utiliza��o, eram pouco sens�veis � luz, exigindo longos tempos de exposi��o e sendo, portanto, inadequados para a produ��o de retratos, cuja "febre" j� se iniciava. Foi o processo de Scott Archer, portanto - que disseminou rapidamente pelo mundo afora, assim como acontecera anteriormente com o daguerre�tipo. Ainda na primeira metade dos anos 1850, com a utiliza��o do negativo de vidro de cal�dio �mido, j� era poss�vel fazer uma fotografia, sob boas condi��es de luminosidade, com um tempo de exposi��o t�o curto quanto um segundo.

O advento dos negativos de col�dio rendeu, ainda, dois outros processos inspirados no daguerre�tipo, j� que ambos resultavam tamb�m numa imagem �nica: o ambr�tipo (1851) e o ferr�tipo (1855). O primeiro, uma inven��o de Scott Archer muito popularizada pelo norte-americano James Ambrose Cutting, que inclusive patenteou uma de suas variantes, constitu�a-se numa imagem negativa em uma placa de vidro, colocada sobre uma superf�cie negra para adquirir a apar�ncia de um positivo e era tamb�m apresentado num estojo, embora de custo inferior. O segundo, patenteado pelo norte-americano Hannibal L. Smith e considerado um formato marcadamente popular, constitu�a-se numa variante daquele mesmo processo, sendo a imagem formada sobre uma chapa de ferro previamente pintada de preto. Montado num passe-partout de cart�o ou papel, o ferr�tipo visava atingir as camadas economicamente mais desfavorecidas da sociedade e foi explorado por fot�grafos ambulantes que circulavam constantemente pelas localidades mais populares.

Para produzir c�pias a partir dos negativos de vidro, proporcionando resultados de superior qualidade, o fot�grafo franc�s Louis-Desir� Blaquart-Evrard desenvolveu, em 1849-'850, um novo papel fotogr�fico albuminado. A albumina, prote�na extra�da da clara de ovo, era colocada numa bacia e a folha de papel, de baixa gramatura, era delicadamente depositada na superf�cie daquele l�quido, "flutuando" por brev�ssimo tempo e tornando-se assim albuminada. O papel assim revestido adquiria um acabamento brilhante e liso, podendo ser armazenado at� o momento de sua utiliza��o, quando era "flutuado" numa outra bacia contendo uma solu��o de nitrato de prata. A camada de albumina retia os sais de prata e em seguida era seca. Depois da copiagem do negativo naquele papel albuminado e de seu processamento. Depois da copiagem do negativo naquele papel albuminado e de seu processamento, proporcionava uma imagem mais rica em contraste (com as altas luzes mais intensas e as sombras mais escuras), em grada��o tonal e em detalhamento (resolu��o).

J� em 1851, Blanquart-Evrard instalou,na cidade francesa de Lille, uma linha de produ��o industrial para a produ��o de c�pias. A partir da produ��o de diversos fot�grafos, entre amadores e profissionais, editava porta-f�lios tem�ticos, comercializando-se por um pre�o compat�vel com o das litografias - bem mais barato, portanto, que aquele praticado pelos fot�grafos de est�dio, mas sem poder assegurar a perman�ncia das imagens impressas. Em seus quase cinco anos de atividade, at� 1855, produziu cerca de 100 mil c�pias fotogr�ficas. Desistiu de seu neg�cio, por n�o conseguir a lucratividade necess�ria.

A instabilidade dos materiais fotogr�ficos preocupava a todos os envolvidos no neg�cio; era necess�rio desenvolver t�cnicas que assegurassem a estabilidade e a perman�ncia das imagens. O Fading Committee proposto em 1855 pelo Pr�ncipe Alberto, um entusiasta da fotografia e marido da Rainha Vit�ria, da Inglaterra, e o pr�mio oferecido por Honor� d�Albert, o Duque de Luynes, um amante das artes, arque�logo e fot�grafo franc�s, para quem oferecesse a melhor contribui��o para o progresso da quest�o da perman�ncia das imagens � base de prata, servem de exemplo dos esfor�os havidos naquele per�odo. Estava claro que a fixa��o e a lavagem das c�pias deveriam merecer especial aten��o. Neste sentido, as fotografias de viagem em papel albuminado da presente exposi��o constituem-se num perfeito testemunho daqueles desafios - afinal, podemos apreciar, nesse conjunto, desde imagens num estado de conserva��o impec�vel at� imagens consideravelmente esmaecidas e/ou amarelecidas.

O papel albuminado provou ser o "parceiro ideal" para os negativos de col�dio �mido e a partir dos meados daquela d�cada tornou-se o papel fotogr�fico mais popular em todo o mundo por tr�s d�cadas, aproximadamente - sendo este o per�odo coberto pela presente exposi��o. Embora seu uso tenha deca�do a partir da �ltima d�cada do s�culo XIX, ainda foi utilizado at� a d�cada de 1930, aproximadamente.

Nos primeiros anos de sua utiliza��o, este processo era integralmente realizado no pr�prio est�dio do fot�grafo, mas logo surgiram as ind�strias de papel albuminado. A sensibiliza��o do papel com nitrato de prata, no entanto, continuou quase sempre a cargo do fot�grafo ou de um de seus assistentes, sendo realizada na v�spera de sua utiliza��o, para a copiagem dos negativos.

O papel usado na sua confec��o requeria certa qualidade. Ent�o, era sempre um papel de trapo - de algod�o ou de linho. Segundo James Reilly, s� duas ind�strias, em todo o mundo, alcan�aram um padr�o de qualidade consistente, produzindo o papel ideal para ser albuminado e sensibilizado com sais de prata, livre de quaisquer res�duos decorrentes da mat�ria-prima (tais como os res�duos met�licos dos bot�es comumente deixados nos trapos reprocessados ou os fragmentos desprendidos do pr�prio maquin�rio) ou da �gua utilizada (tais como os res�duos minerais), j� que naquela �poca ainda n�o se conheciam as t�cnicas de purifica��o posteriormente desenvolvidas. Estas ind�strias, que mantiveram o seu monop�lio desde os anos 1860 at� o per�odo da I Guerra Mundial, eram a Blanchet Fr�res et Kleber Co. (localizada na cidade francesa de Rives) que produzia o papel Rives e a Steinbach and Company (localizada em Malmedy B�lgica - regi�o ent�o pertencente � Alemanha) que produzia o papel Saxe.

As maiores ind�strias que "albuminavam" aqueles pap�is ficavam na Alemanha, mas havia tamb�m as ind�strias na Fran�a, Inglaterra e Estados Unidos. No Brasil, at� onde vai o nosso conhecimento, nunca se fabricou papel albuminado em escala. Naturalmente, era poss�vel a um fot�grafo local adquirir o papel e depois albumin�-lo. � mais do que prov�vel que in�meros fot�grafos locais tenham trabalhado assim; mas � tamb�m prov�vel que muitos fot�grafos tenham importado o papel albuminado e o sensibilizassem aqui.

Como j� foi dito, a grande produ��o acontecia nas ind�strias. Cabia ent�o �s mulheres, que ocupavam quase todos os postos, a primeira etapa da produ��o: quebrar os ovos e separar a clara da gema. Esta �ltima n�o tinha utilidade para a fotografia, e normalmente era repassada �s padarias ou outras manufaturas de comest�veis. A clara do ovo era batida, adicionando-se sais e posteriormente era colocada em frascos e depositada para descansar por alguns dias. Progressivamente ia-se depositando no fundo do frasco um l�quido, a albumina, prote�na extra�da da clara do ovo. Num outro setor da ind�stria, a albumina era derramada em bacias onde as folhas de papel, muito finas, eram flutuadas. Como a albumina n�o devia atingir o verso do papel, manipulavam-se as folhas na bacia com delicadeza. Em seguida, essas folhas eram retiradas e penduradas para secar, sendo posteriormente cortadas, embaladas e comercializadas. Nas �ltimas d�cadas do s�culo XIX, era comum a comercializa��o de pap�is albuminados rosados, arroxeados ou azulados, que se tornaram moda. Hoje em dia, � dif�cil reconhecer estes pap�is, uma vez que os corantes ent�o utilizados eram inst�veis � luz e desbotaram com o passar do tempo.

Ainda segundo James Heilly, a Alemanha, onde o com�rcio de papel albuminado j� existia desde 1854, tornou-se o maior produtor mundial a partir de 1870. A cidade de Dresden era o principal centro, gra�as � sua proximidade dos grandes produtores de papel e de ovos, al�m do baixo custo de sua m�o-de-obra, se comparada a dos competidores ingleses ou norte-americanos. Ademais, a utiliza��o de bact�rias existentes na pr�pria albumina para desencadear o processo de fermenta��o proporcionava um papel mais brilhante e com melhores resultados no momento de se proceder � sua viragem. Para que se tenha uma id�ia da escala de produ��o local de duas grandes f�bricas e diversas outras menores, Reilly cita os n�meros da Dresdener Albuminfabriken A.G., que apenas em 1888 produziu 18.674 resmas de papel albuminado. Cada resma consistia de 480 folhas medindo 46 x 58 cm cada. Para confeccionar cada uma destas resmas eram necess�rios 9 litros de albumina, obtidos de 27 d�zias de ovos. Assim, a produ��o desta �nica f�brica consumiu mais de 6 milh�es de ovos em um ano!

Quando o fot�grafo ia produzir uma c�pia fotogr�fica no papel albuminado tinha de sensibilizar o papel. Mais para o fim do s�culo, j� havia os pap�is fotogr�ficos albuminados pr�-sensibilizados, com adi��o de �cido c�trico, o mais consumido pelos amadores. Os profissionais continuaram sensibilizando os seus pr�prios pap�is. Idealmente no dia em que se pretendia fazer as c�pias - ou, no m�ximo, com dois ou tr�s dias de anteced�ncia. Como j� foi mencionado, dilu�a-se na bacia o nitrato de prata e flutuava-se o papel neste l�quido, para absorver os sais. O papel era pendurado para secar, o que tinha que ser feito em um ambiente escuro ou com luz filtrada - normalmente, uma luz �mbar, algo pr�ximo do amarelo, de modo a n�o velar o papel.

O papel era depois colocado em uma moldura de copiagem, confeccionada em madeira, juntamente com o negativo de vidro - emuls�o contra emuls�o. Ou seja, a imagem do negativo do vidro ficava em contato direto com a emuls�o do papel virgem. Esse "sandu�che" era prensado por tr�s e exposto � luz, na moldura. Comumente, isso era feito numa �rea cont�gua ao pr�prio est�dio. Algumas vezes, fazia-se essa copiagem em �rea externa. No caso dos pa�ses frios, isso era menos vi�vel durante boa parte do ano, porque em temperaturas muito baixas o processamento fotogr�fico se torna muito lento. Nos pa�ses tropicais, enfrentava-se o problema oposto - assim como h� luz abundante, h� calor demais, o que tamb�m � prejudicial ao processamento.

O fot�grafo dispunha as molduras num cavalete, para que a luz do sol atravessasse o negativo do vidro e imprimisse a imagem, em positivo, no papel albuminado. Esses pap�is eram denominados pap�is fotogr�ficos de revela��o direta ou pap�is diretos, e necessitavam de grande quantidade de energia luminosa para produzir uma imagem sem o uso de qualquer processamento qu�mico, ou seja, sem a utiliza��o de reveladores. Na medida em que a luz agia sobre o papel, os �ons de prata iam-se transformando em prata met�lica e a imagem ia escurecendo, e, conseq�entemente, tornando-se vis�vel. Para o fot�grafo controlar a qualidade da fotografia que estava produzindo, depois de passado um tempo ele podia abrir uma parte das costas dessa moldura, puxar um pouco o papel para fora - mas sem perder o registro, ou seja, n�o deslocando o negativo em rela��o � foto - e observar o resultado. O controle de qualidade era visual. No momento em que a imagem estivesse satisfat�ria, ele tirava o papel da moldura e passava para a fase final do processamento. E ent�o podia come�ar a confec��o de uma nova c�pia, similar � anterior.

Este processamento consistia do seguinte: primeiro, lavava-se papel fotogr�fico para tirar o excesso de nitrato de prata. Em seguida, fazia-se a chamada viragem - porque as fotos tinham sempre um tom avermelhado, amarronzado, que n�o era apreciado na �poca. Por essa raz�o, quase todas as fotos eram submetidas a uma viragem - mergulhadas numa bacia onde havia uma solu��o de cloreto de ouro, que mudava os tons daquela fotografia em preto e branco, tornando o "preto" mais intenso e expressivo, mais arroxeado ou azulado. Em seguida, as fotografias eram lavadas e secas.

Nos est�dios que produziam em larga escala, havia profissionais contratados s� para realizar a viragem. Esses profissionais, dotados de boa sensibilidade visual, dominavam os "segredos" do of�cio, e passavam o dia inteiro virando fotografias. A lavagem, como hoje, era muito importante. No entanto, devemos nos lembrar que muitas das vezes n�o havia �gua corrente abundante como hoje, e a lavagem era deficiente - mas j� havia a consci�ncia da sua import�ncia.

Ao final do processo, as fotografias eram normalmente montadas em cart�o (quando avulsas) ou em folhas de papel mais encorpado (quando encadernadas em �lbuns), pois o papel albuminado � sempre muito fino. Se n�o fosse montado, ele se enrolava rapidamente - assim como ocorreu com as fotografias de viagem desta exposi��o, enroladas durante mais de um s�culo antes de voltarem a ser planificadas.

Outros importantes progressos tecnol�gicos ainda no s�culo XIX

O processo de negativos de vidro de col�dio �mido, implantado na d�cada de 1850, vai perdurar at� a d�cada 1880, quando � rapidamente substitu�do pelos negativos de vidro de gelatina e prata, tamb�m denominados chapas secas. A gelatina passa a ser subst�ncia empregada para aderir os sais de prata ao vidro. A partir da�, os negativos pr�-sensibilizados passam a ser industrializados, j� que s�o dur�veis e possuem, ainda, maior sensibilidade � luz. Surgem tamb�m os pap�is fotogr�ficos de gelatina e prata, que eram igualmente industrializados e j� se encontravam sensibilizados no ato da sua comercializa��o. Na presente exposi��o, os negativos de vidro produzidos do per�odo do ex�lio da Princesa Isabel e do Conde d�Eu e as c�pias fotogr�ficas do mesmo per�odo s�o exemplos desta tecnologia.

� tamb�m nos anos 1880 que surgem os primeiros filmes fotogr�ficos flex�veis, com base de nitrato de celulose. Acontece, a�, a maior revolu��o da fotografia do s�culo XIX, com o in�cio da verdadeira populariza��o do processo, quando o cidad�o comum passa a ter condi��es de tirar suas pr�prias fotografias. A partir do marcante lan�amento da Kodak n� 1, as c�maras se miniaturizam, os filmes se tornam mais r�pidos e surgem os laborat�rios fotogr�ficos comerciais. A fotografia "instant�nea" vai deixando de ser um privil�gio dos cientistas ou especialistas. A �ptica tamb�m evolui de maneira espantosa, e j� nas primeiras d�cadas do s�culo XX sucedem-se os lan�amentos de c�maras fotogr�ficas com objetivas mais luminosas, obturadores mais r�pidos e maior praticidade no manejo. Surgem novos formatos de filme. O flash � desenvolvido e sofre sucessivos aperfei�oamentos. A fotografia em cores sofre uma evolu��o sem precedentes em sua hist�ria. Temos, enfim, uma infind�vel s�rie de novos desenvolvimentos que nos trazem at� os dias atuais, quando j� adentramos a era da imagem digital.

Voltando ao s�culo XIX, vale mencionar que �quela �poca desenvolveram-se, ainda, muitos outros pap�is fotogr�ficos, a partir de sais de ferro, platina, pal�dio etc. havia ainda os processos fotogr�ficos que se baseavam na goma bicromatadas (com dicromato de pot�ssio). Preparava-se uma subst�ncia que, ao receber a luz, endurecia, ao inv�s de escurecer - um "mecanismo" similar �quele praticado por Ni�pce com o betume da jud�ia, nos prim�rdios da fotografia. O dicromato, misturado com pigmentos e aplicado no papel, possibilitava a realiza��o de v�rios processos, como o c�lebre papel de carv�o.