BNDigital

Revérbero Constitucional Fluminense

13 nov 2017

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Censura e repressão, Crítica política, Dom Pedro I, José Bonifácio, Liberalismo, Primeiro Reinado, Rio de Janeiro

Em 1821, com o retorno da Corte portuguesa do Brasil para a Europa, foi extinta a proibição de circulação de impressos que não fossem da Impressão Régia na colônia. Nessa ocasião, o Revérbero Constitucional Fluminense foi um dos primeiros panfletos periódicos a surgir, em oposição ao domínio português. Apontado como o órgão doutrinário da Independência do Brasil, tinha inclinação decididamente liberal. Era editado por Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, ambos maçons, que, entre 15 de setembro de 1821 e 8 de outubro de 1822, o tempo de vida total da publicação, imprimiam em suas páginas a defesa de um projeto político nacionalista, visando uma monarquia constitucional brasileira independente de Portugal, ou ainda, em suas palavras, “um governo liberal e permanente, regulado por leis fixas e bebidas na natureza”. Explicitamente inspirado na Revolução Liberal do Porto, ocorrida em agosto de 1820, o panfleto repudiava as ordens provenientes de Lisboa, discutindo sobre, e por fim aplaudindo, o “Fico” de Dom Pedro, em face à medida que estabelecia seu retorno à metrópole – embora não colocada claramente desde o início do periódico, essa postura determinou a linha pró-autonomia do Revérbero, que foi se desenvolvendo aos poucos.

Batendo de frente com periódicos áulicos, principalmente o Semanário Cívico, da Bahia, o Revérbero publicava, acima de tudo, inflamados artigos doutrinários pró-Independência que não só acompanharam o processo de libertação do Brasil como colônia como o embalaram intelectualmente. Mas também trazia transcrições de jornais de Lisboa, Londres e Paris, sem deixar de replicar no Brasil escritos do célebre Correio Braziliense, o primeiro periódico da história brasileira, editado na capital inglesa por Hipólito José da Costa – exílio justificado pela linha editorial absolutamente contrária à coroa portuguesa.

Enquanto editavam e redigiam o Revérbero, Gonçalves Ledo e Cunha Barbosa não se mantinham exclusivamente nessa função. Nelson Werneck Sodré, no livro “História da Imprensa no Brasil”, expõe que partiu de ambos

(...) a representação, que contou com a adesão de outras figuras destacadas, para a convocação do Conselho de Procuradores, primeira e rudimentar forma de delegação eleitoral a vigorar no Brasil, a nível geral, e decisão a que o governo de Lisboa não poderia considerar senão como rebeldia. Se isso aconteceu em fevereiro de 1822, a edição extraordinária de 12 de maio (do Revérbero) transcrevia do Correio Brasiliense o artigo “União de Portugal com o Brasil”, em que Hipólito da Costa aceitava a separação entre a colônia e a metrópole. A linguagem do jornal de Ledo e Januário aumentava em vigor, a cada dia, acompanhando a evolução dos acontecimentos e a crescente exaltação dos brasileiros. Foi essa consonância com o sentimento e a opinião que alicerçou o seu papel e lhe conferiu, e aos seus dois redatores, o grande prestígio de que desfrutam. (p. 54)


Dentro de seu projeto político para o Brasil, e em consonância com seu próprio título, o Revérbero Constitucional Fluminense insistia na necessidade da convocação de uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa (ver, como exemplo, a edição extraordinária de 18 de maio de 1822), pedida já por João Soares Lisboa no Correio do Rio de Janeiro. Os conservadores eram contra esse clamor, tachando a Constituinte, nas palavras de José da Silva Lisboa, redator áulico da Reclamação do Brasil, de “mera farsa e paródia da que perdeu a França”. Dom Pedro, no entanto, atendeu ao pedido, convocando os trabalhos que dariam origem à Constituição de 1824, consumando, assim, a Independência.

Fixada a Constituinte, as diferenças entre liberais e conservadores – ambos querendo a autonomia brasileira, via de regra – começaram a se tornar mais agudas. Para Nelson Werneck Sodré, que numa aproximação à política contemporânea chamava os dois grupos de “esquerda” e “direita”, respectivamente, os segundos, personificados na facção “andradina”, encabeçada por José Bonifácio de Andrada, não pretendiam uma Independência autêntica, desejando a conservação da estrutura colonial. Ao passo em que Lisboa repudiava a reunião do Conselho de Procuradores instituído por Dom Pedro, que permitia a Constituinte, mandava reforços para suas tropas no Brasil, procurando, adicionalmente, retomar o monopólio de comércio colonial,

Ledo e a esquerda redigiam o “Manifesto aos Brasileiros”, enquanto José Bonifácio e a direita redigiam o “Manifesto às Nações”. Ambos combatiam a posição das Cortes (de Lisboa) – a repulsa ao retorno do regime de monopólio os unia – mas enquanto, no primeiro, tocava-se apenas de leve no problema da união entre Brasil e Portugal, no segundo se punha na boca do príncipe compromisso deste teor: “Prometo... que não desejo cortar os laços de união e fraternidade que devem fazer de toda a nação portuguesa um só todo político bem organizado”. A direita se aproximava dos dominadores, portanto. Na Bahia – onde O Constitucional sustentava luta árdua e perigosa, face às baionetas de Madeira (general lusitano) – o Semanário Cívico metia a ridículo a ideia de elevar-se a Estado um território colonial, em referência direta ao documento redigido por Ledo. (p. 56)


O Constitucional, de fé idêntica à do Revérbero, acabaria sucumbindo às forças militares portuguesas. Ainda assim, no dia 20 de agosto de 1822, Gonçalves Ledo chegou a defender uma proposta de Independência brasileira com base constitucional numa reunião maçônica, obtendo aprovação por unanimidade: decidiu-se então, em seguida, pelo envio de emissários às diversas províncias, buscando adesão. Pouco depois, em São Paulo, a 7 de setembro, Dom Pedro daria o Grito do Ipiranga, que sequer obteve menção nas páginas do Revérbero: além de seus redatores provavelmente acharem que a autonomia já estava consolidada, sabe-se que a data de 7 de setembro, em particular, não foi considerada, naquele momento, relevante como marco simbólico da formação nacional, nem pela imprensa, nem por parte do príncipe. Quando este retornara ao Rio de Janeiro, para ser aclamado imperador em 12 de outubro, Ledo, Januário e os demais membros de seu grupo político tiveram o cuidado de, na circular às câmaras a respeito da aclamação, lograr a inclusão de uma cláusula que determinava a aceitação do monarca à Constituição que a Assembleia redigiria, para, enfim, saudá-lo como Imperador Constitucional do Brasil.

Ao contrário das expectativas, e apesar das comemorações, o Revérbero não continuou sendo editado: mesmo ainda tendo o que batalhar pela Independência de fato, que só se concluiria em 1825, a edição que deveria aparecer no dia 15 de outubro de 1822 nunca veio a lume. Por suas ideias liberais, consideradas perigosas pelos conservadores mais próximos ao poder, Gonçalves Ledo e Januário Barbosa, assim como outros de mesma crença política, caíram imediatamente na “Bonifácia”, processo de espionagem, delações e condenação de figuras públicas encabeçado por José Bonifácio, que julgava os liberais não só como demagogos, mas como "anarquistas". Ambos os redatores foram perseguidos em seguida, confirmando, enfim, o caráter despótico a ser mantido pelo imperador. Ledo, que havia sido eleito para a Constituinte, não tomou posse, mas conseguiu escapar para a Argentina (de onde retornou em novembro de 1823, apenas para ver a Assembleia dissolvida e a imprensa sob censura), enquanto os demais foram deportados para a França. Januário, por sua vez, mudou de lado no jogo político, vindo a se tornar escriba oficial do Primeiro Reinado, no Diário Fluminense. Na avaliação de Sodré, o grupo liberal havia cometido o erro de achar que o problema da liberdade individual na colônia seria resolvido com a Independência, que fundou um país de regime absolutista: a democracia não havia chegado. Essa preocupação, no entanto, era vista em outro jornal liberal da época, concorrente do Revérbero: o Correio do Rio de Janeiro.

Contando entre 12 e 16 páginas por edição e sendo publicado primeiro quinzenal e depois semanalmente, o Revérbero contabilizou, ao todo, 20 edições ordinárias e 3 extraordinárias, impressas primeiro nas oficinas de Moreira & Garcez, depois na Typographia Nacional e por fim na Typographia de Silva Porto & Cia., de Felizardo Joaquim da Silva Morais e Manuel Joaquim Silva Porto, ao longo de um ano e um mês de circulação. Era vendido avulsamente por 120 réis, preço que foi aumentando num segundo momento para 140, e depois para 160 réis, sendo encontrado na Loja da Gazeta, na Rua da Quitanda; em uma botica da Rua dos Pescadores, na livraria de João Baptista dos Santos, na Rua da Cadeia, e na Loja do Diário, no Largo do Rocio.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, de 15 de setembro de 1821, ao nº 20, de 8 de outubro de 1822.

- MARIANI, Bethânia. Os primórdios da imprensa no Brasil (ou: de como o discurso jornalístico constrói memória). In: Discurso fundador: a formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas (SP). Pontes, 2003.

- IPANEMA, Cybelle de, IPANEMA, Marcello. Reverbero Constitucional Fluminense – 1821-1822: texto, estudo hemerográfico e indexação. Rio de Janeiro: Edições Biblioteca Nacional, 2005

- SILVA, Virgínia Rodrigues da. O Revérbero Constitucional Fluminense, constitucionalismo e imprensa no Rio de Janeiro da Independência. Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2010. Disponível em: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1365.pdf. Acesso em: 18 fev. 2016.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.