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2 de abril | Falklands ou Malvinas? 40 anos do auge da questão

02 abr 2022

Artigo arquivado em Datas comemorativas
e marcado com as tags 40 anos da Guerra das Malvinas, Argentina, Falklands, Guerra das Malvinas, Inglaterra, Malvinas, Secult

Há quem diga que a história humana é uma história de conflitos, muitas vezes armados. Eles seriam, segundo muitos, inevitáveis. Por outro lado, existem também aqueles que creem que é, afinal, uma estupidez não colocar a violência cíclica a termo. Por isso, cabe hoje relembrar uma luta armada entre duas nações. Para os argentinos, a Guerra de las Malvinas. Para os ingleses, o Falklands Conflict. Ou ainda Guerra do Atlântico Sul para quem está em cima do muro. Pois há 40 anos, em 2 de abril de 1982, uma discórdia entre os dois países plantada em 1833 atingia seu ápice, no pior sentido possível: o da violência. Em disputa, um pequeno arquipélago de clima quase polar permeado por incontáveis formações rochosas onde, à época, mal se conseguia dar conta da principal indústria local, a criação de carneiros. A bandeira oficial das Ilhas Falklands, assim chamadas dada a permanência da soberania britânica no conflito, é assim até hoje: a Union Jack no canto superior esquerdo, como todo território encaçapado pelo Reino Unido, e um singelo carneirinho, num brasão do lado oposto. Teria valido a pena, tanto assim? Pelo sim e pelo não, naquele tempo questões internas de ambos os países em contenda ajudaram a acender o antigo pavio. Tanto do lado de cá quanto do lado de lá do Atlântico governos em crise buscavam o aumento de sua popularidade. Resultado: uma escaramuça por terra, mar e ar que durou pouco mais de dois meses: de 2 de abril a 14 de abril de 1982. Pouco tempo? Uma eternidade para quem sentiu na pele. Para a Argentina, entre 649 e 750 mortos, contra 258 para a Inglaterra (entre os quais três civis). Fora feridos e aprisionados.  

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 Malklands. Ou Falkvinas. Qualquer um que vê no mapa a cara das ilhas conclui facilmente que seu território total pode facilmente ser dividido em duas metades. Mas, se é para haver apenas um dono, paciência. É difícil julgar de quem o arquipélago realmente deveria ser, originalmente. A própria comunidade científica tem dificuldades em apontar quem chegou ali primeiro. Como no caso de todo problema geopolítico, é necessário estudar um pouco de história.  

 Na visão argentina, segundo apontam cartas náuticas da época das Grandes Navegações, o punhado de ilhas foi primeiro observado por naus espanholas, em 1522, numa expedição de Fernando de Magalhães, em direção ao estreio que leva hoje seu nome. Por outro lado, na perspectiva britânica, que rejeita a legitimidade dos antigos mapas que sustentam essa versão, o arquipélago foi avistado pelos ingleses em 1592, em meio a uma exploração financiada por certo Lord Falkland. Entre os séculos XVIII e XIX, todavia, diferentes potências europeias rondavam o arquipélago a caminho do Pacífico, produzindo diferentes cartas náuticas da região. Do ponto de vista estratégico e comercial, sua importância era inegável. 

 E quanto a pisar nas rochosas e gélidas ilhas do Atlântico Sul? Antoine de Bougainville, um capitão francês, aparentemente fez isso primeiro. Fundou por ali o que seria o embrião da cidade de Port Louis, no ano de 1764, no que foi seguido pelo rival britânico John MacBride, que estabeleceu Port Egmont já em 1766. Existem registros de que antes e durante esse período havia forte presença francesa em volta das Malvinas - nome dado, aliás, por navegadores da terra do croissant: "Malovines", conforme a chamavam, na época. Por volta de 1698 inúmeros pesqueiros franceses andavam pela região, interessados na diversidade da vida marítima local, precisando, justamente, de bases terrestres para facilitar sua atividade.  

 Fato é que, geograficamente, o arquipélago das "Malovines" se situa muito próximo à atual Argentina. São menos de 500 km até a costa leste do país, à época uma colônia do Reino de Espanha. Por isso mesmo, as ilhas foram tomadas por colonizadores castelhanos em 1770, que expulsaram cerca de cem britânicos de Egmont. Estes e seus nacionais, no entanto, não dormiram no ponto. Sob ameaças de represálias, já em 1771 a coroa espanhola devolveu ao menos o porto à Inglaterra. Negociações com relação ao restante das ilhas então começaram. Até que, em 1774, a Grã-Bretanha retirou seus súditos das Falklands. Não se sabe se por causas econômicas ou pelo cumprimento de um tratado com os espanhóis - ou ambos.  

 Em 1833, a coisa mudou. Os britânicos voltaram ostensivamente para as ilhas, passando a reclamar o território como seu. Aproveitaram uma deixa: na ocasião, o domínio espanhol tinha acabado de deixar aquelas bandas. Será que a Argentina, independente desde 1816, teria fôlego para fazer questão das Malvinas, como direito de herança dos territórios espanhóis? Seja como for, forças inglesas se introduziram por ali a 2 de janeiro de 1833. Era um considerável contingente militar chefiado pelo capitão John James Onslow, que, pacificamente, botou para fora de lá o governador argentino José Maria Pinedo e suas mirradas duas dezenas de homens. Houve uma tomada de posse oficial, por parte dos ingleses: num território que até então servia apenas de base a atividades pesqueiras a diversas nacionalidades, nasciam as Falklands. Serviriam de entreposto comercial e ponto de abastecimento para quem quisesse cruzar o Estreito de Magalhães. A justificativa dos bretões era de que não havia ali um povoado permanente - logo, em sua versão, tratava-se de terra de ninguém. Pois passara a ser de alguém. Começaram a povoar o local. A soberania das Falklands ficou com coroa britânica, de onde nunca mais saiu. 

 Embora fosse ainda um jovem país cheio de questões internas, constituído apenas pouco mais de 15 anos antes do pleito britânico, a república do Prata jamais abriu mão das pequenas ilhas a sudeste de seu torrão continental. Continuou as chamando como sempre: de Malvinas. Londres chegou a dizer, muito depois, que cederia o território de bom grado à Argentina, caso sua população assim o desejasse. Mas a resposta já era sabida de antemão: o povoamento ilhéu, logo após a tomada de John Onslow, se deu só com almas britânicas, no pós-1833. 

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 Sob administração inglesa contestada pela Argentina, as Ilhas Malvinas - ou Falklands - viram o nascimento de uma nova cidade, Port Stanley, que passou a ser a capital local. Uma tímida economia pecuária, com ênfase em ovinos, se desenvolveu por ali, assim como a pesca baleeira. O tempo passou. Durante as duas Guerras Mundiais o pequeno agrupamento de ilhas chegou a ter sua importância, do ponto de vista estratégico. Mas, nesse sentido, facilitou mesmo foi a exploração do continente antártico. Apesar de nunca ter reconhecido o domínio britânico das Malvinas, depois da humilhação de sua perda em 1833, o ódio argentino parecia arrefecer. Que nada. Os platenses continuaram pleiteando as Malvinas. Ainda nos anos de 1960 e 1975 tentaram ver o seu, na diplomacia. Tiros n'água, sempre.  

 Já nos anos 1980, os kelpers, como são chamados os falklandeses-malvinenses, eram cerca de 1.800. Se perguntados se preferissem ser ingleses ou argentinos, tinham a resposta na ponta da língua. Os desejos da população das ilhas não seriam diferentes dos do passado, não só por suas raízes bretãs: havia ainda a força dos fatores financeiros. Na ocasião, naturalmente, os ilhéus preferiam se manter dentro do Reino Unido, que os dava certa qualidade de vida, a embarcar na economicamente frágil Argentina, com os crônicos sobes e desces (mais desces) em sua qualidade de vida. Ademais, a Argentina era um regime militar, cheio de denúncias internacionais de violação de direitos humanos.  

 Mesmo fragilizada, a Argentina tinha memória. E pouca propensão ao deixa-disso. O caos econômico, sabe-se, transborda no meio social e, portanto, no político, generalizando a turbulência. Os anos 1980 começaram duros: além da crise do petróleo, a elevação do protecionismo europeu com o estabelecimento da Alemanha e do Japão como novas potências no mercado internacional e a elevação da taxa de juros dos EUA de 8 para 21,5% dificultavam as coisas para as economias latino-americanas. Muito pela séria instabilidade da Argentina naqueles dias, de inflação de 143% e índices de desemprego na casa dos 13% da população, e pela falta de freios aos impulsos da Junta Militar então em posse da batuta estatal, o general Leopoldo Fortunato Galtieri concluiu que reavivar uma antiga querela poderia valer a pena.  

 Uma onda de apoio popular era mais do que necessária na combalida Argentina dos anos 1980. Nesse sentido, nada como requentar a questão envolvendo as Malvinas, que, afinal, era legítima. Era dessas coisas capazes de mobilizar os brios nacionalistas e obliterar os demais problemas e ingerências do dia-a-dia. Como já dizia James Joyce, guerras são guerras: sempre engajam narrativas de heroísmo. Fora o resgate do ufanismo local e as tentativas do caudilho hermano de tampar o sol da economia platense com uma peneira, promissoras sondagens apontavam para a existência de petróleo no entorno das Malvinas. Isso soava como um verdadeiro pote de ouro ao fim do arco-íris, já que ajudaria na questão energética argentina, muito dependente de importações do protagonista econômico do Cone Sul: o Brasil. Vai que esse protagonismo pudesse ser revisto? Às armas, portanto. 

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 Se guerras fossem velórios (de certa forma são), os Estados Unidos da América seriam uma mistura de agentes funerários com embalsamadores, produtores de caixão, motoristas de rabecão, carpideiras, coveiros e vendedores de planos de assistência funeral, tudo junto. Mesmo quando não as provocam, onde há guerra, eles se envolvem. Pois são a "polícia do mundo". Em 1982 não era diferente. Ronald Reagan, o presidente dos EUA, tinha uns binóculos capazes de bem enxergar quaisquer forças armadas se mobilizando. Quando a situação no Atlântico Sul ganhava perfumes cada vez mais acatingados, pegou o telefone e levou um lero de 50 minutos com Leopoldo Galtieri. Enfático, o ex-galã de filmes B se mostrou contra o assalto. Uma rodada de discussões aconteceu nos EUA, com mediação americana. Mas os rogos de Reagan não serviram para nada. 

 Sabendo que os ânimos acirravam, alguns residentes da ilha principal das Malvinas depredaram a sede que uma estatal aérea argentina mantinha por lá. O motivo: o hasteamento da bandeira azul e branca, com o sol no meio, em plenas Falklands. Era o que faltava: Galtieri agradeceu. Um navio de guerra foi mandado pela Junta Militar, mobilizando-se, em seguida, toda a marinha hermana.  

 De início, os planos do caudilho sul-americano pareciam dar certo: cinco mil soldados argentinos penetraram num ponto estratégico das ilhas no dia 2 de abril e, com a devida propaganda mobilizadora, em Buenos Aires, milhares de argentinos foram às ruas com bandeiras nacionais nas mãos, se prostrando em frente ao palácio presidencial para escutar Galtieri. "O pavilhão argentino tremula sobre as ilhas Falkland", coisas assim. O ONU ordenou a retirada das tropas e a comunidade internacional ficou estarrecida com a pelotuda atitude argentina, que violava tratados do direito internacional. John Onslow revirava no túmulo. Mesmo opositores do presidente militar louvaram o tapa na cara que o imperialismo havia levado. O problema foi o rebote. 

 Embora fosse um aliado de regimes militares na América do Sul, os EUA de Ronald Reagan, de certa forma, queriam resguardar parceiros mais poderosos, os ingleses, de maiores dores de cabeça. Os militares hermanos achavam que os EUA se manteriam neutros na questão, mas a Inglaterra era uma aliada fundamental dos yankees na Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN. Fora isso, em 1982 a terra do Iron Maiden tinha a sua própria Dama de Ferro no poder, como primeira ministra: Margaret Thatcher. Se o penteado da premiê parecia inquebrantável, suas ações, em política, não ficavam atrás.  

 Por mais enérgica e sagaz que fosse, Thatcher não era livre de pressões: naquele momento em particular seu país não andava bem das pernas, no plano econômico. A contenção de gastos estava sempre na ordem do dia, conforme a qualidade de vida na Grã-Bretanha ia declinando. Em situação parecida com a de Leopoldo Galtieri, em termos de aprovação popular, o gabinete de Thatcher também se beneficiaria de um eventual conflito armado, se bem sucedido. Dos mais conservadores, seu eleitorado, a mandachuva da Downing Street ouvia que era lastimável que o império britânico não fosse mais aquela potência colonizadora de outrora, que somava territórios a bel prazer a uma Commonwealth "onde o sol nunca se punha", mantendo tudo no chicote e na rédea curta. Saudosismo + finanças debilitadas + insatisfação popular + provocação externa = conveniência. Uma demonstração de força de uma republiqueta do então chamado "terceiro mundo" deveria ser lida como algo estúpido e risível, não como uma humilhação. Em suma: a Argentina deveria ser abafada com força e rapidez. No truco internacional, a Dama de Ferro tinha cartas melhores. Com um exército e armamentos padrão OTAN, não blefou. Nem perdoou. 

 Nas reuniões do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas a Argentina acabou isolada em sua corajosa maluquice. Os EUA estavam ao lado dos súditos de Elisabeth 2ª. Como um vizinho que sorri amarelo, o Brasil, também presidido por militar, João Baptista Figueiredo, teria preferido a diplomacia. A pátria verde e amarela acabou nomeada pelo regime platense como seu representante na ONU. Tarefa ingrata. O Reino Unido sempre foi um parceiro econômico importante para o Brasil. Que ainda assim negou o pedido britânico para atracar e reabastecer navios na costa tupiniquim. Deitado eternamente em berço esplêndido, o florão da América gostaria de continuar assim. Oficialmente neutro, acabou prestando apoio moral à nação hermana.  

 Em meio à Guerra Fria, União Soviética e Cuba apoiaram a Argentina, pelo fato de o Reino Unido ser um dos principais aliados dos EUA. Um avião cubano clandestino com aporte soviético foi mandado para Buenos Aires com armamento e acabou interceptado pela força aérea brasileira, já que voava no perímetro tupiniquim. Após uma negociação com a Argentina, secretamente, o Brasil liberou a aeronave. Em seguida, escalas para voos internacionais das Aerolíneas Argentinas foram permitidas no Recife, trazendo cá para estes lados minas e mísseis desde a Líbia. Mas cala-te boca, isso é confidencial. 

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 Mal abril de 1982 começou e a chamada "Operação Rosário" dava conta da entrada argentina nas Falklands. Seu objetivo foi alcançado: expulsar militares e representações oficiais do governo britânico de lá. A Marinha e o Exército hermanos desembarcaram em Port Stanley já o rebatizando: na briga de nomenclaturas, as Malvinas teriam Porto Argentino como capital. Espumando em meio ao habitual griteiro parlamentar, o Reino Unido cortou relações com a república do Prata no mesmo dia. E, sem muita conversa, mandou cá para estes lados do Atlântico a surreal quantia de 111 navios de guerra e cerca de 28 mil soldados, algo que extrapolava - e muito - as limitadas capacidades das forças armadas de Galtieri: 12 mil soldados e cerca de 40 navios. Talvez fosse o suficiente para tomar a Argentina toda, e não só as ilhas com carneirinhos a pastar.  

 Blefe argentino ou não, a desproporcional medida de forças resultou em 649 baixas do lado latino-americano (embora algumas fontas apontem que na verdade foram 750) e 255 do lado europeu. Apenas 3 civis ingleses foram para o buraco, mas, ainda assim, eram civis: sua morte, em guerras, é sempre lamento maior. Quanto aos ovinos ilhéus, não se sabe quantos empacotaram durante a guerra.  

 Em 25 de abril forças da rainha desembarcaram na ilha Geórgia do Sul, tomando-a dos argentinos após poucos combates. Daí, o contra-ataque. Ao tempo da chegada inglesa nossos hermanos haviam posicionado o porta-aviões Veinticinco de Mayo a noroeste das Malvinas, contendo oito caças-bombardeiros, seis aviões a hélice e quatro helicópteros, todos a postos. A frota aérea dos platenses era defasada, dos anos 1960, mas numerosa. 

 Talvez um dos momentos mais dramáticos da guerra foi a 2 de maio, quando um dos quatro submarinos britânicos colocou a pique o cruzador argentino General Belgrano, causando de uma só vez 368 baixas de tripulantes. A revanche veio dois dias depois: alvejado por um míssil, o destróier HMS Sheffield afundou deixando 20 mortos - com mais quatro navios ingleses afundando, nos dias seguintes. Enquanto isso, caças travavam combate intenso pelos ares. A Argentina só possuía um porta-aviões, contra dois britânicos, que ademais contavam com submarinos letais, de propulsão atômica. Armas nucleares foram mobilizadas, por parte do Reino Unido, coisa que só foi admitida em 2003. Tatcher ameaçou apertar o botão que mandaria tudo aos ares, caso a França não fornecesse os códigos que desarmavam os mísseis Exocet que haviam vendido aos argentinos. O presidente francês François Mitterrand teve pesadelos com isso. 

 O xeque-mate inglês veio a 21 de maio, com um desembarque anfíbio ao norte da Malvina Oriental. Em terra, deram de cara com tropas argentinas mal preparadas e com equipamento obsoleto. Nuestros hermanos mal tinham treinamento e proteção contra o frio. As rendições vieram em massa. Para a alegria de Thatcher, os soldados da rainha foram tomando povoado após povoado, até chegarem a Porto Argentino, que virou de novo Port Stanley. A rendição veio a 14 de junho. 

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A iminente derrocada das forças argentinas nas Malvinas foi o último e triste tango da Junta Militar que comandava o país. Controlada, a imprensa do país dizia que a guerra ia de vento em popa. Até que a realidade se mostrou concreta, inegável. O tiro saíra pela culatra quase que literalmente, dando o impulso derradeiro para o fim da ditadura militar e estabelecendo um governo civil na Argentina. Leopoldo Galtieri renunciava apenas quatro dias após o fim da guerra. Na opinião pública, ainda assim, ao menos o povo argentino saiu de cabeça em pé do fiasco armado nas Malvinas: injustiça é injustiça e ponto final, não importa o tamanho do canhão que nos apontem.  

 Até hoje a Argentina não reconhece que as Malvinas são Falklands. Apesar do restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países em 1990, rusgas permanecem, com a nação sul-americana ainda considerando sua soberania violada. Nos 30 anos do conflito, em 2012, a então presidente argentina Cristina Kirchner não poupou palavras: acusava os ingleses de colonialismo pelo domínio de longa data. Em reposta, David Cameron, o primeiro ministro britânico na ocasião, disse que tudo continuaria na mesma e ainda abriu um plebiscito nas ilhas, no ano seguinte. 99,8% dos kelpers cravaram "sim" à sua permanência no Reino Unido.  

 Não restam dúvidas a respeito de quem foi a maior vencedora do conflito. Margaret Thatcher. A líder conservadora chegou a ir até o arquipélago para congratular as forças britânicas pelo empenho e pelo sucesso. Apareceu em uma foto icônica, sorrindo, em meio a incontáveis soldados. Quem a visse na imagem, diminuta em meio a tantos Daniel Craigs, até poderia se enganar: era a verdadeira graúda do grupo. Com a imagem um tanto enfraquecida ao início dos anos 1982, a premiê não só teve sua popularidade alavancada na Inglaterra como se manteve nas cabeças o suficiente para encaçapar mais um mandato nas eleições que, por acaso, disputou um ano após sua campanha de retomada das Falklands. Praticamente reeleita por Galtieri, muito obrigada. 

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 A guerra entre a Inglaterra e a Argentina em 1982 foi afinal um acidente contemporâneo da colonização empreendida por potências europeias, no passado. Nós, brasileiros cordiais, às vezes não sabemos que nome dar às ilhas. Quando o fazemos, é por simpatia ou consideração a um ou a outro lado. Ao leitor fica o convite: Falklands ou Malvinas? 

 O texto já era para ter acabado. Seja como for, um bom post-scriptum é sempre apetitoso. Sobretudo se ele envolve o futebol: o meio que restou a nós, latino-americanos, para dominar. 

 Pois foi entre chutes e chuteiras que veio o simbólico troco argentino, poucos anos depois do conflito armado. Nas quartas-de-final da Copa do Mundo de 1986, no México, calhou que a Argentina pegou a Inglaterra pela frente. O clima daquela partida era, de fato, de guerra. Naquele 22 de julho, no Estádio Azteca, a questão Falklands-Malvinas eram ferida ainda aberta. Mas, diferentemente do quebra pau de 1982, a peleja de 1986 teve desfecho argentino.  

 No início do segundo tempo da partida, ainda no 0 a 0, dentro da área inglesa uma bola chutada para o alto pelo zagueiro Steve Hodge acabou indo na direção contrária da que deveria ir. Ficou entre o goleiro Peter Shilton e o maior argentino de todos os tempos: Diego Armando, o Maradona. Que, mesmo sendo vinte centímetros mais baixo que o arqueiro, saltou, ou melhor, voou como um míssil Exocet, como se fosse completar de cabeça para as redes. Contou com uma ajudinha da mão, quase como se fizesse uma cortada, no volêi. Marcou talvez um dos mais notáveis gols da história do futebol. Irregular e no reflexo, mas tão rápido que validado pelo árbitro tunisiano Ali Bin Nasser. Para eterna choradeira na terra da rainha.  

 Thatcher não estava jogando, Maradona sim. Depois, como todo vulto do futebol e da política, soube dizer as palavras certas, quando inquirido sob os holofotes: “Lo marqué un poco con la cabeza y un poco con la mano de Dios”. A vingança é um prato que se serve com ironia. Justo no esporte bretão! O 1 a 0 logo virou um 2 a 1 para os hermanos, com mais um tento do Barrilete Cósmico, esse sim uma pintura.  

Tivessem dado um rifle nas mãos de Dieguito e o soltado sozinho nas Falklands, em 1982, a história seria outra.  

Explore os documentos: 

"Tempo quente". Reportagem especial da revista carioca Manchete, de 24 de abril de 1982, dava conta da guerra que acabava de eclodir nas Malvinas: 

http://memoria.bn.br/docreader/004120/209070  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/209073  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/209074  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/209077  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/209078  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/209079  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/209080  

 

O contra-ataque inglês nas Malvinas e as vítimas do torpedeamento do Belgrano, em nova reportagem da Manchete, de 22 de maio de 1982: 

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/2131  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/2132  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/2133  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/2134  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/2140   

 

Hora de mudar, na Argentina. O que o povo argentino pensa do desastre nas Malvinas, na Manchete de 10 de julho de 1982: 

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/210219  

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/210220