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Acervo da BN | A Gazeta: vida e morte de um vespertino paulistano

08 jul 2022

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags A Gazeta, Casper Líbero, Fundação Casper Líbero, República Velha, Revolução Constitucionalista de 1932, São Paulo, Secult

Na tarde do dia 16 de maio de 1906 uma novidade aparecia aos olhos do paulistano. Era coisa de Adolfo Araújo e as novas instalações no então número 33 da Rua 15 de Novembro, no centro histórico de São Paulo. Foi lá que começaram a funcionar a administração, a redação e a oficina tipográfica do jornal A Gazeta. Colocado à disposição do leitor desde aquele dia em meados de maio, e dirigido por Araújo, o diário vespertino teria trajetória de importância na imprensa paulista – quiçá nacional. Nasceu como um típico órgão da política do “café com leite”, ou seja, era defensor das oligarquias agrárias paulistas e mineiras, que deram as cartas durante as quatro primeiras décadas do Brasil republicano. Simpatizante do civilismo de Ruy Barbosa, seus primeiros proprietários eram adeptos do Partido Republicano Paulista (PRP), que literalmente se manteve no poder do estado durante toda a República Velha. Tomando como seus os interesses dos grandes latifundiários e agricultores, A Gazeta costuma ser muito lembrada pelo posicionamento que tinha em seus primeiros tempos: sempre pleiteando a valorização do café. Entre trocas de propriedade, enfim acabou nas mãos de seu maior diretor: o também perrepista Cásper Líbero. Sofrendo guinadas cá e lá em sua linha editorial, sempre em face à inconstância dos ventos políticos nacionais, não raro batia de frente com o governo de Getúlio Vargas, especialmente em 1932, durante a Revolução Constitucionalista. Depois, teve fase de franco apoio à União Democrática Nacional (UDN). Em pouco mais de 70 anos de vida muito se passou com o vespertino paulistano, até seu declínio e fim, 1979, quando passou a circular como mero encarte da Gazeta Esportiva.

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Em sua edição de aniversário de seis anos, de 16 de maio de 1912, o editorial de A Gazeta escrito pelo seu proprietário, Adolfo Araújo, cravava o seguinte: o jornal
(…) nasceu para se fazer paulatinamente, para crescer pouco a pouco, obedecendo na vida da imprensa os mesmos fenômenos que presidem à biologia. (…) Será A Gazeta... uma folha de combate, mas equitativa e independente, desligada de preconceitos sectários, refratária, à ação dos interesses... Essa folha propõe-se a ser antes de tudo comercial e informativa e, muito embora o seu diretor manifeste pessoalmente pendores por este ou aquele agrupamento político, a sua orientação obedecerá inexoravelmente à mais inflexível e à mais rigorosa isenção de ânimo enquanto concernir aos litígios partidários.

O texto comemorativo de A Gazeta firmava ainda que a folha, de acordo com preceitos tradicionais da imprensa moderna, sempre pretendera se mostrar imparcial, essencialmente “comercial e informativa”, apesar das ligações de seu diretor com o PRP. Naturalmente, o editorial traz certa contradição: explicita-se que, indo de encontro com interesses de parte da elite agrária paulista, A Gazeta acabou entrando em mobilizações “políticas, sociais e econômicas”, participando ativamente da “campanha presidencial que terminou com a eleição do dr. Albuquerque Lins ao governo do estado... contra a implantação do militarismo”. Tais palavras eram desdobramentos de cerca de dois anos antes, quando da adesão do jornal à campanha civilista do perrepista Ruy Barbosa à presidência da República, em 1910, e de seu posicionamento no contexto da Revolta da Chibata, ocorrida a fins de novembro daquele mesmo ano, quando o militar Hermes da Fonseca, do Partido Republicano Conservador (PRC), superara Barbosa nas urnas nacionais.

Cabe ressaltar que, ao longo dos dez primeiros anos de publicação de A Gazeta, o vespertino atraiu a desconfiança – e mesmo a antipatia – de muitos de seus opositores, por suas ligações com o PRP, então à frente do governo de São Paulo. Como bom órgão governista, algumas de suas páginas vinham com comunicados, relatórios e atas de sessões oficiais, muitas vezes de secretarias de Estado. Nesse sentido, um dos maiores adversários de A Gazeta foi o então proeminente diário carioca O Paiz, também ligado ao poder, mas à sua maneira, mais em favor do PRC. Surgido em meio à gestão de Jorge Tibiriçá Piratininga em São Paulo, o jornal de Adolfo Araújo aplaudiu o governo local seguinte, de Manuel Albuquerque Lins, e o subsequente, do ex-presidente da República Rodrigues Alves, iniciado em 1912, ano de publicação do editorial transcrito acima.

Dando o tom ideológico pró-PRP em A Gazeta desde sua fundação, Adolfo Araújo ficou à frente do vespertino por quase dez anos. Do ponto de vista técnico, sob sua gestão, o vespertino dizia-se imortalizado na história do jornalismo local como “o primeiro jornal de São Paulo a inaugurar a reportagem fotográfica”, segundo sua edição de 16 de maio de 1912. Embora relevante, a afirmação é um tanto vaga, talvez mesmo equivocada: é possível que o pioneiro paulistano do fotojornalismo tenha sido, na verdade, O Estado de S. Paulo, após a mudança para sua nova sede na Praça Antônio Prado, em 1906, tempo em que Júlio de Mesquita assinava como seu redator-chefe.

Adolfo Araújo viveu o suficiente para ver o início da Primeira Guerra Mundial e o acirramento da crise política no Brasil, que levou Hermes da Fonseca a decretar estado de sítio, entre outras medidas autoritárias, antes de ceder lugar, em 1914, a Venceslau Brás. Mas não chegou a ver o governo paulista seguinte a Rodrigues Alves: faleceu em 15 de dezembro de 1915. Em seu lugar, Couto de Magalhães ficou como interino por menos de um ano, mantendo o mesmo programa político na folha. Até que, a 7 de novembro de 1916, João Gonçalves Dente passara a ser o proprietário e único diretor de A Gazeta, colocando Magalhães no cargo de redator-chefe, ao lado de Antônio Augusto Covelo. Do ponto de vista administrativo, uma nova fase acabava de começar, n’A Gazeta. Mas, no campo ideológico, o diário se mantinha o mesmo perrepista de sempre, embora não o admitisse: no dia 6 de novembro de 1916, uma nota estampada em sua primeira página dizia que
A Gazeta, passando amanhã a nova empresa, reaparecerá no dia imediato completamente remodelado em todas as suas seções. Sem ligações políticas nem dependências de qualquer espécie, será folha popular e absolutamente imparcial em suas críticas e comentários.

Em editorial que marcava o início dessa nova fase, publicado a 8 de novembro de 1916, mesmo dia em que seu subtítulo iria de “Jornal fundado pelo dr. Adolfo Araújo” a “Jornal independente”, os novos responsáveis por A Gazeta iam além:
Mudando hoje de proprietário, A Gazeta muda também de orientação. Não tem a menor ligação com o passado, salvo o nome com que há dez anos apareceu... O objetivo que colimamos é exatamente o de reverenciar, na sempre nobre profissão, o apostolado dos princípios, através de calma e segura orientação, a par desse outro fim dos diários modernos e que consiste em inteirar o leitor, quanto possível, das notícias, telegramas e informações que o possam interessar. A Gazeta não tem dependências partidárias, nem acentuadas simpatias por este ou aquele grupo político. E essa circunstância basta por si só para armá-la de indispensável imparcialidade.

Declarações à parte, sob Gonçalves Dente, A Gazeta manteve sua linha favorável aos sucessivos governos do PRP em São Paulo. No lado técnico, entretanto, o jornal de fato melhorou sua estrutura editorial interna e refinou seu conteúdo, passando então a contar com colaboradores de quilate: entre outros, Coelho Neto, Carlos de Laet, Sílvio Romero Filho, Abner Mourão, Brício Filho, Antônio Torres, Oliveira Lima e Campos de Medeiros.

Na política, a partir de 1916, como era de se esperar, A Gazeta vinha a lume fazer eco às políticas do novo presidente estadual Altino Arantes. Rodrigues Alves, o anterior, que havia passado a senador por São Paulo naquele mesmo ano, foi, já em 1917, o candidato do vespertino às eleições do ano seguinte à presidência da República, pela continuidade da situação – que saiu, aliás, vitorioso. Ao contrário dos tempos em que Hermes da Fonseca era o presidente, A Gazeta seria governista também no plano nacional, afinal.

Na virada de 1917 para 1918, com Altino à frente de São Paulo e Alves prevista para o Palácio do Catete, tudo parecia ir bem para A Gazeta. No entanto, o mundo era um barril de pólvora. Rodrigues Alves não chegou a assumir a presidência, vítima de sequelas da Gripe Espanhola, deixando Delfim Moreira, do Partido Republicano Mineiro (PRM), o mesmo do mandatário anterior, Venceslau Brás. Havia também o teatro da Primeira Guerra Mundial, onde o Brasil vinha desempenhando papel de neutralidade desde 1914. Com o torpedeamento do vapor Paraná no dia 5 de abril de 1917 em águas francesas, levando a pique 60 mil toneladas de café e três brasileiros, a comoção nacional obteve respaldo nas páginas da folha vespertina: em abril e a partir de outubro de 1917 o jornal se declarou a favor da Tríplice Entente e dos demais Aliados, pedindo o rompimento das relações diplomáticas brasileiras com o Segundo Reich alemão, no que foi atendido. Em outro plano, como se sabe, o desenrolar da guerra, entre os mandatos de Hermes da Fonseca, Venceslau Brás e Rodrigues Alves, chegou à nação em forma de crise econômica, muito abordada por A Gazeta naqueles dias.

Em paralelo, a Revolução Russa ao fim de 1917 também foi apresentada ao leitor do jornal: de 11 a 19 de setembro daquele ano o vespertino explorou o tema a partir do ponto de vista do líder revolucionário social-democrata Alexander Kerensky, que chegou a ser por poucos meses o presidente do Governo Provisório Russo, até ser derrubado por Vladimir Lênin na chamada segunda fase da revolução. Em consequência à movimentação bolchevique, a eclosão da Greve Geral de julho de 1917 em São Paulo foi abordada pel’A Gazeta com certa desconfiança: suas páginas destacavam mais a atuação de policiamento e ordem pública da prefeitura, sob o comando do perrepista Washington Luís, tratamento também dispensado ao então presidente estadual, Altino Arantes. Por outro lado, Antônio Covelo, da redação do vespertino, foi um dos signatários do chamado “Apelo dos jornalistas” ao Comitê de Defesa Proletária constituído pelos operários mobilizados para que representantes seus se reunissem com os de seus patrões e do governo, para negociações – o encontro ocorreu, afinal, na redação d’O Estado de S. Paulo. Segundo Nelson Werneck Sodré, em “História da imprensa no Brasil”, uma “Comissão integrada por Antônio Figueiredo, de A Nação, José Eiras García, do Diário Espanhol, A. A. Covelo, de A Gazeta, Nereu Pestana, de O Combate, e Henrique Greenen, do Germânia, encaminhou as negociações e conseguiu o acordo: os operários venceram” (p. 317).

Curiosamente, em abril de 1917 não foi apenas o vapor Paraná que capitulou. Talvez, em parte, por problemas ligados à carestia, Gonçalves Dente abandonou a propriedade e a direção de A Gazeta, deixando Antônio A. Covelo a cargo da publicação. No dia 21 daquele mês de abril a censura oficial, por conta da guerra, atingiu toda a imprensa, não poupando sequer folhas governistas, como A Gazeta e O Correio Paulistano, o último sendo considerado praticamente um órgão oficial do PRP. Dois dias depois, ainda assim, o nome do novo proprietário passou a figurar em expediente d’A Gazeta, ocasião em que era abolido o subtítulo “Jornal independente”. A redação, a administração e as oficinas do jornal se mudaram então para a rua Líbero Badaró. Mas Covelo não permaneceu muito tempo à frente do empreendimento: deu lugar em 16 de maio de 1918 a Cásper Líbero, importante nome não só para a história do jornal, mas do jornalismo brasileiro. Líbero vinha sendo diretor-gerente da folha, até então. Conforme nota na edição daquele dia,
Com a retirada do dr. A. A. Covelo, assumirá amanhã a direção da Gazeta o dr. Cásper Líbero, provecto advogado e distinto jornalista, que há meses vem exercendo a sua atividade nesta folha. O dr. Cásper Líbero é um nome assaz conhecido na imprensa nacional, tendo sido um dos fundadores da Última Hora, vespertino que alcançou um brilhante sucesso no Rio e que, na vigência do estado de sítio da presidência Hermes, teve a sua publicação suspensa.

Começava, assim, a terceira fase de A Gazeta.

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Sob Cásper Líbero A Gazeta deveria cobrir o mandato presidencial de Rodrigues Alves. No entanto, o eleito não chegou a assumir: faleceu por conta de sequelas da pandemia de gripe espanhola de 1918. Delfim Moreira assumiu seu lugar por menos de um ano, até o início do mandato de Epitácio Pessoa, do mesmo PRM de Moreira, que durou de 1919 a 1922. Nesse intervalo, o ex-prefeito paulistano Washington Luís, do PRP, respondia como o presidente do estado de São Paulo, mais precisamente pelo quadriênio de 1920 a 1924.

No início dos anos 1920, o cartunista Voltolino (João Paulo Lemmo Lemmi) abrilhantava as primeiras páginas de A Gazeta com sua tira “A semana a lápis”, comentando em humor visual os principais acontecimentos do momento. Eram bons tempos para o periódico. Ainda assim, e apesar de dar suporte ao programa perrepista, A Gazeta enfrentou dificuldades financeiras. Cásper Líbero buscava, no entanto, meios de dar a volta por cima: e conseguiu. Impresso em rotativa Marinoni desde 26 de junho de 1920, a partir de 17 de agosto daquele ano Líbero esteve fora do expediente do jornal, que foi substituído por “Jornal independente, político, literário e noticioso – Propriedade de uma sociedade anonyma”. Sua ausência era justificada: deixando Couto Magalhães a cabo da redação, o diretor fora passar alguns meses na Europa, para, segundo nota na edição daquele dia de agosto, “providenciar na Alemanha sobre a pronta remessa de várias máquinas e outros pertences tipográficos já ali encomendados”.

Com o retorno de Cásper Líbero, em março de 1921 A Gazeta passou por novas mudanças em seu maquinário gráfico e em sua sede, um “novo palacete construído no mesmo local” em que sua redação original passava a funcionar. A partir de 4 de julho daquele ano, no entanto, seu número de páginas por edição caiu de seis para quatro. Mas, aos poucos, por conta de suas reformas, o periódico voltou a ter saúde financeira. Cabe sempre lembrar que, apesar da fragilidade econômica de sua folha, havia um contrapeso: Líbero também era simpático ao PRP e, consequentemente, à chefia estadual do momento. Posteriormente à revitalização de 1921, A Gazeta seguia com sua cobertura noticiosa calcada em economia, comércio, idas e vindas do mundo político, literatura e efemérides paulistas: a vida em sociedade em geral era abordada, mas com destaque a atividades esportivas e ao cotidiano policial na capital e no interior.

No âmbito político, a fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1922 não recebeu nenhuma menção do vespertino, que até então não se podia chamar de anticomunista: chegou mesmo, em algumas ocasiões anteriores, a defender o direito à existência legal do PCB, embora também tenha elogiado certos aspectos do fascismo italiano, como a Carta do Trabalho promulgada por Benito Mussolini em 21 de abril de 1927. Um ano antes disso acontecer, todavia, A Gazeta explorou fartamente o advento da Coluna Prestes, analisada com certa neutralidade: em suas páginas, no que pese, comunicações de Viriato Correia, Vale Cabral e Batista Luzardo foram publicadas, em 1926. Logo em seguida, porém, o diário entraria de cabeça no anticomunismo, ao reagir energicamente a um manifesto onde Luís Carlos Prestes abraçava a doutrina marxista, chamando-o de “Dalai Lama da demagogia nacional” em 2 de junho de 1930 – já no contexto de fim da República Velha.

Desde o início dos anos 1920 A Gazeta veio destacando os governos paulistas, sempre a cargo de perrepistas: Carlos de Campos, Antônio Dino Bueno (de curto mandato), Júlio Prestes e Heitor Teixeira Penteado. Porém, o último foi apeado do poder pela Revolução de 1930, assim como seu antecessor Prestes, este no plano nacional, já que havia sido o contestado vencedor do pleito à presidência da República, naquele ano. Novos tempos se impuseram não só a periódicos até então de situação, como A Gazeta, mas ao jornalismo brasileiro, como um todo.

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Órgão da República Velha que era, A Gazeta reagiu mal aos acontecimentos que culminaram na Revolução de 1930. De acordo com a tácita alternância no poder, depois do mandato de Washington Luís, do PRP, era a vez de um mineiro conduzir a continuidade na presidência do Brasil. O chefe de Estado, porém, impôs outro nome perrepista, de seu curral eleitoral: Júlio Prestes. E o robusto PRM não levou na esportiva. Vieram com seu próprio candidato para as eleições de março de 1930, para em seguida aderir à chamada Aliança Liberal, junto de nomes proeminentes da política do Rio Grande do Sul e da Paraíba, numa articulação de oposição encabeçada pelo gaúcho Getúlio Vargas. Azedado o “leite” da parceria mantida até aquele momento, a política do “café” teria que ser tragada pura. O que não aconteceu.

Quando o resultado favorável a Júlio Prestes saiu, foi contestado, sob a acusação de fraudes na contagem de votos. Os aliancistas não aceitaram o que teria sido a manutenção do regime oligárquico e, do Rio Grande do Sul, iniciaram um movimento para depôr Washington Luís antes da posse do recém eleito. No dia 5 de junho de 1930, pouco depois de criticar Luís Carlos Prestes duramente por sua adesão ao comunismo (e também, e talvez mais ainda, por seu apoio condicional à insurreição liberal), A Gazeta cravava:
A Aliança Liberal, que, em desespero de causa, entrou em confabulações com os seus adversários de ontem, será capaz de insistir nos seus processos. As suas manobras tornarão o carnaval comunista mil vezes mais perigoso do que ele é na realidade. Antes, pois, de volvermos as vistas para os figurantes dessa comédia que tem no Bloco Operário e Camponês a caricatura mestiça dos soviéticos neste adorável país digno de melhor sorte e de melhor gente, tenhamos de olho a camorra liberal.

A Gazeta era defensora de Washington Luís desde os seus tempos de prefeito de São Paulo, tendo sido peça importante em sua campanha para a presidência da República, em 1925. Como tal, o periódico colhia seus louros: além de contar com favores das autoridades, a modernização encetada por Cásper Líbero em sua tipografia anos antes o proporcionara um formato de tiragem mais moderno, menor e mais prático. O vespertino vivia mesmo seu ápice, com tiragem dobrada em poucos anos.

Conforme o tema do futebol começava a ganhar importância em suas páginas A Gazeta lançou em dezembro de 1928 um semanário autônomo, chamado A Gazeta Esportiva, dirigido por Leopoldo de Sant’Anna – e em seguida por Thomaz Mazzoni, José de Moura e Américo Bologna, até se tornar um diário independente quase vinte anos depois, sob os cuidados de Carlos Joel Nelli. No ano seguinte, A Gazeta teve ainda fôlego para encetar outro periódico paralelo: em 5 de setembro de 1929 passou a editar A Gazeta – Edição Infantil, voltada ao público juvenil. “O Brasil caminha pelos pés das crianças”, dizia, em sua edição de estreia. Em periodicidade irregular e trazendo sobretudo quadrinhos e passatempos, o jornal paralelo, posteriormente rebatizado como A Gazetinha, seria mantido até 27 de março de 1940, quando deixou de circular (depois dessa data, naquele mesmo ano, outras quatro edições ainda foram lançadas sem registro de data, intituladas A Gazeta Juvenil; o periódico acabou relançado em 18 de março de 1948, tendo durado até meados do ano de 1950).

Em seus tempos áureos ao suspiro final da República Velha, a adesão de A Gazeta à campanha em favor de mais um membro do PRP era certa: “Votar em Júlio Prestes é votar pela felicidade do Brasil e da República”, pregava, em 25 de fevereiro de 1930. Em 24 de outubro, entretanto, o movimento armado iniciado no Rio Grande do Sul colocara a termo os dias de Washington Luís na presidência da República, instituindo um Governo Provisório encabeçado por Vargas em 3 de novembro de 1930. Conforme a turbulência política sobressaltava a sociedade brasileira, nos grandes centros urbanos tanto adeptos do tenentismo quanto populares descontentes com os desmandos governamentais invadiam e depredavam jornais até ali ligados à situação: era o caso, na capital paulista, d’A Gazeta, d’O Correio Paulistano de Abner Moura, d’O Jornal do Commercio de Mário Guastani e d’O Diário Popular de José Maria Lisboa. Assim, a folha de Cásper Líbero deixou de circular após publicar sua edição do dia 24 de outubro e nada indicava que voltaria a lume. Mas voltou, a 17 de novembro do mesmo ano. Praticamente como outro jornal.

Em sua quarta fase, no pós-1930, A Gazeta paulistana parecia enfim ser editada sem influências do PRP. Seu novo diretor era Pedro Motta Lima, com S. Galeão Coutinho como secretário e Pedro A. Monteleone como gerente. Por meses, Motta Lima guiou o periódico ao sabor da “corrente revolucionária”.  Em 6 de abril de 1931, contudo, o nome de Eurico Martins passou a figurar no expediente do jornal, como o de seu diretor. Ao contrário do anterior, o novo responsável pelo vespertino passou a paulatinamente criticar o Governo Provisório, pregando a favor da volta ao estado democrático de direito e à normalidade institucional. Na edição de 8 de outubro de 1931 d’A Gazeta, quase um ano após o movimento revolucionário, a folha enfim dizia: “Colocamo-nos hoje em franca e desabrida oposição ao governo nascido de um movimento que seria o mais justo e o mais belo, se conduzido sinceramente por aqueles que o encabeçaram”.

Em sua “História da imprensa no Brasil”, Nelson Werneck Sodré comenta algo peculiar a respeito de A Gazeta, naquele momento: ao contrário de muitas das folhas ligadas à República Velha diretamente solapadas na Revolução de 1930, o vespertino paulistano foi indenizado pelo Governo Provisório. Nas palavras do historiador:
Em S. Paulo, empastelados (…), os jornais (anteriormente) governistas demoraram a retornar. A Gazeta, com a indenização que acabou recebendo dos cofres públicos, iniciou a construção do majestoso edifício de sua nova sede, à rua da Conceição, inaugurado em 1939, e voltou a circular muito em tempo de participar ativamente na mobilização dos espíritos para o movimento dito Constitucionalista, de 1932. Os bens do Correio Paulistano ficaram a cargo de um depositário (…). (p. 376)

De fato, entre 1931 e 1932, o periódico de Eurico Martins aderiu de corpo e alma à campanha pela promulgação de uma nova Constituição para o Brasil, culminando em um papel de relevo na Revolução Constitucionalista de 1932, ao lado de O Estado de S. Paulo e do Correio de São Paulo, este sendo considerado o órgão “oficial” dos insurretos, comandado por Rubens do Amaral. Em junho desse ano, em diversas oportunidades, A Gazeta bradava: “Queremos a Constituinte!”. Sua predileção partidária então se revelava na edição de 11 de junho de 1932, onde, noticiando a respeito dos novos programas do antigo PRP e do Partido Democrático (PD), o jornal clamava: “De partidos de ideias é que necessitamos”. Em outro texto da mesma edição, escrevia-se: “De São Paulo partiu o brado da Independência; de São Paulo também parte agora o brado pela Constituição”. Mesmo com o abafamento da revolta de 1932, o tema da reconstitucionalização do Brasil permaneceu nas páginas de A Gazeta, até que uma Assembleia Constituinte enfim foi marcada – para gerar, em seguida, a Constituição de 1934.

Entre abril e maio de 1933, momento em que se encerravam os prazos para o alistamento eleitoral e para a inscrição de candidatos e partidos para a participação na Constituinte, A Gazeta apoiou, nesse contexto, a chamada Chapa Única por São Paulo Unido, entre o PRP e o PD. E então, no dia 8 de maio daquele ano, o nome de Cásper Líbero voltou a dar as caras em seu expediente: o antigo diretor estava de volta ao comando da folha, ditando, como de costume, sua linha política. Embora o jornal já tivesse expressado relativa admiração pelo fascismo italiano, em 5 de junho de 1933 A Gazeta não recomendava a doutrina para o Brasil: rejeitando o integralismo de Plínio Salgado, o vespertino era claro ao dizer que “Num país que depende do capital estrangeiro e luta com a extensão territorial despovoada, o fascismo só pode ser ficção de literatos ociosos”. Pouco depois, em 16 de agosto, defendia-se o nome de Armando de Salles Oliveira, do PD, para o cargo de interventor federal no Estado de São Paulo. O candidato d’A Gazeta foi, de fato, o escolhido, iniciando mandato cinco dias depois.

Fundando em 1934 o Partido Constitucionalista de São Paulo, Salles Oliveira permaneceu na interventoria até 11 de abril de 1935, quando se tornou o 14º governador do estado, posição em que permaneceria até fins de 1936. Em paralelo, A Gazeta de Cásper Líbero, sua outrora apoiadora, não julgou a atuação do mandatário à altura do desafio: para a folha, Salles Oliveira era subserviente ao governo federal. Muito atacado em suas páginas já em 1934, o jornal considerava, no dia 9 de setembro daquele ano, que o governador “Representa, quando muito, um grupo de interessados em defender grandes interesses perante o governo da União”. Assim como seu eterno aliado Correio Paulistano, poucos meses antes A Gazeta havia levantado a suspeita de fraudes nas eleições presidenciais indiretas de 1934, que mantiveram Getúlio Vargas no comando da nação.

Opositor do governo Vargas durante seu curto período constitucional, e sobremaneira da Lei de Segurança Nacional imposta por Filinto Müller em 1935, o jornal de Cásper Líbero culpava a Revolução de 1930 pela infiltração comunista no país – ver, a título de exemplo, sua edição de 26 de novembro de 1935. Mas, como se sabe, contando com o apoio de militares, integralistas, intelectuais e diversas figuras públicas, em novembro de 1937 Getúlio Vargas aplicou um golpe que suspendeu a Constituição até ali vigente, colocando todos os partidos políticos na ilegalidade e iniciando o autoritário período conhecido como Estado Novo. Sofrendo desde então forte censura, e embora Cásper Líbero permanecesse em seu controle, A Gazeta assim perdeu sua aguerrida verve política, submetida ao controle do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). De qualquer modo, a escolha do ex-membro do PRP Adhemar de Barros para a interventoria paulista em 1938 foi, obviamente, louvada pelo vespertino, em maio daquele ano.

Embora sofresse com a mordaça totalitária cá nos trópicos, curiosamente – e talvez justamente por isso –, na segunda metade dos anos 1930 A Gazeta expressava certa simpatia por feitos de regimes autoritários europeus: não apenas o fascismo de Benito Mussolini, mas também o nazismo de Adolf Hitler e as políticas ultranacionalistas empregadas na Espanha e em Portugal por Francisco Franco e António de Oliveira Salazar, respectivamente. O último, aliás, já em 1933 havia estabelecido no pequeno país ibérico o governo ditatorial conhecido como Estado Novo, nomenclatura que serviu de inspiração ao punho de ferro varguista no Brasil, a partir de 1937.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a partir de 1939, e pelo fato de o Brasil estar sob a esfera de influência dos Estados Unidos, as simpatias políticas da fase autoritária da Era Vargas tiveram que ser revistas. Embora Cásper Líbero houvesse recém adquirido uma nova impressora rotativa da Alemanha, assim que os primeiros disparos se fizeram ouvir no Velho Mundo A Gazeta passou a cobrir com destaque os feitos dos países Aliados, dos estadunidenses em particular. Inicialmente neutro no conflito, em agosto de 1942 o Brasil viu seis de seus navios da marinha mercante serem torpedeados em plena costa nordestina, entre a Bahia e o Sergipe, por um submarino nazista. Saldo: mais de 600 brasileiros mortos. Rompidas as relações diplomáticas com as potências do Eixo, em 1944 a pátria tupiniquim desembarcava suas tropas na Europa. Ainda sob vigência do DIP, nesse contexto, durante todo o conflito A Gazeta foi um jornal totalmente favorável ao governo Vargas.

Entre inconstâncias e incertezas frente à guerra, um fato inesperado pegou A Gazeta de calças curtas: Cásper Líbero, o maior diretor de sua história, e por mais tempo no cargo, morreu. Foi vítima de um acidente aéreo, em 27 de agosto de 1943, sepultado no Obelisco de São Paulo, junto com os combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932. Apenas cinco meses antes, o finado havia adquirido uma emissora de rádio, inaugurada em 15 de março de 1943 como Sociedade Rádio Educadora Paulista – depois, Rádio Gazeta AM. Centradas em sua figura, ambas as empresas – a rádio e o antigo jornal – sentiram o baque e passaram por uma profunda mudança: em testamento, o empresário havia destinado seus bens para a criação da fundação. Assim, ambas se transformaram, em 10 de agosto de 1944, em produtos da Fundação Cásper Líbero (FCL), criada a partir do sonho do falecido de estabelecer um conglomerado de mídia.

Pois o sonho de Cásper Líbero foi atendido. Instalado no nº 900 da Avenida Paulista, ao longo dos anos o grupo de comunicação que leva seu nome passou a contar ainda com o jornal esportivo A Gazeta Esportiva – nascido do antigo semanário esportivo de A Gazeta – e com um curso de educação superior, a Faculdade Cásper Líbero. Ambos as iniciativas foram estabelecidas em 1947, mas novas emissoras de rádio e televisão seriam inauguradas já nos anos 1970. A Gazeta, na ocasião da criação da FCL, continuou sendo editada, sob a direção de Miguel de Arco e Flexa, nome de longa data em seu expediente, anteriormente como auxiliar de Cásper Líbero. Novos tempos começavam.

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Com o fim da Segunda Guerra e do Estado Novo brasileiro em 1945, A Gazeta, agora em sua quinta fase, sob gestão da Fundação Cásper Líbero, se viu em meio a um contexto peculiar: o da necessidade de abordar e discutir o processo de redemocratização no país, sem o crivo do extinto DIP. Na disputa eleitoral subsequente para a República, o jornal foi aparentemente isento em relação às candidaturas dos militares Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN), e Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social Democrático (PSD) – rejeitava, sim, a do comunista Iedo Fiúza. A 31 de janeiro de 1946 a eleição de Dutra foi vista com bons olhos, em suas páginas: “Recebemos, com satisfação, a posse do novo presidente. Trata-se de brasileiro ilustre por todos os motivos, a cuja visão é entregue a salvaguarda do futuro da pátria”. No alvorecer da Guerra Fria, daquele momento até maio de 1947 o vespertino frequentemente discutia a legitimidade – e a legalidade – da existência do PCB em face à nova fase democrática do país.

Naquele tempo, mais precisamente em 10 de outubro de 1947, mesmo ano em que fundou um curso superior voltado à formação de profissionais de comunicação social, a Fundação Cásper Líbero passou a editar ainda A Gazeta Esportiva, jornal autônomo surgido do suplemento de mesmo nome de A Gazeta, datado de 1928. Sob direção de Carlos Joel Nelli e com chefia de redação de Thomas Mazzoni, o novo órgão faria sucesso na imprensa de esportes, sendo publicado até 2001, não sem antes acolher em suas páginas, a partir de 24 de agosto de 1979, como mero suplemento, sua “irmã mais velha”, A Gazeta, então decadente: o encarte que virara jornal abrigaria o jornal que virara encarte.

Ainda na entrada da década de 1950, A Gazeta encarou as eleições de 3 de outubro de 1950 com favoritismo à candidatura de Eduardo Gomes, da UDN, e, como segunda opção, de Cristiano Machado, do PSD. O pleito marcava o início da adesão do jornal ao udenismo de forma mais contundente. Ainda assim, suas páginas davam voz a algumas posições do então senador Getúlio Vargas, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). No plano estadual paulista, A Gazeta apoiava Prestes Maia, também da UDN, contra Lucas Nogueira Garcez, do Partido Social Progressista (PSP). No mais, o vespertino pôde então ficar tranquilo: com o temor anticomunista abraçado pelo governo Dutra, não houve candidatura do PCB, suspensa temporariamente pelo Superior Tribunal Federal. Ainda assim, as vitórias de Vargas na República e de Garcez em São Paulo acendiam o alerta udenista d’A Gazeta, conforme assinalado já em sua edição de 17 de outubro daquele ano:
Passada a agudeza da traumatizante impressão causada pelo resultado das urnas de 3 de outubro, começa a preocupar os espíritos a apreciação das possíveis e prováveis tendências que hão de conduzir a política interna e externa do sr. Getúlio Vargas. É certo que a vitória estrondosa do candidato trabalhista lhe defere a mais ampla procuração e um crédito limitado de confiança, por parte do povo, para conduzir os destinos do Brasil.

 Opositora da situação, na crise política envolvendo o gabinete de Vargas e o chamado atentado da Rua Tonelero, em Copacabana, no Rio de Janeiro, quando o proeminente jornalista udenista Carlos Lacerda e o major da Força Aérea Brasileira Rubens Florentino Vaz foram vítimas de disparos de revólver, resultando na morte do segundo, a folha da FCL tomou partido: obviamente, contra o governo, e por sua derrubada. A grave turbulência, em ambiente de franca deposição (ou expectativa de renúncia) de Vargas, levou o presidente ao suicídio em 24 de agosto de 1954: sua carta-testamento foi repetida à exaustão na imprensa e nas rádios, recebendo, ao contrário, pouca atenção nas páginas de A Gazeta. O jornal se preocupava mais com o novo ministério, que aparentemente deixava de fora nomes paulistas de relevância.

Em 1954 e 1955, novamente, A Gazeta se decepcionou com os resultados nas urnas. Havia apoiado os udenistas Juarez Távora, para o pleito nacional, e Prestes Maia, em São Paulo, mas ambos foram derrotados por Juscelino Kubitschek de Oliveira, do PSD, e Jânio Quadros, do Partido Trabalhista Nacional (PTN), respectivamente. No entanto, embora fosse desfavorável às novas situações, sua oposição editorial era democrática e legalista, sem a destilação de furores golpistas. Entre as duas eleições, Pedro Monteleone, outro nome de longa data em sua redação, assumiu o posto de diretor geral da folha, no lugar de Miguel de Arco e Flexa, que então se aposentava.

Da segunda metade dos anos 1950 até o início dos anos 1960, no plano federal A Gazeta fez oposição ao governo de Juscelino, sobretudo na virada entre as décadas. Isso ocorreu principalmente porque nas eleições de 1960 o candidato da situação, o militar Henrique Teixeira Lott, do PSD de JK, disputaria com um Jânio Quadros, do mesmo PTN, mas agora coligado com a UDN. Apoiando enfaticamente o último, o jornal gostava de destacar o que via como êxitos do governo de Quadros em São Paulo. Com a vitória de seu candidato República, A Gazeta finalmente se encontraria na situação. Por outro lado, Milton Campos, da UDN de Minas Gerais, candidato da folha para o cargo de vice-presidente, saiu derrotado pelo então herdeiro político de Vargas, o também gaúcho João Goulart, do PTB.

Extremamente anticomunista e preocupada com as esferas de influências internais de Moscou, A Gazeta publicaria as seguintes palavras às vésperas da posse do novo ministério:
Os consorciados sob a bandeira da foice e do martelo objetivam derrubar o prestígio norte-americano, pretendem desmembrar a coligação do hemisfério, para aqui disseminar as células de provocações das rebeldias e de infiltração por meio da guerra fria, como sucede já na Cuba de Sierra Maestra, na propaganda aberta sob a complacência do Uruguai, e nas repetidas amotinações ou tentativas de revolta em cada República aquém do Rio Grande.

Cumpre ressaltar, no entanto, que os mandatos de Jânio Quadros, como presidente da República, e Jango, seu vice, representaram reviravoltas na política internacional brasileira. E de um jeito que A Gazeta não previa: independentemente das relações do país com os Estados Unidos, o Brasil travou contatos amistosos com a União Soviética e com Cuba, apoiando mesmo a entrada da China na Organização das Nações Unidas. Entre manchetes por vezes um tanto perplexas, nesse sentido, desde fevereiro de 1961, o apoio do vespertino ao governo, entretanto, não necessariamente azedava. Em 21 de agosto, o periódico publicava, em tons menos de lamentação do que de neutralidade: “Condecoramento de Che Guevara foi estopim: crise entre o presidente J. Q. e o governador Carlos Lacerda ainda não foi superada”. Em seguida, A Gazeta chegou a censurar o posicionamento de lacerdistas e demais alas conservadoras da UDN, que passaram a rejeitar a política externa de Jânio.

 Na crise política em torno da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, conforme militares se posicionavam contra a posse do vice, A Gazeta foi pela manutenção da legalidade. No dia 1º de setembro, em editorial, o jornal era veemente: “Hoje, novamente na luta pelo esclarecimento dos que palmilham o roteiro das soluções absurdas, lembramos que, sem Constituição, a República democrática desaparece”. Pouco depois, ainda ao fim daquele ano, Pedro Monteleone se desligou temporariamente da direção do vespertino, que ficou a cargo do irmão de Cásper Líbero, José Líbero. A Gazeta então se via em crise: ao início de 1962, era visível o quanto sua quantidade de páginas vinha minguando.

De início, e apesar de suas filiações ao udenismo e da insatisfação de setores mais conservadores da sociedade brasileira, A Gazeta não se colocava como uma folha de oposição ao mandato de João Goulart. Porém, março de 1964 foi um momento de guinada em sua posição editorial. Seguindo o senso comum de quase todo o restante da imprensa de grande circulação brasileira, o vespertino então se colocou explicitamente contrário a diversas medidas do governo Jango: seu velho alerta disparara sobretudo quando do pronunciamento presidencial em comício no dia 13 de março, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em meio à assinatura de dois decretos, ocasião em que Goulart tocou no tema da reforma agrária. Pouco depois, a 1º de abril, o jornal deu eco aos demais, anunciando o golpe militar de 1964:
Ergue-se o Brasil pela Constituição... A sorte da democracia está lançada. Os brasileiros dignos, os que cultuam as tradições da família, da fraternidade, da pátria una e indivisível, estão de pé lidando contra o ateísmo que representa regime de exceção, a escravidão de um povo. (…) Estamos de novo nas trincheiras da lei. Não é um ato de rebeldia, inspirado em interesses político-partidários... De novo, marchamos pela Constituição.

Quase uma semana depois, no dia 7 de abril, o clima de “caça às bruxas” em face da ameaça comunista, enfim, fez A Gazeta clamar:
Só a cassação de mandatos legislativos, ainda que abrangendo as assembleias estaduais e incluindo as edilidades — não basta. Há comunistas no Supremo Tribunal e outros órgãos do Judiciário, nos comandos militares e altos cargos civis, nas repartições públicas e organismos paraestatais, nas empresas privadas e entidades de classes, nos jornais, tevês e rádios, no cinema, noutros setores, até nas igrejas. O expurgo deve ser geral e apanhá-los todos.

 Em meio a rotineiras justificativas o uso de medidas autoritárias para a contenção de perigos externos, em pleno estado de exceção – ver o editorial “Luta contra o comunismo”, do dia 15 de janeiro de 1965 – A Gazeta não conseguia superar a decadência administrativa e financeira onde havia entrado anos antes. Em 1966, Pedro Monteleone deixou definitivamente o cargo de diretor, que foi ocupado por Américo Bologna. Mas no ano seguinte um acerto comercial entre a Fundação Cásper Líbero e o presidente da Empresa Folha da Manhã S.A., Otávio Frias de Oliveira, fez com que este assumisse a frente do vespertino, junto a Bologna. No dia 10 de janeiro de 1967 o expediente d’A Gazeta passou a trazer a trinca Américo Bologna, Gumercindo Fleury e Lúcio Barbosa, respectivamente o diretor, o redator-chefe e o secretário de redação do periódico. Na prática, não apenas vespertino passou a ser controlada pelos proprietários da Folha de S. Paulo: Otávio Frias de Oliveira se tornara presidente de toda a Fundação Cásper Líbero. A Gazeta mudou mesmo de feição: a partir daquela ocasião, passou a ser impressa pela Folha da Manhã S.A. Sua sexta – e última – fase então iniciava.

 Em 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), a nova Lei de Imprensa e o veto à publicação de temas e opiniões que tocassem no âmbito da “segurança nacional”, a principal marca da A Gazeta, sua crítica política, desapareceu. O vespertino, que já vivera dias melhores, foi perdendo, aos poucos, a razão de existir. Os acontecimentos eram a partir de então apenas relatados, não discutidos. Ainda sob a direção de Américo Bologna, em 1969 Múcio Borges da Fonseca passou a ser seu editor-chefe, com Gumercindo Fleury como redator-chefe.

Foi já no governo de Ernesto Geisel, iniciado em 1976, aos poucos, que o comentário político voltou a figurar em A Gazeta. Mas o estrago de anos de silenciamento já estava feito. Economicamente inviável e pouco atraente ao leitor, em 24 de agosto de 1979 A Gazeta parou de circular como jornal independente, passando a vir a lume, apenas por um tempo, como mero suplemento d’A Gazeta Esportiva. Foi, na verdade, um período de “sobrevida”. Depois de um declínio que veio se arrastando desde 1962, o outrora expressivo vespertino da imprensa paulista enfim silenciava.

 

Explore os documentos:   

Em 1º de janeiro de 1914, cartum de Voltolino na primeira página de A Gazeta mostrava a quem o novo ano estaria subordinado: à crise geral.

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/1

 

No início da década de 1920, Voltolino tinha destaque nas primeiras páginas de A Gazeta com sua tira “A semana a lápis”, comentando em humor visual os principais acontecimentos do momento:

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/13225

 

De partida: buscando novo maquinário impressor para A Gazeta, Cásper Líbero vai para a Europa em 17 de agosto de 1920:

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/13015

 

Movimentação operária: em 3 de dezembro de 1920, A Gazeta comenta “A greve em Santos”: “O movimento tende a terminar muito depressa”.

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/13405

 

“Parnasianismo e decadência”: texto do futuro integralista Plínio Salgado, na primeira página de A Gazeta de 12 de março de 1921, dava o tom do modernismo que afloraria no ano seguinte, na Semana de Arte Moderna:

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/13819

 

Em 5 de setembro de 1929, A Gazeta passa a editar um periódico paralelo – A Gazeta: Edição Infantil –, para o público juvenil: “O Brasil caminha pelos pés das crianças”, dizia, em sua edição de estreia. Em periodicidade irregular e trazendo sobretudo quadrinhos e passatempos, a iniciativa seria mantida até 27 de março de 1940, quando deixou de circular, com o título de A Gazetinha. Naquele mesmo ano, em seguida, outras quatro edições do periódico foram lançadas sem registro de data, intituladas A Gazeta Juvenil. Depois delas, o periódico voltado aos quadrinhos foi relançado em 18 de março de 1948, novamente como A Gazeta Juvenil, tendo durado até meados do ano de 1950:

http://memoria.bn.br/DocReader/764507/1

http://memoria.bn.br/DocReader/764507/11182

http://memoria.bn.br/DocReader/764507/11354

 

No início de outubro de 1930, a cobertura da Revolução de 1930 por parte de A Gazeta atingia tons dramáticos: eram “Minas e Rio Grande do Sul contra o governo federal”:

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33674

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33706

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33714

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33746

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33762

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33770

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33786

 

Nova fase: a partir de 17 de novembro de 1930, a quarta fase de A Gazeta começava, sob a gestão de Pedro Motta Lima, em seguida substituído por Eurico Martins. Seria o fim do perrepismo do jornal?

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/33810

 

“Constituinte já e já!”, pedia A Gazeta, em junho de 1932:

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/39042

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/39052

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/39062

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/39100

 

Em 29 de dezembro de 1933, A Gazeta publica o texto “A esterilização legal”: “Como um grande médico parteiro e acadêmico letrado encara a inovação da Alemanha nazista”:

http://memoria.bn.br/DocReader/763900/43264

 

Fontes:

COHN, Amélia; HIRANO, Sedi. A Gazeta. In: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC-FGV). Verbete. [Base de dados]. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, c2009. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/gazeta-a. Acesso em: 24 jun. 2022.

GAZETA ESPORTIVA. Cronologia. [Website]. Disponível em: https://www.gazetaesportiva.com/especiais/centenario-de-a-gazeta/cronologia/. Acesso em: 27 jun. 2022.

MADIO, Telma Campanha de Carvalho. A fotografia na imprensa diária paulistana nas primeiras décadas do século XX: O Estado de S. Paulo. História, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 61-91, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/his/a/bwCWvnrms7WH9ws6KbGYzGr/?lang=pt. Acesso em: 21 jun. 2022.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.