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Acervo da BN | Diário Carioca: um marco, muito além do “lead”

14 nov 2020

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags Diário Carioca, Getúlio Vargas, Imprensa de Grande Circulacão, Jornalismo Brasileiro, Revolução de 1930, Secult

Há quem diga que melhor jornal que ele, no Brasil, jamais existiu. São palavras fortes, mas que não deixam de fazer certo sentido. A dificuldade de se avaliar reside no fato de que, ao fim e ao cabo, ele não foi muito longevo – mas talvez mesmo isso seja um ponto a favor dele, ao menos se pressupormos que o ideal de imprensa livre, independente e crítica aos poderosos, está no check-list de virtudes democráticas. Ele levou cacetada por isso, aliás e afinal. Em 2011, a nona edição dos Cadernos da Biblioteca Nacional, sob a autoria de Cecília Costa, o homenageou, trazendo não só sua história como depoimentos de medalhões que enriqueceram suas para lá de machuchas páginas: Maurício Azêdo, Ferreira Gullar, Sábato Magaldi, Ana Arruda Callado, José Ramos Tinhorão, Janio de Freitas, Jacinto de Thormes, Alaor Barreto, Kleber d’Orleans Paulistano Santana, Maria Inês Duque Estrada... E qual o título dessa simpática edição dos Cadernos, sempre disponível ali na lojinha da Biblioteca? Não poderia ser outro que não “Diário Carioca – O jornal que mudou a imprensa brasileira”. Afinal, foi esse o jornal que introduziu o conceito de “lead” no jornalismo impresso brasileiro. Com uma pompa dessas, só nos resta contar, hoje, a sua história.

Lançado no Rio de Janeiro (RJ) por José Eduardo de Macedo Soares, no dia 17 de julho de 1928, com a finalidade explícita de fazer oposição à República Velha, então viva no governo de Washington Luís, o Diário Carioca foi um dos mais importantes jornais de seu tempo. Visto como o principal órgão de campanha da Aliança Liberal, que dois anos depois chegaria ao poder pela Revolução de 1930, o periódico acabou sendo imortalizado na história da imprensa brasileira também como o introdutor da técnica jornalística do “lead” no país, em 1951, momento em que já não era mais dirigido por Macedo Soares, mas por Danton Jobim, seu último editor responsável. Todavia, dirigido por Macedo Soares ao fim dos anos 1920, com Leônidas de Rezende na chefia de sua redação, o Diário Carioca teve sua sede inicial na esquina da rua Alcindo Guanabara com a praça Marechal Floriano, no centro carioca. O jornal veio a lume ao preço de 100 réis, com tiragem inicial de 5.000 exemplares vespertinos, que logo se mostrou insuficiente pelo prestígio obtido junto ao público leitor; suas oficinas tipográficas eram inicialmente terceirizadas, mas, com o sucesso, um maquinário próprio foi adquirido e instalado ao nº 77 da praça Tiradentes, onde também sua redação temporariamente se instalou depois; nesse endereço o maquinário impressor, uma rotativa Marinoni que rodaria o jornal até o fim de sua existência, permaneceria ainda por cerca de 20 anos. Apesar de todos os seus destaques, o Diário Carioca não teve a longevidade de outros integrantes da imprensa de grande circulação: foi extinto em 31 de dezembro de 1965, após distintas fases e orientações políticas, vítima de grave crise financeira.

No contexto da fundação do Diário Carioca, o fundador e primeiro diretor do jornal, José Eduardo de Macedo Soares, se articulara com a Aliança Liberal muito por suas ligações com o movimento tenentista contra a República Velha – a edição inaugural da folha, aliás, havia sido planejada para 5 de julho, justo a data que comemorava o sexto aniversário da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. De tradicional família fluminense, Macedo Soares chegou a ser primeiro-tenente na Marinha, desligando-se da carreira militar para atuar primeiro na política e depois na imprensa, quando fundara, no Rio de Janeiro, em 1912, o diário ilustrado O Imparcial.

Uma vez lançado o Diário Carioca, depois de seu fundador se desligar de O Imparcial após o empastelamento deste por parte do chamado Clube dos Jovens Tenentes, Macedo Soares trabalhou com uma equipe inicial que contava com Alberto Burle de Figueiredo na gerência, Leônidas de Rezende na chefia da redação, Osório Borba como secretário, e Antenor Guimarães como chefe das oficinas tipográficas. Distinguiram-se como os primeiros colaboradores do periódico Evaristo de Moraes, Virgílio de Mello Franco, Humberto de Campos, entre outros, incluindo o deputado Adolfo Bergamini, que, já na primeira edição do Diário Carioca, inflamava ainda mais uma polêmica em que estava envolvido no Congresso, ao acusar certos generais de enriquecimento ilícito. Nada disso, entretanto, indispôs o jornal e Macedo Soares com o tenentismo e a Aliança Liberal.

Segundo Nelson Werneck Sodré, em sua “História da imprensa no Brasil” (p. 371), o surgimento da Aliança Liberal, em oposição à chamada “política do café-com-leite” – o acordo tácito entre oligarquias de São Paulo e Minas Gerais para que fossem escolhidos apenas representantes seus para o governo federal, que durou ao longo da República Velha –, contou com a adesão não só do Diário Carioca, visto como órgão “oficial” dos liberais, mas com quase todo o restante da imprensa brasileira de grande e pequena circulações. Foi o caso dos periódicos cariocas e paulistas O Jornal, O Cruzeiro, Correio da Manhã, Diário da Noite, O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias, A Manhã, Jornal do Commercio, O Combate, A Esquerda, A Batalha, O Globo, Diário Nacional, Diário de São Paulo, Praça de Santos. A época, aliás, era propícia à defesa do liberalismo, já que imprensa nacional passava por processo geral de desenvolvimento, consolidando-se em estruturas profissionais. Na balança política de então, ao menos na imprensa, as forças oposicionistas, ansiosas por mudanças, eram maiores que as do governo.

O clima de tensão aumentava com a chegada das eleições. Com a vitória do candidato de situação no pleito de 1º de março de 1930, o paulista Júlio Prestes, o braço armado da Aliança Liberal no mobilizou, surpreendendo o governo de Washington Luís na tarde de 3 de outubro daquele ano. Antes disso, em meio à revolução, entre 4 e 5 de julho de 1930, ocasião em que o Diário Carioca comemorava o aniversário dos 18 do Forte, policiais chegaram a prender José Eduardo de Macedo Soares e o redator Eduardo Pacheco de Andrade. Pelo período foram efetuadas prisões por todos os lados, sobretudo de políticos e jornalistas dos órgãos de imprensa vistos como mais radicais: Diário Carioca, O Jornal, Diário da Noite, A Batalha e A Esquerda. Getúlio Dorneles Vargas, que encabeçava o grupo que visava tomar o poder, esclarecia os propósitos do momento à imprensa internacional, sobretudo para acalmar temores anticomunistas infundados. A 24 de outubro, todavia, no Rio de Janeiro, Washington Luís estava deposto. A junta militar que assumira entregara o poder a Vargas já a 3 de novembro, para início do Governo Provisório. Enfim, o jornal de Macedo Soares encontrava-se na situação.

Carlos Eduardo Leal, em um verbete a despeito do Diário Carioca disponível na base de informações do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV) na internet, dá alguns detalhes a respeito da atuação do jornal de Macedo Soares no processo que pôs fim à República Velha, bem como do início das desilusões do periódico com o Governo Provisório:

O Diário Carioca apoiou a Revolução de 1930, encarando-a como a solução para os problemas do país. Dias antes de sua eclosão, um encontro de líderes da Aliança Liberal foi realizado na própria redação do jornal. Dele participaram, entre outros, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, João Pessoa, os Lima Cavalcanti, Café Filho, Getúlio Vargas e Juarez Távora. Em 24 de outubro, a primeira página do jornal estampava: “A Redenção Brasileira — vitoriosa em todo o país a Cruzada Santa da Liberdade Nacional.” Acrescentava ainda que a nação reagira aos “40 anos de opróbrios e vilipêndios culminados neste governo”. “A nação respira.” Por fim, o jornal destacava a ação dos generais Mena Barreto, Leite de Castro e João Gomes Ribeiro, no Rio de Janeiro. Já em novembro de 1930, porém, José Eduardo de Macedo Soares conclamava o Governo Provisório a seguir seu programa e a cumprir suas promessas: “O governo deve agir de acordo com o preestabelecido, a nação o espera impacientemente.” Dias depois, o editorial “Governo em férias” advertia que “o sr. presidente da República não deve confundir atos do governo (onde é parcimonioso) com benefícios da Revolução (onde abusa indevidamente). As férias do governo se prolongam, impedindo o começo de um esforço útil e de um trabalho proveitoso tendente ao menos a cumprir a lei orgânica do governo federal”.


Apesar da chegada da Aliança Liberal ao poder, a fase de apoio ao Governo Provisório não durou muito no Diário Carioca – nem nos demais jornais que apoiaram a deposição de Washington Luís. Uma série de atitudes da articulação vitoriosa desagradara a imprensa que até então veio aplaudindo os revolucionários, surgindo, segundo Werneck Sodré, “uma nova imprensa oposicionista das divergências entre as correntes vitoriosas no movimento de outubro”. Já no início de dezembro de 1930 o Diário Carioca acusava a nova situação de incompetência e mesquinharia, para, cerca de um ano depois, ter uma edição inteira impedida de circular, por conta de um editorial particularmente ofensivo aos revolucionários, intitulado “Balaio de caranguejos” – ainda assim, o texto circulou pela cidade através de milhares de panfletos impressos na gráfica do jornal. Ainda nas palavras do historiador,

O Diário Carioca, no Rio, que ganhara autoridade com aquele movimento, romperia com o governo pouco depois desse instalado. Em fevereiro de 1932, um grupo de oficiais do Exército depredou sua redação, à praça Tiradentes. A repulsa da imprensa foi significativa: todos os jornais paralisaram suas atividades por 24 horas. A propriedade do jornal passou a Horácio de Carvalho, industrial que se fazia jornalista; a redação se transferiu para a praça 11 de Junho. A situação política agravava-se progressivamente, surgindo duas correntes: a que pregava a urgente reconstitucionalização do país, pela convocação de eleições para uma Constituinte, e a que pretendia prolongar o regime de Governo Provisório. A maioria da imprensa defendia a primeira solução (...). (p. 377)


Iniciava-se oficialmente a fase em que o Diário Carioca compunha a oposição a Vargas e ao governo pós-1930. O episódio do empastelamento do jornal, citado por Werneck Sodré sem maiores detalhes, causou verdadeira comoção não só no meio impresso – ao passo que Horácio de Carvalho Júnior não fora colocado a cargo do jornal logo após o ataque, a mando expresso do governo, como pode parecer, pelas palavras do historiador. Carvalho Júnior – amigo de longa data de Macedo Soares – já figurava formalmente no expediente do Diário Carioca como seu diretor-presidente desde janeiro de 1932, quando passara a ser dono das ações de controle do jornal, cerca de um mês antes da depredação, ficando Macedo Soares, ainda, na ocasião, responsável pela orientação política da folha. O empastelamento, em verdade, esteve dentro de uma onda de ataques do governo contra certos “tenentes” insubordinados em posições estratégicas, de poder. Macedo Soares, ao que consta, não só comandava um periódico que se tornava inconveniente, como participara, em 16 de fevereiro de 1932, da fundação do Clube 24 de Fevereiro, voltado aos esforços pela reconstitucionalização do país, posicionamento oposto ao do Clube 3 de Outubro, associação tenentista fiel ao Governo Provisório (e acusada de inexperiência e incompetência política por Macedo Soares). Nesse ponto, o verbete assinado por Carlos Eduardo Leal esclarece:

O clube recém-fundado pretendia realizar uma manifestação nas escadarias do Teatro Municipal no dia 24 de fevereiro, data em que foi aprovada a Lei Eleitoral, primeiro passo para a convocação de uma assembléia nacional constituinte. Nesse mesmo dia 24 de fevereiro, Macedo Soares afirmou que o Clube 3 de Outubro tinha por finalidade “sustentar pela violência um regime de poderes discricionários que Getúlio Vargas planejava prolongar no país”. Não podendo contar com os civis liberais nem com os democratas, Getúlio teria passado a utilizar-se de um sistema militarista aproveitando-se da legenda de heroísmo e abnegação dos antigos revolucionários e do interesse e da ambição dos novos. No dia seguinte, ou seja, a 25 de fevereiro, o Diário Carioca foi empastelado pelo filho de Pedro Ernesto Batista (então interventor no Distrito Federal), que chegou ao jornal acompanhado de três caminhões de soldados. Foram grandes os prejuízos materiais, e, além disso, dois empregados do jornal sofreram ferimentos. O Diário Carioca foi assim forçado a suspender sua circulação por algum tempo.


Nas palavras de Cecília Costa, autora da edição dos Cadernos da Biblioteca Nacional citada já no início deste texto, intitulada “Diário Carioca: o jornal que mudou a imprensa brasileira”, “Talvez a gota d’água tenha sido o editorial ‘Torre de Babel’, mais um ataque de Macedo à agremiação. Ou o editorial de Adolfo Bergamini dirigido a Vargas, ‘Ainda é tempo. O ditador micão’” (p. 107). De qualquer maneira, Costa expõe que

As palavras satíricas do DC foram respondidas com murros, cacetadas e balas. Dia 25 de fevereiro, 160 homens entraram à noite no Diário Carioca e quebraram tudo, máquinas e móveis. Levavam consigo metralhadoras, além de paus e ferros, e feriram os funcionários que se encontravam de plantão na redação. Com os destroços do mobiliário, os atacantes fizeram uma fogueira em frente ao prédio do jornal. Foram chefiados pelo filho de Pedro Ernesto, interventor no Rio de Janeiro. (p. 108)


Se não é possível dizer ao exato que o ocorrido com o Diário Carioca foi o empastelamento que mais gerou reações na história da imprensa brasileira, pode-se afirmar, com certeza, que a crise desencadeada o ataque à folha de Macedo Soares foi grande. Carlos Eduardo Leal cita Edgar Carone a respeito, que crê que o atentado fora uma “resposta imediata à decretação do Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932, que não era senão uma concessão de Getúlio aos defensores da reconstitucionalização rápida, contrária por sua vez aos interesses tenentistas”, significando, afinal, o empastelamento como “uma etapa da luta entre as oligarquias e o tenentismo em torno do problema da constitucionalização”.

De qualquer maneira, ao calor dos acontecimentos, à época, de início houve protestos mesmo por parte do ministro da Justiça, Maurício Cardoso, responsável por uma medida que conteve temporariamente a censura à imprensa, e do chefe de polícia do Distrito Federal, Batista Luzardo. Foi iniciado um “cabo-de-guerra” dentro do Governo Provisório, envolvendo outras autoridades. Vargas mostrava-se evasivo quanto ao inquérito aberto para investigar o ataque, medida, por sua vez, defendida por Cardoso. Por outro lado, José Fernandes Leite de Castro, ministro da Guerra, contando com o apoio dos líderes tenentistas, acenava ao retorno da censura, vista como medida preventiva a casos como o do Diário Carioca. Políticos gaúchos do Governo Provisório, João Neves da Fontoura, Maurício Cardoso, Batista Luzardo e Lindolfo Collor, mostravam-se desfavoráveis ao retorno da censura, num impasse que terminou com sua renúncia coletiva – e forçada – em 3 de março de 1932, promovida pelo interventor da revolução no Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, a mando do governo central. Ao interventor seria oferecido o Ministério da Justiça até então sob o comando de Cardoso, mas Flores da Cunha o recusou. Em meio à crise, um heptálogo de autoria de Assis Brasil, enviado a Vargas, buscava mediar o cabo tensor: nele, para que se punissem os autores do empastelamento do Diário Carioca, pregava-se o retorno à Constituição de 1891, no que se estabelecia quanto aos direitos dos cidadãos. Borges de Medeiros e Raul Pilla encaminharam ao mandatário, em seguida, um decálogo, pedindo não só liberdade de imprensa e a realização de eleições para a uma Assembléia Nacional Constituinte até 31 de dezembro daquele ano, como a abertura de um inquérito que apurasse os fatos em torno da depredação do jornal e também o desligamento de Pedro Ernesto da prefeitura do Distrito Federal. Vargas evadiu-se de ambos os textos. Mais tarde, soube-se que havia ordem de assassinato de Macedo Soares no atentado, tendo o diretor do Diário Carioca escapado por estar em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na ocasião.

O Diário Carioca de Macedo Soares, ainda com Horácio de Carvalho Júnior na direção, afinal, voltou a circular em 5 de abril de 1932, em sua 1.126ª edição, com a mesma linha oposicionista de então – na ocasião do retorno, o diretor da folha não deixou de responsabilizar o governo pelo atentado em diversos textos, seja como mandante ou por omissão, denunciando a atuação de militares para a proteção dos interesses de certa classe tenentista, em detrimento de uma democracia livre, verdadeira. Nessa fase pós-empastelamento a oposição ao Governo Provisório seguiu, com ataques, já em meados de 1932, à censura à imprensa e ao tenentismo, muitas vezes em palavras fortes. Nessa linha, não era de se impressionar que o Diário Carioca tenha apoiado integralmente a Revolução Constitucionalista de São Paulo, eclodida em julho de 1932.

A essa altura, quando de fato foram marcadas eleições para uma Assembleia Constituinte, em 1933, Macedo Soares, pela plataforma defendida em seu jornal, tinha condições de dar um passo além na política: candidatou-se e acabou sendo eleito deputado constituinte pelo estado do Rio de Janeiro. Ao longo de 1933 e 1934 o Diário Carioca manteve uma fórmula particular de oposicionismo indireto, segundo Leal:

Ao longo de todo esse período, as críticas do jornal ao governo visaram muitas vezes alvos específicos, como a administração de Juarez Távora no Ministério da Agricultura, as atuações políticas de Pedro Ernesto e Antunes Maciel e a gestão financeira dos interventores — apenas os interventores no Rio Grande do Sul, na Bahia e em Minas Gerais foram poupados. Um dos colaboradores do diário, José de Avelar Fernandes, contestou os projetos do general Góis Monteiro relativos a uma possível reestruturação do Exército. Por outro lado, o Diário Carioca jamais desferiu ataques pessoais a Getúlio. No início de 1934, o Diário Carioca promoveu campanhas contra a Light, a Companhia do Gás, a indústria pesqueira e a imigração de elementos indesejáveis, entre os quais sírios e japoneses. O jornal defendeu, no entanto, o funcionalismo público em suas reivindicações, bem como a liberdade de imprensa.


Em meados de 1934, entretanto, o Diário Carioca pôde enfim comemorar: a nova Constituição, principal meta de sua linha político-editorial, vinha a lume. Iniciava-se uma nova fase na folha de Macedo Soares, mais próxima da situação – que duraria mais ou menos até meados da década de 1940.

Com o país amparado pela Constituição, o Diário Carioca paulatinamente foi deixando de lado pautas ligadas à política partidária e assuntos de interesse local, voltando-se a questões nacionais de vulto, numa perspectiva em geral favorável ao governo – a ponto de defender a promulgação da Lei de Segurança Nacional, em 1935, desde que essa não permita “excessos criminosos”. Em parte, tal postura se justificava pela crescente e explícita rejeição do jornal ao fascismo e ao comunismo, vistos como ameaças à democracia. As mudanças na legislação trabalhista do período, por outro lado, foram comemoradas pelo jornal. Nessa fase, de toda maneira, “Assuntos importantes como a crise do Partido Republicano Paulista ou a questão eleitoral fluminense foram tratadas em notas pequenas e descontínuas”, segundo Carlos Eduardo Leal.

Como era de se esperar, o Diário Carioca se opôs radicalmente à Intentona Comunista que eclodiu no mesmo ano em que Macedo Soares foi eleito senador, 1935. No entanto, apesar de a imposição da nova Constituição de 1937, fundadora de um novo regime menos democrático, o Estado Novo, se justificar pelo combate a revoltas como a de dois anos atrás, o jornal de Macedo Soares e Horácio de Carvalho Júnior viu com reservas a nova situação. Ainda assim, sua fase governista não fora abalada: pouco depois, a folha procurava ressaltar que os poderes excepcionais dados pelo Estado a si próprio se justificavam pela sua própria defesa. Um episódio em particular contribuíra para isso: da mesma forma que em 1935, em maio de 1938 o Diário Carioca se opôs ao Levante Integralista, algo que firmava seu posicionamento de apoio incondicional às medidas e realizações do governo federal – a administração do interventor no Rio de Janeiro, Ernâni Amaral Peixoto, que contava com o capitão Filinto Müller na defesa da ordem pública, era também elogiada. O Estado Novo, afinal, era visto não só como a manutenção de uma democracia forte, mas como a concretização dos ideais tenentistas, dos quais o jornal, sob a batuta de Macedo Soares, nunca se desligara.

A Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939, fez com que, gradualmente, a posição política do Diário Carioca se transformasse. Em 1941, antes de o Brasil aderir ao bloco Aliado, o navio brasileiro Siqueira Campos, que transportava material bélico da Alemanha nazista para o Brasil, fora apreendido por forças britânicas, dado o bloqueio continental na navegação. Na ocasião, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Góis Monteiro, empreendeu violenta campanha contra a Inglaterra e os interesses ingleses na imprensa – incluindo o Diário Carioca. No entanto, com o andamento do conflito, envolvendo diversas potências, a questão era delicada. O ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha interveio: solicitou ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), dirigido por Lourival Fontes, que pedisse a diminuição da ênfase no assunto à imprensa em geral. Em meio à polêmica, o Diário Carioca, nas palavras de Leal,

(...) proclamou a necessidade de as forças civis se agruparem em torno do presidente, o que foi interpretado como uma advertência aos militares para que não interviessem em assuntos civis. Góis Monteiro resolveu, malgrado o apoio que lhe fora dado pelo jornal inúmeras vezes, suspendê-lo temporariamente. Getúlio encampou a idéia, alegando que o editorial poderia ser interpretado de modo a criar uma dissensão entre o presidente e as forças armadas.


Soldados chegaram a ser mobilizados para ocupar o Diário Carioca, mas, com o contingente já às portas da redação, Góis Monteiro, acabou pedindo a expedição de uma contraordem ao ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra. O assunto esfriou e o jornal voltou-se ao noticiário dos desdobramentos da guerra, apoiando a entrada do Brasil no conflito: ao início de 1942 navios mercantes brasileiros foram torpedeados por submarinos alemães, ocasionando onda de indignação generalizada, tanto na imprensa quanto nas ruas. Em 22 de agosto daquele ano, o Brasil primeiro rompeu as relações diplomáticas com as potências do Eixo, para, já no dia 31, declarar guerra contra a Alemanha e a Itália, pelo Decreto nº 10.358. A posição do jornal, de apoio ao Estado Novo, seria revertida cerca de três anos depois, já ao fim do conflito, com a decretação da emenda constitucional de 28 de fevereiro de 1945, denunciada pelo Diário Carioca como uma forma de manter a Constituição de 1937, ou seja: significava uma “reforma em moldes fascistas”, em contradição com a própria participação brasileira na guerra.

Após a queda do Estado Novo, em 1945, o mesmo seria lembrado negativamente nas páginas do Diário Carioca. O jornal defendia com alarde o retorno à democracia, encampando a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN), nas eleições presidenciais marcadas para 2 de dezembro daquele ano. No processo a folha difamava Yedo Fiúza, candidato pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) – especialmente numa série de artigos assinada por Carlos Lacerda, que trazia o slogan “O Rato Fiúza” –, mas sem deixar de lembrar negativamente da figura de Getúlio Vargas — que acabou sendo eleito senador no mesmo pleito de 2 de dezembro de 1945. Uma vez eleito o candidato apoiado justamente por Vargas, o general e ex- ministro Eurico Gaspar Dutra, o Diário Carioca fez-se novamente uma folha de oposição. Mas, logo em seguida, no decorrer do mandato do militar, passou à situação.

Em 1948, a redação do jornal enfim se mudou do prédio na praça Tiradentes para uma sede mais moderna, um edifício localizado, ironicamente, na avenida Presidente Vargas. Conforme esclarece Carlos Eduardo Leal, em meados daquele ano

(...) o jornal estava ainda sob a direção de Horácio de Carvalho Júnior, e em sua primeira página Macedo Soares e Danton Jobim alternavam colunas. Nessa época, o editorial “Nossa opinião” afirmava ser o Diário Carioca um órgão de combate que antecipara a Revolução de 1930. Havia sobretudo o interesse em deixar claro que o jornal, acima de suas preferências, era movido pela “necessidade de bem servir ao país”, e que não raro assumira “atitudes perigosas e dramáticas”. A imprensa, para o Diário Carioca, teria a missão de ser a um só tempo porta-voz e orientadora da opinião popular.


Para as eleições de 1950, momento que determinaria a sucessão de Dutra, o Diário Carioca não repetiu seu apoio udenista para a presidência da República: optou pela candidatura do mineiro Cristiano Machado, do Partido Social Democrático (PSD). Eduardo Gomes, novamente no pleito pela UDN, outrora apoiado, era ainda visto com bons olhos pelo jornal, que na ocasião, aparentemente, só não o endossava pelas ligações do candidato com o ex-integralista Plínio Salgado. De qualquer maneira, sem grandes surpresas, a folha de Macedo Soares deixava claro o verdadeiro perigo nas eleições de 1950 era a candidatura de Getúlio Vargas, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), justamente quem sairia vitorioso. Sobraram críticas até mesmo a Café Filho, do Partido Social Progressista (PSP), coligado com a candidatura Vargas em candidatura a vice-presidente, muito pelo fato de Café Filho “se prestar a integrar a chapa de Getúlio mesmo depois de ter-se definido como socialista e de ter participado da campanha ‘Lembrai-vos de 37’”, segundo Leal.

O retorno de Getúlio Vargas ao poder, desta vez por via democrática, colocou o Diário Carioca novamente na oposição ao governo. Data dessa fase seus intensos embates com a Última Hora, diário popular de Samuel Wainer fundado em 1951 para respaldar o novo mandato varguista. Curiosamente, o surgimento deste jornal se deu após o Diário Carioca, em dificuldades econômicas, ter-lhe vendido sua sede na Avenida Presidente Vargas e sua empresa gráfica, a Érica. Com as vendas, ocorridas também em 1951, passou a ocupar uma nova sede, na esquina entre a Avenida Rio Branco, nº 25, e Rua São Bento, nº 19. À época, Danton Jobim estava formalmente na direção do Diário Carioca, e Pompeu de Sousa na chefia de sua redação.

Em meio às turbulências no mundo político, ao início da década de 1950 o jornalismo brasileiro, como um todo, modernizava-se, dando passos que iam muito além da fase de profissionalização da imprensa, experimentada pelos principais jornais diários do país já ao início dos anos 1930. Nessa nova fase cabe, novamente, recorrer às palavras de Nelson Werneck Sodré, no que concerne ao pioneirismo do Diário Carioca naquele momento, mesmo enquanto a folha sentia os efeitos de uma crise financeiras que o fechariam cerca de quinze anos depois:

O desenvolvimento da imprensa no Brasil foi condicionado, como não podia deixar de ser, ao desenvolvimento do país. Há, entretanto, algo de universal, que pode aparecer mesmo em áreas diferentes daquelas em que surge por força de condições originais: técnicas de imprensa por exemplo, no que diz respeito à forma de divulgar, ligadas à apresentação da notícia. Nesse sentido, o jornal avançou muito, entre nós, particularmente desde o início da segunda metade do século XX. O jornalismo norte-americano criou, por exemplo, o lead, cujos princípios se fundaram na regra dos cinco W e um H; qualquer foca americano sabe que toda notícia deve conter, obrigatoriamente, os seguintes elementos: who, quem; what, que; when, quando; where, onde; why, por que; e how, como. (...) Essa técnica jornalística está hoje plenamente incorporada à imprensa brasileira. É possível apontar, com esforço pioneiro de reforma na técnica de apresentação de notícias, entre nós, o que foi realizado no Diário Carioca, em 1951, quando da fase iniciada na nova sede, à Avenida Rio Branco 25 e rua São bento 19, vendida a velha sede da avenida Presidente Vargas à Última Hora, quando o jornal tinha Danton Jobim na direção e Pompeu de Sousa na chefia da redação; a reforma foi devida a Luís Paulistano, chefe de reportagem, e o jornal chegou a vender 45.000 exemplares nos dias úteis e 70.000 aos domingos. Ao lead norte-americano, Luís Paulistano acrescentou o brasileiríssimo sub-lead. Em 1956, o Jornal do Brasil iniciou reforma também ampla, ajudada pela sólida estrutura empresarial desse diário, condição de que o Diário Carioca não dispunha. (p. 394/395)


Além da introdução do uso do lead e do sublead, o jornal, naquele período, muito por obra de Pompeu de Souza, também inovou ao empregar o chamado copydesk, além de produzir o primeiro manual de redação da imprensa brasileira, destinado a seus redatores. Independentemente de pioneirismos, algo alheio aos avanços técnicos ajudou no aumento de vendagem do Diário Carioca: denúncias de corrupção contra o governo. Como não poderia deixar de ser, com a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as acusações de corrupção feitas contra Wainer no caso da aquisição dos bens que lhe permitiram lançar a Última Hora, não foram poupados ataques ao desafeto do Diário Carioca. Por um momento, ao início da década de 1950, os esforços para a folha atingir circulação nacional pareciam enfim se concretizar: no período, o jornal chegou a sair com cinco cadernos e cerca de 70 páginas, ao menos em edições dominicais, contando ainda com um suplemento de entretenimento ricamente ilustrado, a Revista do DC.

Ao que consta, foi apurado que logo após ganhar as eleições de 1950 Vargas perguntou a Wainer se lhe interessaria possuir um jornal. À resposta afirmativa, o jornalista obteve um empréstimo junto ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, que possibilitou a compra do prédio e do campo gráfico do Diário Carioca. O acordo foi fechado com Horácio de Carvalho Júnior, ainda proprietário formal do jornal e da impressora Érica, que o rodava: por 30 milhões de cruzeiros, Wainer ficaria com todas as ações da empresa gráfica, que até então estavam em posse de Aluísio Sales, além de assumir as dívidas do Diário Carioca e da gráfica no Banco do Brasil e na Caixa Econômica – que, garantidas pelo imóvel e pelas oficinas, estavam a 22 milhões de cruzeiros. Na ocasião, apesar de contar com a influência de Getúlio Vargas, Wainer não obteve subsídios diretamente do governo. Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha e secretária do presidente, deixava claro ao jornalista que tanto ela quanto seu pai apoiariam seu projeto desde que recursos oficiais não fossem empregados. Restavam, portanto, financiadores privados. Primeiro, o banqueiro Válter Moreira Salles, cujo banco era o principal credor da Érica, emprestou 10 milhões de cruzeiros a Wainer, tendo as ações que este adquiriria de Aluísio Sales como garantia. Em seguida, Ricardo Jaffet e Euvaldo Lodi emprestaram ao jornalista, cada um, a mesma quantia que Moreira Salles. Ambos eram figuras diretamente ligadas a Vargas: o primeiro era então o presidente tanto do Banco do Brasil quanto de um dos grupos econômicos mais poderosos de São Paulo; o segundo, industrial mineiro que presidia a Confederação Nacional da Indústria. Com esses 30 milhões em mãos e já detendo as instalações da Érica, nas palavras de Carlos Eduardo Leal, Wainer solicitou um empréstimo de 26 milhões de cruzeiros ao Banco do Brasil, para complementação do equipamento gráfico e para obras na sede. Esse empréstimo, que teria sido aprovado por Vargas, mais a absorção pelo Banco do Brasil da dívida com a Caixa Econômica, estaria garantido com a hipoteca do imóvel e o penhor dos equipamentos gráficos. A compra totalizava um gasto de 64 milhões de cruzeiros, sendo que os 22 da dívida do Diário Carioca teriam prazo de até 15 anos para pagamento junto aos bancos. Wainer conseguira ainda um empréstimo adicional de três milhões de cruzeiros junto ao Banco Hipotecário de Crédito Real, a serem pagos futuramente através de publicidade, por influência direta do então recém-empossado governador mineiro: Juscelino Kubitschek de Oliveira.

A transação entre Wainer e Horácio de Carvalho Júnior, todavia, não extinguira o Diário Carioca: por contrato, ao desocupar o prédio da Érica, o jornal ainda seria impresso por Samuel Wainer por mais dois anos. Governador do Rio de Janeiro à época do lançamento de Última Hora, Ernâni Amaral Peixoto, genro de Vargas, não se opôs nem favoreceu a negociação entre Wainer e o Diário Carioca, apesar de a compra da gráfica Érica ter sido a salvação do último, um jornal de oposição a seu governo. Não só um jornal de oposição, aliás, mas um então bom jornal: moderno, ágil, elitizado e influente. Nas palavras de Cecília Costa, naquele momento,

O lide e o sublide estavam lá no DC. As oito colunas. A pirâmide invertida. Os títulos criativos, debochados, em três linhas, puro DC. Os títulos com dois pontos. Ou sem verbo. Os títulos-legenda. As siglas JK, J-J e Jan-Jan, criações de Pompeu de Souza. As primeiras páginas azuis. O manual de redação, outra criação ou legado de Pompeu à imprensa brasileira. As misses. O colunismo, o jornalismo literário, o suplemento infantil, o suplemento feminino, o apoio ao sindicalismo nascente no país, ao funcionalismo em sua angustiosa campanha por melhores salários, a busca de interações com o leitor, os prêmios, os concursos, a carioquice brincalhona, uma incipiente “cobertura de cidade”. As fotos recortadas, os filminhos, as fotos de página inteira, tudo DC. Em cores. Em dado momento, até fileiras de quadrinhos em cores. (p. 19)


Com o escândalo da CPI, o Diário Carioca passou a apoiar uma proposta de impeachment de Getúlio levantada por um grupo de parlamentares da UDN conhecido como “Banda de Música”, que incluía nomes como Carlos Lacerda, Afonso Arinos de Mello Franco, Adauto Lúcio Cardoso, Olavo Bilac Pinto, José Bonifácio Lafayette de Andrada, Aliomar Baleeiro e Prado Kelly. Nesse sentido, o jornal endossou ainda o chamado Manifesto dos Coronéis, documento também chamado de Memorial dos Coronéis, assinado por 42 coronéis e 39 tenentes-coronéis e dirigido em fevereiro de 1954 à alta hierarquia militar, apresentado como um simples pedido de aumento dos vencimentos dos militares, mas contendo, na verdade, uma crítica contundente ao governo sobretudo na rejeição à atuação de João Goulart como ministro do Trabalho. Muito graças à imprensa, o manifesto teve grande repercussão, contribuindo decisivamente para a demissão não só de Goulart, mas também do então ministro da Guerra, o general Ciro do Espírito Santo Cardoso.

A crise política que culminou no suicídio de Getúlio Vargas em 1954 levou o Diário Carioca a outro nível de atuação na política institucional, segundo Carlos Eduardo Leal. Segundo o verbete de sua autoria,

Com o suicídio de Vargas, a ascensão de Café Filho à presidência da República e o subsequente desvio dos projetos da política varguista, o Diário Carioca aproximou-se do poder, o que, de acordo com alguns depoimentos, refletia a expectativa do jornal de que alguns de seus membros recebessem cargos na administração pública. Não conseguindo atingir seu intento, o jornal iniciou um processo de integração ao PSD.


Segundo Leal, isso explicaria a posição favorável do jornal à deposição de Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, que assumiu a presidência da República por apenas quatro dias, de 8 a 11 de novembro de 1955, dado o afastamento de Café Filho por motivos de saúde. Naquele ano, Juscelino Kubitschek de Oliveira, do PSD, e João Goulart, do PTB, haviam sido eleitos presidente e vice-presidente da República, mas sua posse não era garantida: setores da UDN e das Forças Armadas, descontentes com o resultado das eleições e temerosas pelo retorno de políticas varguistas, se articulavam para um golpe. A deposição de Luz se deu em meio à decretação do estado de sítio, e ao Movimento de 11 de Novembro, liderado pelo marechal Henrique Teixeira Lott – o conhecido “contragolpe preventivo” do marechal Lott, que assegurou a posse de JK, defendida pelo Diário Carioca, apesar das ligações do jornal com a UDN.

O mandato de Kubitschek iniciara com o Diário Carioca, comandado por Danton Jobim, seu redator-chefe, ao lado da situação. No entanto, paulatinamente a folha veio a se decepcionar com as ações do governo, segundo Carlos Eduardo Leal, não no sentido da má-administração, mas no do não-favorecimento: “segundo depoimentos de alguns redatores, as expectativas de obtenção de vantagens materiais não se concretizavam” naquele período. Embora Juscelino não tivesse dado ao jornal, ainda em crise financeira, o apoio almejado por seus administradores, Danton Jobim obteve a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enfim, ao término do mandato de JK, o Diário Carioca decidiu apoiar a candidatura de Henrique Teixeira Lott, do PSD, ou seja, da continuidade, nas eleições de 1960.

Com o jornal ainda em crise, em 1961, Horácio de Carvalho Júnior, seu proprietário desde o início da Era Vargas, o vendeu a Arnon de Melo. No entanto, um ano depois, Melo o vendeu a Danton Jobim, antigo integrante da redação do Diário Carioca, tendo chegado a ser tanto seu redator-chefe quanto seu diretor. Findo o curto mandato de Jânio Quadros, com a renúncia do mesmo em 25 de agosto de 1961, o Diário Carioca veio a apoiar o governo de João Goulart – embora a atitude possa parecer contraditória, por suas posições no passado, o jornal assim o fez em consequência de seu apoio a Teixeira Lott. No entanto, “Segundo depoimentos”, diz Carlos Eduardo Leal, “Goulart teria chegado a prestar auxílios materiais ao jornal”. Ocorre que nessa época a tiragem do diário de Danton Jobim começou a diminuir, tornando sua crise financeira mais aguda, com a crescente redução de sua circulação. O jornal então perdia leitores na mesma proporção em que perdia influência política. Em paralelo, na virada de março para abril de 1964 Jango é destituído da presidência da República, vítima de um golpe militar visto com desconfiança por parte do Diário Carioca. Começavam, na época, a surgir boatos de que o jornal, em baixa, teria sido negociado com o grupo de mídia norte-americano Time-Life.

O jornal foi sendo mantido com dificuldade até o 31 de dezembro de 1965, quando imprimiu seu último número, com tiragem reduzida. Às dificuldades vividas pelo Diário Carioca em seus últimos momentos soma-se uma nota de rodapé de Nelson Werneck Sodré, em “História da imprensa no Brasil”, onde o historiador cita uma declaração do último diretor do periódico, a respeito do mesmo:

Délio Matos, diretor responsável do Diário Carioca, que desapareceu em 31 de dezembro de 1965, publicando edição retrospectiva, ao mesmo tempo que negava ter sido o jornal vendido ao grupo Time-Life, explicava que o jornal fora fundado e funcionava sempre dentro de uma concepção romântica de jornalismo, e não poderia sobreviver, em termos de empresa industrialmente organizada. (p.448)


Por outro lado, Carlos Eduardo Leal dá outras explicações para o fim do antigo jornal de Macedo Soares, Horácio Carvalho Júnior e Danton Jobim. Estas, estariam não só no campo da linha ideológica adotada pelo jornal em face da situação vivida na política nacional a cada momento, mas também pela complexidade organizacional da empresa jornalística que mantinha a folha. Embora plural, o Diário Carioca era encarado pelo leitor, afinal, como contraditório:

Se, por um lado, o fechamento do Diário Carioca pode ser explicado a partir de sua ruptura com o que seria uma tradição liberal udenista e de sua conseqüente adesão a uma política trabalhista, onde se detecta até mesmo apoio ao governo João Goulart, por outro lado é possível encontrar-se na própria estrutura do jornal a principal razão de seu declínio. O Diário Carioca se dividia em duas seções: havia um lado eminentemente jornalístico, formado por uma equipe dirigida por Luís Paulistano e composta de jornalistas como Carlos Castelo Branco, Jânio de Freitas, José Ramos Tinhorão, Evandro Carlos de Andrade, Armando Nogueira e Gílson Campos, e, inteiramente dissociado, havia o grupo que detinha o controle acionário da empresa, encabeçado por Horácio de Carvalho Júnior, proprietário do jornal, e José Eduardo de Macedo Soares, que durante todo o tempo funcionou como uma espécie de eminência parda. Dessa forma, ao mesmo tempo em que era viável o desenvolvimento de uma campanha favorável ao aumento do salário mínimo, e que Luís Paulistano assinava a coluna “O dia do barnabé” tratando dos interesses e problemas do funcionalismo público, era também possível a defesa pura e simples dos interesses imediatos da empresa. Tudo o que interessava à elite econômica do país em geral era encampado pelo jornal de Macedo Soares, decorrendo daí sua posição fluida e imprecisa. Por ocasião das eleições de 1955, por exemplo, o Diário Carioca apoiava Juscelino Kubitschek, mantendo, entretanto, uma página dedicada exclusivamente a Juarez Távora. As contradições que se verificavam no interior do jornal entre as preocupações eminentemente jornalísticas da equipe e os interesses mais imediatos da direção acabaram por se resolver com a dissolução gradual da primeira. O apoio ao governo de Juscelino Kubitschek, somado à saída do corpo da redação, explicaria assim o início do declínio do Diário Carioca.


Foi com o afastamento do renomado corpo redatorial do periódico que Délio Aloísio de Mattos Santos, supracitado por Nelson Werneck Sodré, assumira sua redação. Independentemente dos períodos vividos pela folha – do auge ao declínio –, o Diário Carioca contou com importantes nomes do jornalismo e das letras no Brasil. Conforme já apontado, Pompeu de Souza foi seu chefe de redação, num momento em que Danton Jobim assumia como chefe adjunto. Prudente de Moraes Neto, sob o pseudônimo de Pedro Lima, foi destacado cronista político do jornal, tendo abandonado o Diário Carioca no governo JK por não concordar com a linha ideológica do momento nem com o governo nem no jornal. Luís Paulistano de Orleans Santana foi o chefe de reportagem que revolucionou o jornalismo brasileiro com o “lead”. Everardo Guilhon e Deodato Maia foram secretários de redação no jornal. Pelo Diário Carioca passaram, enfim, como redatores ou colaboradores, nomes como Paulo Mendes Campos, Sérgio Porto, Armando Nogueira, Fernando Sabino, Antônio Maria, Rubem Braga, Otávio Bonfim, Otto Lara Resende, Wilson Lage, Hélio Fernandes, Carlos Lacerda, Sábato Magaldi, Deodato Maia, Tiago de Melo, Vinícius de Morais, Carlos Castello Branco, Inah de Moraes, Jean Pouchard, Antônio Bento, Paulo Francis, Ricardo Galeno, Francisco Pereira da Silva, Nílson Viana, Epitácio Timbaúba, Américo Palha, José Carlos de Oliveira, Newton Carlos, Hermano Alves, Jose Augusto Ribeiro, Teodoro Barros, Gilson Campos, Luís Edgar de Andrade, Murilo Melo Filho, Roberto Assumpção, Mário Ribeiro, Zezé Cordeiro, Emanuel de Moraes, entre outros. Fora os bambas citados lá no início deste texto.