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Biblioteconomia | A honrosa servidão do bibliotecário

01 mar 2022

Artigo arquivado em Biblioteconomia

12 de março é o dia em que comemoramos uma categoria profissional estratégica para o desenvolvimento cultural do país: a dos bibliotecários. Mais do que um dia, o mês será voltado para lhes devotar sinceras e merecidas homenagens.

Diante do cenário atual produzido pela explosão informacional, aliada às inovações tecnológicas e à globalização da informação, os bibliotecários, cada vez mais, são chamados a pôr em pleno jogo a sua vocação para servir. Não sei a quem se deve a excelente definição de bibliotecário: "servus servorum scientiae" - servo dos servos da ciência - colaborador dos que se dedicam à cultura científica ou literária na amplitude de suas abrangências. Mas ao contrário do que muitos podem pensar, “servir” não indica subserviência.

Segundo o Houaiss, Servidor é “…aquele que serve; …aquele que é diligente, prestativo, prestimoso; …aquele que cumpre com rigor e precisão o que tem a fazer.” O verbo servir jamais deveria ter a conotação de inferioridade que uma preconceituosa e rasteira semântica lhe possa impingir. Servir é o mais nobre dos comportamentos humanos. É nobre servir ao bem comum, é nobilitante viver para o próximo.

Não temos aqui melhor argumento para a grandeza do verbo servir que o testemunho do mestre de todos os mestres e de todos os tempos - Jesus Cristo: "não vim para ser Servido, mas para servir." O bibliotecário é, portanto, um vocacionado a servir!

Seus méritos se confundem com o seu espírito de amor à causa a que se consagrou: participar do apostolado da difusão da cultura, objetivo precípuo da Biblioteca. Seu papel, como Ortega y Gasset sugere, é orientar o leitor não especializado na selva dos livros e sua missão transcende, por isso mesmo, a mera administração de estoques informacionais. Não por acaso, a delicada função social e cultural da Biblioteca, pressupõe bibliotecários que, além de possuírem uma formação especializada, sejam também, conselheiros prudentes e compreensivos da leitura, autênticos educadores, capazes de conduzir o leitor e o pesquisador às descobertas e mesmo inspirações para uma vida voltada aos livros.

Paul Otlet, “o homem que queria classificar o mundo”, lembra que o bom bibliotecário é sempre uma combinação de educador, trabalhador intelectual e manual, administrador e organizador. Alguém que é movido por uma tripla motivação: 1ª- motivação intelectual: que lembra constantemente que o livro e, consequentemente, a biblioteca pertencem ao mundo da ciência, da estética, da moral e da religião. 2° - motivação técnica: procura garantir que cada operação seja realizada com os melhores materiais, os melhores instrumentos e o melhor pessoal; para obter o máximo desempenho. 3° - motivação social: e busca tornar a preocupação social sensível e presente, ser útil ao maior número de pessoas, trabalhar pelo progresso da sociedade. E dando a conhecer as múltiplas possibilidades do livro, cumprirá seu papel dentro da sociedade enquanto desempenha plenamente sua função na biblioteca, sendo agente ativo da cultura intelectual em seu ambiente.

Lamentavelmente, o número desses profissionais no país ainda é insuficiente. A demanda real é grande. Ainda não ouve conscientização a respeito do verdadeiro papel do bibliotecário nas empresas, órgãos de ensino e pesquisa. A maior deficiência, contudo, ainda é a do bibliotecário escolar. O próprio descaso generalizado pelas bibliotecas, entre nós, está inserido num contexto em que pesam a desafeição da cultura leitora e o modelo educacional adotado historicamente pelo país. Ignora-se, por aqui, o caráter transcendente de cada biblioteca, que independente da qualidade e da quantidade do seu acervo, é como se fosse um templo, que convida à humildade socrática:

"Passei toda a minha vida no meio deles [dos livros] e grande parte de meus melhores anos dirigindo bibliotecas na minha terra e no estrangeiro. [...] Esse longo convívio com livros de toda sorte ensinou-me alguma coisa sobre eles, creio eu, mas ensinou-me, principalmente, que em matéria de livros tudo quanto sei só serve para mostrar o quanto ignoro. Não há dia que não aprenda alguma coisa. É, talvez, por isso, que não me canso de manuseá-los, de folheá-los e de falar deles." (Rubens Borba de Moraes, O Bibliófilo Aprendiz).

O oceano do conhecimento que inebria todos os estudiosos, tende a tornar o bibliotecário modesto, consciente de que jamais conseguirá abrir todos os livros. "y del alto de libros que una trunca sombra dilata por la vaga mesa, alguno habrá que no leeremos nunca." (*) (Jorge Luis Borges, Limites)

Ricas ou pobres, seja como uma esplendente Notre-Dame ou como uma modestíssima capelinha perdida em recantos que os mapas sequer assinalam, a Biblioteca será sempre um templo votivo da cultura científica ou literária de um povo. Em última análise, será sempre um "modelo" do universo, uma transferência para signos artificiais do que é a vasta gama de elementos naturais. É, em todo caso, um “microcosmo de papel”.

Alberto Manguel, em Uma História da Leitura, também apresenta a biblioteca como uma espécie de microcosmo, já que o mundo todo está encerrado nela, sob a forma mais compacta possível.
E os bibliotecários?

Os sumérios os chamavam de “organizadores do universo".

(*) Tradução: “e da pilha de livros que uma adunca sombra dilata sobre a vaga mesa, alguns por certo não leremos nunca.”

Explore os documentos:

Poema "O Bibliotecário", de Emílio Carrera Guerra


Amaury Vasconcelos, Função do Bibliotecário


Lydia Sambaqui, Chefe da Biblioteca do D.A.S.P, No Mundo dos Livros

http://memoria.bn.br/DocReader/068306/571

http://memoria.bn.br/DocReader/068306/572

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http://memoria.bn.br/DocReader/068306/574

http://memoria.bn.br/DocReader/068306/575

http://memoria.bn.br/DocReader/068306/576