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Biblioteconomia | Jorge Luis Borges, bibliotecário do infinito

25 mar 2022

Artigo arquivado em Biblioteconomia

Certa feita, Jorge Luis Borges, já atingido pela cegueira, traduziu o seu amor pelos livros em uma frase: “Se recuperasse a visão eu não sairia de casa. Ficaria lendo os muitos livros que estão aqui, tão perto e tão longe de mim”. Borges morreria menos de um ano depois de ter concedido a entrevista.

O escritor, nascido em Buenos Aires, em 1899, nunca se recordou de uma época em que não soubesse ler. Suas primeiras memórias são da biblioteca de seu pai. Aprendeu a ler e escrever entre os 3 e 4 anos.

Aos quinze anos seguiu para a Europa com os pais, vivendo cinco anos na Suíça e depois mais quatro na Espanha, país, este, onde realizaria suas primeiras experiências literárias decisivas. Em 1921 retornou à Argentina, de onde voltou a sair apenas em 1962.

Em sua autobiografia, Borges escreveu que se tivesse de indicar o evento principal de sua vida, diria que era a biblioteca de seu pai, Jorge Guillermo Borges, advogado e professor de psicologia: “Na realidade, creio nunca ter saído dessa biblioteca. É como se ainda a estivesse vendo. Ocupava todo um aposento, com estantes envidraçadas, e devia conter milhares de volumes.”

O primeiro romance que leu inteiro foi Huckleberry Finn. Depois vieram Roughing It, Flush Days in California, os livros do capitão Marryat, Os primeiros homens na Lua, de Wells, Poe, Longfellow, A ilha do tesouro, Dickens, Dom Quixote, Tom Brown na escola, os contos de fadas de Grimm, Lewis Carroll, As aventuras de mr. Verdant Green e As mil e uma noites, de Burton.

A biblioteca paterna era essencialmente de livros ingleses. De modo que quase tudo que leu na vida foi em inglês e depois em outros idiomas, já que, em 1915, foram para Genebra e teve que estudar francês e também bastante latim. Depois disto, buscou aprender alemão para ler Schopenhauer. Mas antes passou pela poesia e pelos expressionistas alemães: Johannes Becher, Wilhelm Klemm, Kafka e outros. Quando perdeu a vista como leitor em 1955, para não para não abundar em sonora autocomiseração, empreendeu o estudo do anglo-saxão. Depois esteve duas vezes na Islândia e estudou um pouco do escandinavo antigo.

Escritor culto no sentido mais universal do termo, Borges começou a se interessar de modo progressivo pela ficção a partir da década de 1930, publicando aos poucos a série de contos depois reunidas em Ficciones (1944) e El Aleph (1949). Desde então retornou, cada vez mais à poesia, praticando formas fixas que refugara em seu tempo de ultraísta; ao mesmo tempo que compunha curtos ensaios poéticos de quase-ficção.

Em 1937, conseguiu seu primeiro emprego em tempo integral. Antes havia realizado pequenas tarefas editoriais. Por intermédio de amigos, conseguiu um cargo de bibliotecário na seção Miguel Cané da Biblioteca Municipal, num monótono e cinzento bairro de subúrbio, a sudoeste da cidade. Sua tarefa consistia em classificar os livros que até aquele momento não haviam sido catalogados. Resistiu na biblioteca por aproximadamente nove anos. Chegou a lamentar que foram nove anos de contínua infelicidade, pois os funcionários só se interessavam por corridas de cavalos, jogos de futebol e piadas pornográficas.

Em 1955, depois da queda do peronismo (que o perseguiu com mesquinharia), Borges foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional Argentina, exercendo o cargo até 1973. Durante a sua gestão promoveu-se a construção de uma nova sede (a atual), que era necessária devido ao amplo patrimônio com o que contava a Biblioteca. Ao deixar o cargo, designou um tabelião para empacotar e identificar as respectivas obras do seu acervo pessoal. Boa parte delas permaneceu na instituição e foi classificada como doação oficial do escritor.

Amante de bibliotecas, no clássico conto A biblioteca de Babel, o escritor chegou a estabelecer a analogia entre a biblioteca e o próprio universo. Uma biblioteca é como um universo e, reciprocamente, o universo é como uma biblioteca:
“O universo (que outros chamam a Biblioteca) constitui-se de um número indefinido, e quiçá infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por varandas baixíssimas. De qualquer hexágono, veem-se os pisos inferiores e superiores: interminavelmente. A distribuição das galerias é invariável.”

Borges, em todo seu longo convívio com bibliotecas, aprendeu, principalmente, que em matéria de livros, nunca sabemos o bastante. Não há dia que não se aprenda alguma coisa. Por isso mesmo, o ambiente da biblioteca, que personifica a utopia de dominação de todos os saberes, tem uma lógica que está sempre oculta e inacessível aos homens que só podem concebê-la sob a figura de um infinito obviamente não experiencial.

Para saber mais sobre Jorge Luis Borges, explore os documentos:

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/72729

http://memoria.bn.br/DocReader/393541/11116

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/160265