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200 Anos da Independência | José Bonifácio, o criador de uma nação nova

05 set 2020

Artigo arquivado em 200 anos da Independência
e marcado com as tags Bicentenário, Escravidão, Independência do Brasil, José Bonifácio

A história é caprichosa, e é pena que certas injustiças somente muito tarde sejam reparadas. José Bonifácio, a cabeça pensante, o articulador da nossa independência, caiu injustiçado. O Imperador, ao sentir-se ameaçado pela liderança inconteste, que havia dirigido com êxito a guerra civil contra as Cortes de Lisboa e presidia a Assembleia Constituinte, passa a persegui-lo. Em consequência, o Patriarca se demite do cargo de ministro de Estado. Em 12 de novembro de 1823, Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos foram presos e condenados ao exílio.

Para Gilberto Freyre, "o serviço que Bonifácio prestou ao Brasil, dando à independência da colônia de Portugal um sentido todo diferente do das independências das colônias da Espanha, foi incomensurável”. (Gilberto Freyre, Ainda a propósito de José Bonifácio). Ele foi capaz de levar a termo uma grande tarefa, a emancipação do Brasil sem prejuízo da sua unidade, a liberdade da terra, sem caudilhos, militares ou tiranos. Acompanhou de perto, na Paris dos anos 1790 e 1791, os primeiros resultados da Revolução Francesa. A simpatia inicial foi quebrada pela observação das desordens e violências do processo revolucionário. Viu que a "horrível revolução" era um sopro de destruição. O desejo dos revolucionários de enterrar a história e “começar de novo” não seria só impraticável como extremamente nefasto para o país.

Homem de inteligência multiforme, espírito flexível à realidade, alheio às utopias revolucionárias, José Bonifácio procurou afastar de suas preocupações disposições meramente teóricas e abstratas, que não fossem efetivadas pela ação política. Não queria "razões metafísicas”. Meditava na lição profunda da experiência e da história das nações e amoldada às circunstâncias e relações políticas.

Segundo Freyre, "não haveria o Brasil, tal como existe hoje, tão plural e tão uno, se no momento justo Bonifácio não tivesse agido, máscula e decisivamente, sutil e quase femininamente, juntando a arte dos grandes políticos à firmeza de ânimo dos grandes homens, contra os radicais de sua época, contra os desvairados nacionalistas da sua época, contra os furiosos anti-europeus dos seus dias". (Cf. Gilberto Freyre, Ainda a propósito de José Bonifácio)

Sua principal preocupação era a união das províncias brasileiras e a subordinação a um centro brasileiro de comando que evitasse a dispersão. Para assegurar-se a unidade do conjunto, o sagaz Andrada propôs a solução monárquica. Livrou-nos de vários perigos. O da fragmentação: havia a consciência da possibilidade de fragmentação da América portuguesa em diversos Estados independentes, como acontecera com a América espanhola. O da desunião: brasileiros contra brasileiros. E o do separatismo: em vez de um Brasil só, vários Brasis-Estados. Uma América Portuguesa ainda mais fragmentada que a Espanhola em repúblicas inimigas umas das outras. (Cf. Gilberto Freyre, Ainda a propósito de José Bonifácio)

O descaso contra a pessoa e o papel de José Bonifácio na construção de nossa independência, refletiu longos anos - como faz notar José Honório Rodrigues — na historiografia "oficial” do Brasil, e foi responsável pelo longo esquecimento em que jazeu a obra do Patriarca. Lembra o historiador que, "nas medidas tomadas por José Bonifácio, como a criação do Conselho de Procuradores, representantes das províncias, a convocação das províncias, a convocação da Assembleia Constituinte, que não é dele, mas foi por ele aprovada, a liberdade de imprensa, a anistia, o Código Eleitoral, o voto dos analfabetos, tudo concorre para que José Bonifácio seja um homem sem igual na história política brasileira, pelo conjunto de virtudes cívicas e intelectuais, pela capacidade de ação, pela energia e determinação política, e sobretudo porque ninguém fez tanto em tão breve tempo. Sua eficácia histórica é permanente, durável, e só igual a ele mesmo." (José Honório Rodrigues, Por que ler José Bonifácio hoje?)

Na década de 1880, Joaquim Nabuco insinuou que as ideias conhecidas de José Bonifácio sobre a escravidão concorreram para fechar ao estadista que planejou e realizou a Independência a carreira política em seu próprio país (Cf. Joaquim Nabuco, O abolicionismo). A escravidão, segundo o Patriarca, só podia escorar no bárbaro direito público das nações antigas. Para ele, representava um problema muito sério para a formação da nação que imaginava. Era, portanto, aos gritos da "razão nacional" que o pensador alertava sermos a "única Nação de sangue europeu, que ainda comercia clara e publicamente os escravos africanos". Defendeu a abolição porque a "Providência fez os homens livres e não escravos", recordando também de Moisés, o "único entre os antigos a se condoer com a sorte miserável dos escravos". (Cf. José Bonifácio de Andrada e Silva/organização e introdução de Jorge Caldeira - São Paulo: Ed. 34, 2002)
Não há bem em ser alguém escravizado. A existência da instituição se devia, segundo ele, ao repulsivo interesse e à cobiça dos homens, à sua paixão pela riqueza e pelo poder.

Explore os documentos:

José Honório Rodrigues, Por que ler José Bonifácio, hoje

http://memoria.bn.br/docreader/098116x/10571

http://memoria.bn.br/docreader/098116x/10572

http://memoria.bn.br/docreader/098116x/10573