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História do Brasil | Guerra do Contestado - outubro de 1912 a agosto de 1916

22 out 2021

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e marcado com as tags Guerra do Contestado, Messianismo, Movimento Messiânico

Jornal da ABI

A Guerra do Contestado foi mais um episódio sangrento que marcou o início do regime republicano. Nos primeiros anos da república, o país passou por uma série de conflitos caracterizados, entre outros pontos, por forte participação popular de um lado, e de outro, por uma enérgica reação do governo. A dicotomia entre segmentos da sociedade, que sofriam com a miséria e o descaso tanto do governo federal quanto das autoridades locais, e a perene estabilidade republicana, era o combustível para confrontos de final sempre trágico.

Outro elemento que compunha esse cenário era o messianismo. A vida inópia dos sertanejos e a forte religiosidade presente na população do interior do país fomentavam o surgimento de movimentos de um fervor fortemente marcado, com a atuação de líderes que proclamavam a possibilidade de uma existência melhor e mais digna, então fixada na vida comunitária. A consumação desse ideário foi posta em prática em diferentes lugares e momentos, mas tendo como marco comum a aglutinação de fiéis seguidores, dispostos a sacrificarem suas próprias vidas em sua defesa.

O local onde o conflito ocorreu já estava sob disputa desde o século XIX, envolvendo o Brasil e a Argentina, tendo o presidente dos Estados Unidos agido como árbitro e sendo favorável ao Brasil. Contudo, mesmo a disputa tendo sido resolvida em termos diplomáticos, no contexto interno o impasse permanecia, evolvendo os estados de Santa Catarina e Paraná. Nesse território vivia uma população composta por descendentes de indígenas, africanos e mestiços, que integravam a base da mão de obra da região.

Em 1904, o governo catarinense ingressou com uma ação judicial junto ao Supremo Tribunal Federal, obtendo um despacho favorável. Em seguida, o governo do Paraná entrou com recursos. Todavia, apesar dos esforços e das tentativas, por mais duas vezes seguidas, em 1909 e 1910, o estado de Santa Catarina obteve pelo STF deliberação positiva. Embora, a vitória do governo de Santa Catarina tenha sido fixada pela justiça, as autoridades paraenses não acataram a decisão judicial, permanecendo o apuro envolvendo o domínio da região.

Era desejo do governo federal construir uma ferrovia, ligando o Rio Grande do Sul com o restante do país - a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. A empresa ferroviária Brazil Railway Company de propriedade de Percival Farghar, empresário estadunidense, recebeu autorização para realizar a empreitada. Após o fim das obras, que interligavam São Paulo e Rio Grande, passando pelo Vale do Rio do Peixe, que, por sua vez, dividia Campos de Palmas, região contestada por Paraná e Santa Catarina, a empresa recebeu do governo federal a extensão de 15 km de terras de ambos os lados da ferrovia, consideradas devolutas, para exploração madeireira e ocupação com imigrantes europeus, sob a gerência da Brazil Lumber and Colonization Company, que também pertencia a Percival Farghar. A população local se viu desapropriada não só de suas terras, mas também de seu modo de vida. Posseiros foram expulsos e pequenos proprietários que dependiam economicamente da extração de madeira foram arruinados.

Há algumas décadas já existiam na região figuras proféticas, encaradas como monges pela população, embora não possuíssem vínculos com a Igreja. Foram homens que pregavam um catolicismo popular e de cunho auspicioso e apocalíptico. O “monge” João Maria teve destaque neste contexto, empreendendo uma postura anticapitalista e de crítica ao momento.

Outro personagem que também se destacou foi José Maria, um curandeiro, que alcançou notoriedade ao curar a esposa doente do coronel Francisco de Almeida. A partir desse episódio, ele conquistou popularidade com a crença de que teria ressuscitado a esposa do coronel.

Com a postura humilde, os monges proclamavam e viviam uma vida simples e correta, (que proclamavam e viviam). Por conseguinte, conquistaram a confiança e o fascínio da população, que via refletida sua própria forma de vida. Passaram a reconhecer homens como José Maria como pessoas dignas e suas propostas de vida como algo possível e realizável, e sob seu comando organizaram uma comunidade, na localidade de Taquaruçu (SC), de forte cunho messiânico. Opunham-se à desapropriação, questionando seu valor legal, valorizavam as trocas em detrimento do comércio convencional. Tudo era de todos. A comunidade foi elevada a um governo independente, não reconhecendo a república, vista como algo demoníaco. Outras comunidades foram surgindo e organizou-se organizaram-se em Taquaruçu uma “Monarquia Celeste”. Os ideais e a nova realidade que construíram passaram a ser defendidos de forma extrema, frente a um governo lançadiço, revelado em sua ausência real em gerir os problemas pelos quais passavam há tanto tempo. Um conflito entre uma “monarquia celeste” e uma república que implementava “a lei do diabo”. Configurava-se uma guerra santa.

A postura de José Maria e seus seguidores desafiava a autoridade dos governos locais e do governo federal e colocava em questão a própria república. O presidente, marechal Hermes da Fonseca, seguindo sua “política das salvações” que se caracterizava pela intervenção militar, ordenou o deslocamento de tropas para pôr fim à desordem instaurada pela “comunidade celeste” e seus prosélitos.

Após ataques e contra-ataques e a morte de José Maria, novos líderes surgiram, ainda ressaltando o cunho religioso e profético do movimento, como Teodora, uma menina de 11 anos que relatava sonhos com José Maria, e mais tarde, Maria Rosa, uma jovem de 15 anos apenas. As tropas federais amargaram derrotas, mas após o General Setembrino de Carvalho assumir o comando da ofensiva republicana e adotar o cerco como tática de guerra, a situação começou a se inverter. Nesse ponto, começa a se destacar a figura de Deodato Manuel Ramos, vulgo "Adeodato", que se recusava peremptoriamente a aceitar a rendição.

No entanto, a vitória republicana era iminente. Assim, em dezembro de 1915, a última fortificação dos seguidores de José Maria foi assolada pelas tropas do general Setembrino. Adeodato fugiu sendo capturado e preso 8 meses depois. Os governos do Paraná e de Santa Catarina, em setembro de 1916, assinaram sob a chancela do agora presidente Wenceslau Brás, um acordo estabelecendo os limites outrora contestados.

Referências sobre o tema:

Relatórios do Ministério da Guerra (RJ)

O Paiz (RJ)

http://memoria.bn.br/DocReader/178691_04/25466

http://memoria.bn.br/DocReader/178691_04/26305

http://memoria.bn.br/DocReader/178691_04/27474

http://memoria.bn.br/DocReader/178691_04/28606

http://memoria.bn.br/DocReader/178691_04/30725


Gazeta de Notícias (RJ)

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_04/36469

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_04/37061

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_04/38217

http://memoria.bn.br/DocReader/103730_04/38267


Correio da Manhã (RJ)

http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/21453

http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/21708


Correio Paulistano (SP)

http://memoria.bn.br/DocReader/090972_06/37671

http://memoria.bn.br/DocReader/090972_06/39381


O Fluminense (RJ)


Jornal do Brasil (RJ)

http://memoria.bn.br/DocReader/030015_13/8166

http://memoria.bn.br/DocReader/030015_13/12810


Jornal O Município (SC)

http://memoria.bn.br/DocReader/891720/16527

http://memoria.bn.br/DocReader/891720/20518

http://memoria.bn.br/DocReader/891720/47789


Correio Braziliense (DF)

http://memoria.bn.br/DocReader/028274_06/15619

http://memoria.bn.br/DocReader/028274_06/15622


Jornal da ABI (RJ)

http://memoria.bn.br/DocReader/546828/2828

http://memoria.bn.br/DocReader/546828/2829

http://memoria.bn.br/DocReader/546828/2830

http://memoria.bn.br/DocReader/546828/2831

http://memoria.bn.br/DocReader/546828/2831


RIO BRANCO, José Maria da Silva Paranhos. [Carta a Salvador de Mendonça, agradecendo as notícias recebidas, o declarando que no território contestado pela Argentina, a produção e as autoridades sempre foram brasileiras].


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