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História do Livro | Serafim José Alves e Pedro Quaresma

07 maio 2021

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Em seu estudo “O Livro no Brasil”, Laurence Hallewell informa que as duas casas editoriais mais ativas no Brasil nos últimos anos do século XIX eram a Garnier e a Laemmert. Bem atrás deles, o terceiro colocado era um nome hoje pouco conhecido: Serafim José Alves, dono da Livraria Econômica, fundada em 1851. Responsável por edições de várias obras de Castro Alves, peças teatrais de Artur Azevedo e livros do pesquisador Sílvio Romero, Serafim Alves também imprimiu periódicos, tais como “A Escola: revista brasileira de educação e ensino” (1877 – 1878) e as primeiras edições do “Annuario medico brasileiro” (1886 – 1897).

Veja um rótulo da Livraria Econômica, pertencente ao acervo da Divisão de Iconografia, informando que, além do sortimento próprio, a casa encomendava livros da Europa:

Conheça o “Annuario medico” na Hemeroteca Digital:

Segundo a historiadora da UFG Sonia Maria de Magalhães, foi na Livraria Econômica, em 1879, que iniciou sua carreira o futuro livreiro e editor Pedro da Silva Quaresma. A mesma pesquisadora informa não haver consenso acerca de sua nacionalidade: para alguns, seria português, enquanto outros afirmam que nasceu em São Fidélis (RJ). Em 1883 abriu um “sebo”, a Livraria do Povo (segundo Lívio Lima de Oliveira, da ECA/USP, comprou-o de Serafim José Alves, que seria proprietário ou um dos sócios da empresa), e já em 1891 passou a usar o nome de Livraria Quaresma, com o qual se firmou no mercado das edições populares.

Alessandra El Far, da UNICAMP, diz ter sido comum entre os livreiros oitocentistas investir em livros populares: brochuras impressas em grandes tiragens, em papel de baixa qualidade, destinadas ao público urbano de classe média. Tais livros eram vendidos por preços que variavam entre cem réis a dois mil-réis, enquanto uma edição tradicional saía por três ou quatro mil-réis. A própria Garnier lançou uma coleção de vinte volumes de pequeno formato chamada “Bibliotheca da Algibeira”, mas a tendência foi mais forte entre livreiros que se estabeleceram em décadas próximas à virada do século e sem o suporte de firmas estrangeiras.

Pedro Quaresma também seguiu esse rumo e começou a investir em livros não apenas baratos, mas cujos temas tivessem apelo junto às classes populares. Coletâneas de poemas, manuais de etiqueta e de cartas-padrão, obras práticas voltadas para a indústria e o comércio: tudo isso foi publicado por sua editora, assim como romances, livros de aventura, obras “para cavalheiros” (das quais foi um grande sucesso “A Mulata” (1896), de Carlos Malheiros Dias) e, ainda, a Bibliotheca dos Trovadores, que reunia modinhas e canções populares. Um autor de destaque foi Catulo da Paixão Cearense, que escreveu vários livros para essa coleção. Também foram famosas as obras de Eduardo das Neves. Segundo Luiz Edmundo em “O Rio de Janeiro do meu tempo”, não havia seresteiro ou violonista que não procurasse os livros de Quaresma para renovar seu repertório.

A maior contribuição de Pedro Quaresma para a história editorial brasileira foi, provavelmente, sua coleção de obras para crianças. Quase todos os livros que circulavam no Brasil, voltados para esse público, eram impressos em Portugal, e até mesmo os produzidos aqui usavam um vocabulário de difícil entendimento para os pequenos. Quaresma estudou o assunto, traçou uma estratégia e, a partir de 1894, começou a publicar a coleção Bibliotheca Infantil, cujas primeiras obras foram encomendadas ao jornalista da “Gazeta de Notícias” Alberto Figueiredo Pimentel. “Contos da Carochinha” (1894), “Histórias da Avozinha”, e “Histórias da Baratinha” (ambos de 1896) traziam adaptações dos contos de Perrault, Andersen e dos Irmãos Grimm e serviram para popularizar essas histórias, que circulavam no Brasil em versões portuguesas. Outros títulos de Pimentel nessa coleção foram “Theatrinho Infantil”, “Meus Brinquedos” e “O Castigo de um Anjo”.

Veja uma edição de 1959 de “Histórias da Baratinha”, que integra o acervo da Divisão de Obras Gerais.

Outro autor a publicar na Bibliotheca Infantil foi o mineiro Annibal Mascarenhas, também jornalista, considerado um dos precursores da literatura para crianças no Brasil. Entre seus vários pseudônimos estavam Tycho Brahe de Araújo e Viriato Padilha.

Veja a 4ª. edição de “Histórias Brasileiras”, de Tycho Brahe. Uma curiosidade: Annibal Mascarenhas morreu em 1924, mas o prefácio do livro (assinado por Ticho-Brahe, que seria uma variação do pseudônimo) está com a data de 1955.

Os lançamentos da Livraria Quaresma eram anunciados na “Gazeta de Notícias” e em cartazes publicitários espalhados pela cidade, onde quer que pudesse haver leitores. No caso específico da Bibliotheca Infantil, os anúncios enfatizavam tanto aspectos intrínsecos (a universalidade dos contos, a moralidade, a linguagem bem cuidada) quanto extrínsecos (papel de boa qualidade, várias gravuras, capa litografada em cores). A estratégia deu resultado: embora os livros, a dois mil-réis, não pudessem ser chamados de “baratíssimos” como outros títulos da casa, os 5.000 exemplares da primeira tiragem de “Contos da Carochinha” se esgotaram em três meses. As duas edições seguintes, acrescidas de novas histórias e já custando três mil-réis, passaram a ser vendidas em várias livrarias da cidade. Na verdade, foram muito além: segundo escreveu, em 1900, o jornalista Brito Broca, achavam-se livros de Quaresma por todo o Brasil, inclusive em regiões distantes de qualquer capital.

Frequentada por autores já ilustres como Machado de Assis (que, segundo Lívio Oliveira, chegava a opinar nos preços dos livros à venda) e ponto de encontro para escritores mais jovens, a Livraria Quaresma ainda atuou com sucesso por várias décadas após a morte de Pedro, em 1921. Mudou de endereço em 1951 e manteve alguma atividade até a década de 1960, quando fechou as portas em definitivo.

Hoje, historiadores do livro e da indústria editorial brasileira veem em Pedro da Silva Quaresma um precursor das coleções de obras populares, do foco no público infantil e da publicidade em meios impressos.


Ilustração de Niels para um dos contos de “Histórias Brasileiras”, de Tycho Brahe (Annibal Mascarenhas)