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História e Memória | 1854: começam a funcionar os primeiros lampiões a gás no Rio de Janeiro

25 mar 2021

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O dia 25 de março costumava ser um dia de festividades na Corte, em comemoração ao aniversário da Constituição outorgada por D. Pedro I em 1824. Mas naquele ano de 1854 as comemorações tiveram um ponto alto inédito. Após o Te-Deum, a parada das tropas, o cortejo no Paço, a população afluiu para a rua do Ouvidor para ver, pela primeira vez no país, a iluminação a gás (http://memoria.bn.br/DocReader/700096/1095). Saudada como símbolo do progresso e da modernidade, a nova iluminação substituía os antigos lampiões “cuja claridade era tão insuficiente e duvidosa” (Jornal do Commercio) e mudou a vida noturna da região central do Rio de Janeiro. A novidade chegava 3 anos depois da assinatura do contrato entre o governo e Irineu Evangelista de Souza, que resultou na criação da Companhia de Iluminação a Gás e na construção da Fábrica de Gás do Aterrado (foto), em terreno situado na antiga Rua Senador Eusébio (atualmente na avenida Presidente Vargas), de onde o gás era distribuído para a cidade através de canos subterrâneos.

Até então, a iluminação da cidade era bastante precária. A primeira fonte pública de luz do Rio foi um pequeno lampião, instalado em 1710, no Convento de Santo Antônio. Durante todo o século XVIII, a cidade era escassamente iluminada pela luz de velas e lamparinas a óleo de baleia, em oratórios nas fachadas das construções que serviam também para marcar o itinerário das procissões. Na década final do século, por iniciativa do conde de Resende, vice-rei do Brasil, foram instalados os primeiros postes de lampiões no centro da cidade. Com a chegada da família real portuguesa e sua comitiva, em 1808, a urbanização da cidade ganhou impulso e a iluminação pública se expandiu, com a instalação de lampiões em pontos estratégicos, com objetivo também de ajudar no combate à criminalidade crescente.

Após diversas tentativas fracassadas de modernização, finalmente em 1851 foi assinado entre o ministro Eusébio de Queirós e Irineu Evangelista de Souza (futuro Barão de Mauá) um contrato para fornecimento e instalação da iluminação a gás em parte da cidade (do centro a Botafogo). Pelo contrato (http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/36001), válido por 25 anos, o empresário se comprometia a fornecer iluminação superior à de Londres (primeira cidade a usar o sistema a gás, em 1806) e custear toda a canalização, os lampiões para as ruas e candelabros para as praças. O governo definiria a localização e distância dos lampiões e os horários em que deveriam ser acesos e apagados. Por cada combustor, o Estado pagaria 27 réis por hora de iluminação. Os moradores que quisessem a iluminação em suas residências ou comércios, contratariam diretamente com o empresário, pagando o mesmo valor. Além da fábrica de gás, a rede incluía a instalação de 20 quilômetros de encanamento de ferro para a distribuição.
Após a inauguração no dia 25 de março, a rede foi se expandindo e a nova iluminação foi rapidamente aprovada. Em três anos, o gás já chegava a mais de 3 mil lampiões e 3.200 residências. Confeitarias (http://memoria.bn.br/docreader/094170_01/39770 e http://memoria.bn.br/docreader/094170_01/39867) e teatros (http://memoria.bn.br/docreader/094170_01/39803) destacavam em seus anúncios o a novidade da iluminação a gás. A cidade se transformou, o movimento no centro aumentou, com cafés, restaurantes e teatros em plena atividade no horário noturno e a vida na Corte começou a tomar ares de uma cidade moderna. “O gás inundou tudo, sublevou todos, harmonizou tudo, despertou todos: não há mais esse eterno ficar em casa de noite a bocejar, mas vai-se à rua do Ouvidor, à rua Direita, ao Largo do Paço a admirar essa luz e contemplar o dia artificial com surpresa e contentamento”. (http://memoria.bn.br/docreader/094170_01/39748)

Em 1865, após grave crise financeira, a Companhia de Iluminação a Gás do Barão de Mauá foi vendida para a inglesa Rio de Janeiro Gas Company Limited. Em 1885, mais uma vez, a concessão foi transferida para a belga Société Anonyme du Gaz de Rio de Janeiro (SAG) que obteve também o direito exclusivo de exploração de qualquer outra fonte de energia para fins de iluminação.

O pioneirismo da cidade do Rio de Janeiro na iluminação a gás e a grande e eficiente rede de distribuição subterrânea já construída acabaram por atrasar a implantação e difusão da iluminação por energia elétrica na cidade. Apenas com as reformas urbanas de Pereira Passos, no começo do século XX, foi inaugurado o novo sistema na Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), porém apenas no canteiro central, enquanto nas calçadas laterais foram mantidos os postes a gás. Durante quase três décadas, o gás e a eletricidade compartilharam a tarefa de iluminar a cidade.


Estabelecimento da Iluminação a gás no Rio de Janeiro - gravura de L. Therier (Iconográfico)