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Imigração Japonesa | Viagem de Juliano Moreira ao Japão

14 jun 2022

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Durante quase quatro meses, o ilustre médico brasileiro Juliano Moreira esteve em solo nipônico, visitando escolas, universidades, jornais e realizando conferências. O ano era 1928 e já grassavam no Brasil, como fora dele, as advertências dos que acreditavam no "perigo amarelo" — termo utilizado na época para designar a "ameaça dos povos orientais" (primeiramente os chineses, depois os japoneses). As advertências eram fundamentadas nas tendências imperialistas já demonstradas tanto pela China quanto pelo Japão, mas também no pensamento eugenista, segundo o qual a miscigenação se tornaria um grave problema para o Brasil a longo prazo. Neste ponto, inclusive, outros médicos de prestígio como Antônio Xavier de Oliveira e Miguel Couto, deputados durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1933, já se posicionavam contra a imigração japonesa, tanto que a Constituição Federal de 1934 instituiu, em seu artigo 121, § 6o., o estabelecimento de cotas de imigração.



Juliano Moreira | Fonte: "Impressões de uma viagem ao Japão em 1928" (Acervo Digital da BN - versão completa da obra disponível no link)

Desta viagem resultou o livro "Impressões de uma viagem ao Japão em 1928", publicado apenas em 1935, depois que Juliano Moreira já havia falecido. O organizador e editor do volume, o médico psiquiatra Waldemar de Almeida, teve o apoio da viúva, Sra. Augusta Peick Moreira, que tinha acompanhado o marido na viagem e até mesmo contribuiu com textos seus na segunda parte. Embora nas "Palavras Explicativas" no início do livro o Dr. Waldemar de Almeida pontue que se trata de um primeiro volume de uma planejada série de publicações com a obra científica de Moreira, em determinada altura do texto percebemos que a autoridade do nome do médico psiquiatra estava ali sendo reclamada a um verdadeiro discurso de defesa do povo japonês:



Excerto das "Palavras Explicativas" (Waldemar de Almeida) | Fonte: "Impressões de uma viagem ao Japão em 1928" (Acervo Digital da BN - versão completa da obra disponível no link)

No capítulo "Convém ao Brasil a imigração japonesa?", Juliano Moreira apresenta brevemente o seu entendimento acerca da questão. Embora ele mesmo apoiasse práticas de cunho eugenista, como a esterilização dos "degenerados", Moreira não acolhia a tese segundo a qual o fator determinante para o empobrecimento biológico de um povo repousava sobre uma dada raça. Para ele, não parecia fazer diferença haver o cruzamento entre indivíduos de raças X e/ou Y, mas sim entre "bons elementos". Assim ele escreve:
"Caso se verifique este cruzamento as consequências serão boas e até excelentes, se se cruzaram bons elementos de um e outro grupo, por isso que os tipos resultantes dos cruzamentos estão quase sempre em relação às qualidades dos elementos que se cruzam.

Do estudo que há muito venho fazendo sobre cruzamentos em nosso país, veio-me a convicção de que não devemos tirar regras absolutas condenatórias de tais cruzamentos."



O Prof. Juliano Moreira entre professores da Universidade de Fukuoka | Fonte: "Impressões de uma viagem ao Japão em 1928" (Acervo Digital da BN - versão completa da obra disponível no link)

Em favor da imigração japonesa — e contrariando os argumentos que apontavam a assimilação dos japoneses como algo impossível — Moreira apresenta o esforço despendido no intercâmbio com outros países (a partir do próprio aprendizado da língua inglesa e de outras europeias) após a reabertura dos portos ao Ocidente. Ele se pronuncia favoravelmente à presença de imigrantes japoneses no Amazonas, como motores do desbravamento de que a região necessita, para abrir caminho para os demais e para melhor integrá-la ao país. Ele aponta ainda a existência de filhos de japoneses que não falam a língua de seus pais, sendo o português sua única língua.

Qual a força destes argumentos, e qual o alcance deste livro? Prosseguiram, nos anos seguintes, os embates entre os propagandistas do "perigo amarelo" e os simpatizantes da imigração japonesa, até que Brasil e Japão se viram definitivamente em lados opostos na guerra. Mesmo tendo ela terminado, em 1945, ainda havia quem levantasse a bandeira não apenas pela restrição, mas pela proibição da imigração japonesa no Brasil. O deputado Miguel Couto Filho, seguindo os passos do pai, assinou e submeteu em 1946, junto com o deputado José Augusto (UDN-RN), o projeto de emenda constitucional de número 3.165, propondo que fosse proibida "a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer procedência” (HAYASHI, 2022, p.4-5). A quem disser que este projeto era puro revanchismo passado de pai para filho, Dos Santos (2019, p. 381) responde que a votação ficou empatada (99 votos a favor e 99, contra), tendo sido necessário o voto de Minerva, contrário ao projeto, para impedir que a ideia se concretizasse — tamanho o acirramento dos ânimos ainda naquela época.

 

Referências bibliográficas:

HAYASHI, Bruno Naomassa. Metamorfoses do amarelo: a imigração japonesa do “perigo amarelo” à “democracia racial”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 37, 2022.

DOS SANTOS, R. L. “Livrai-nos do maléfico perigo amarelo”. Faces da História, v. 6, n. 1, p. 364-384, 21 jun. 2019.