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Intelectuais Brasileiros | Lúcia Miguel Pereira (12 de dezembro de 1901 — 22 de dezembro de 1959) 

21 dez 2021


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Ensaísta, biógrafa e crítica literária, Lúcia Miguel Pereira fez parte do seleto grupo de mulheres escritoras entre as décadas de 1930 e 1950, figurando como importante referência intelectual a exemplo das contemporâneas Adalgisa Nery, Gilka Machado, e Cecília Meireles. Filha de Miguel da Silva Pereira, médico-sanitarista e Maria Clara Tolentino Pereira, Lúcia cresceu na cidade do Rio de Janeiro, morando na Rua Gago Coutinho, no bucólico bairro das Laranjeiras, passando tempos depois ao bairro do Jardim Botânico, onde vivia com seu marido Octávio Tarquínio de Souza também escritor.

Um de seus primeiros trabalhos foi como colaboradora da revista Elo, publicação de pequena tiragem produzida pelo Colégio Sion. Alguns de seus textos para surpresa de Lúcia chegaram a ser publicados em “O Jornal”. Profissionalmente foi lançada pela editora Ariel de Agripino Grieco e Gastão Cruls. Encorajada pelos amigos Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schmidt, publicou “Maria Luísa” seu primeiro romance, seguido de “Em Surdina”, ambos de 1933.

Sobre o romance como gênero literário e as possibilidades de inovação, Lúcia se mostrava mais interessada nas formulações substanciais do romance em si que o processo, avaliando haver certo esgotamento de proposições em razão do alargamento do conceito que advinha da poesia a crítica social. “[...] temos gerações de bons poetas, ensaístas, mas na ficção ainda somos carentes de farta produção”. Contudo, reservava especial atenção a fatura, a escrita de uma jovem escritora, que despertava atenção entre o meio especializado. Tratava-se de Clarice Lispector. A literatura intimista de Clarice possivelmente conquistou a análise arguta e refinada de Lúcia.

Lucia produziu outros romances com destaque para“Amanhecer” e “Cabra Cega”, mas foi como crítica literária e biógrafa que a sua produção foi melhor absorvida. A própria avaliava “Machado de Assis: Estudo Crítico-biográfico” o seu melhor trabalho. De fato, foi o mais celebrado de Lúcia Miguel Pereira, com resenha positiva do sociólogo Gilberto Freyre. A 1ª edição foi publicada na série “Brasiliana” em 1937 e a obra foi vencedora por unanimidade do prêmio de literatura de 1936 oferecido pela Sociedade Filippo d’ Oliveira de Assis. O trabalho de Lúcia é considerado um dos mais completos e influentes sobre “o bruxo do Cosme Velho”.

Lúcia firmou-se como um dos primeiros nomes do ensaismo brasileiro. A experiência como biógrafa teve continuidade com o estudo sobre Gonçalves Dias – “Vida de Gonçalves Dias”, publicado em 1942. Resultado de 5 anos de pesquisa, parte sob documentação inédita, contemplava não apenas a trajetória que consagrara Gonçalves Dias um dos primeiros indianistas do Brasil, como trazia alguns bons causos da intimidade do escritor. O ciúme da esposa Olympia que desconfiava das “escravas domésticas” e outro, de uma baiana que morava no bairro de São Cristóvão por onde corria boatos sobre visitas inoportunas do poeta. Segundo Lúcia, é impossível estudar a obra, a produção intelectual de um autor“sem estudar- lhe a vida, sem procurar entender-lhe o caráter. ”

Ao oferecer o lado mundano dos imortais da Academia Brasileira de Letras, Lúcia parece desmistificar toda a pompa envolta a prestigiosa instituição, demonstrando, inclusive, ceticismo sobre tais associações. Em entrevista a Homero Senna para “O Jornal” em 1944, Lúcia questiona o peso simbólico destinado a essas organizações. Sobre a participação de mulheres na ABL:

Ainda que as mulheres pudessem ser acadêmicas, está aqui uma que jamais se candidataria. Talvez seja um defeito, mas confesso-me com espírito pouco associativo. Além disso, não acredito nos grêmios literários, nessas associações que nascem para ser inteligentes. No meu entender, quarenta acadêmicos esplêndidos ainda dariam uma Academia medíocre.

Colaboradora do Boletim do Ariel, Dom Casmurro, Estado de São Paulo, Revista do Brasil, Gazeta de Notícias, Correio da Manhã, a contribuição de Lúcia ocupava a “liderança de nossas letras femininas” diziam os colegas Nelson Werneck Sodré e Sérgio Buarque de Holanda. Sua obra ficcional colocava em relevo aspectos condizentes a vivência das mulheres de seu tempo. Muitas confinadas a uma rotina limitada, sem grandes expectativas de ascensão social. Por essa razão, especialistas da obra de Lúcia Miguel Pereira acreditam que a crítica literária tenha ocupado maior destaque em sua produção se comparada a produção ficcional, pois não guardava o apelo de denúncia social característico da produção brasileira entre os anos 1930 e 1940.

Em 1959, um acidente aéreo interrompeu a vida de Lúcia. Ela estava ao lado de seu marido Octávio Tarquínio de Souza. Uma curiosidade revelada por AdeltoGonçalvez, biógrafo de Lúcia, conta sobre a desistência da escritora de viajar em 1928 em um voo em homenagem a Santos Dumont, pai da aviação. O avião teria caído na Baía de Guanabara matando as 14 pessoas que estavam a bordo.O acidente que vitimou Lúcia foi amplamente noticiado. Muitas foram as homenagens a Lúcia e a Tarquínio, recordando o companheirismo e a cumplicidade do casal. Augusto Meyer, Levi Carneiro, Manuel Bandeira e tantos outros prestaram através de artigos e poesias o último adeus a persona singular de Lúcia Miguel Pereira.

(Seção de Iconografia)


Manchete, 1953.