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Intelectuais brasileiros | O mestre da montanha, João Camilo de Oliveira Torres

10 ago 2020

Artigo arquivado em Intelectuais Brasileiros
e marcado com as tags Democracia, História do Brasil, Império do Brasil, Intelectuais Brasileiros, Minas Gerais, Monarquismo, Pensamento Político Brasileiro



“Continuo à procura de mim mesmo e absolutamente certo de que não me encontrei em Lisboa, em Coimbra, pois eu permaneço em Itabira”,
Luiz Camillo (irmão de João Camilo, em viagem pela Europa, 1937).



Mais conhecido por suas obras na área de História do Brasil, João Camilo de Oliveira Torres exerceu diversas profissões intelectuais, legou importantes contribuições ao pensamento político e foi reconhecido como filósofo por seus pares. Nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de julho de 1915, e faleceu em sua mesa de trabalho no dia 31 de janeiro de 1973, em Belo Horizonte. Na ocasião escrevia o seu último artigo: “Os Mitos da Nossa Época”, e antes havia escrito “Morte e Ressureição”, publicado dias depois no Correio do Povo, de Porto Alegre. Homem telúrico, apegado a suas origens e a sua linhagem familiar. Exceto por uma passagem pelo Rio para estudos, jamais morou fora de Minas Gerais.

Adolescente sentiu o baque pela morte de seus próximos. Entre 1930 e 1933 morreram: o pai, o avô, a mãe e dois irmãos. Nessa sucessão de falecimentos incluía-se Moacyr, tido como o mais inteligente dos quatro irmãos, aquele que seu pai queria que fosse “como Rui Barbosa” - modelo de “homem inteligente” para as famílias da classe média da época. Outra mente brilhante que partiria duas décadas depois era o irmão mais velho, Luiz Camillo de Oliveira Netto (1904-1953) – igualmente historiador, banqueiro, professor na Universidade do Distrito Federal, diretor da Casa de Rui Barbosa e diretor da biblioteca do Itamaraty. Na política, Luiz Camillo foi opositor do Estado Novo, fez parte do grupo que elaborou o “Manifesto dos Mineiros” de 1943 e fundou a UDN. Mas se o irmão foi neoluzia (liberal), João Camilo foi neosaquarema (conservador).

Nos estudos sentia uma real vocação literária, mas a primeira tentativa fora a de algo lucrativo, Medicina. Contudo, nem começou: “felizmente fui reprovado no vestibular” (TORRES, João Camilo de Oliveira, O homem interino. Belo Horizonte: PUC Minas, 2005[1971], p. 96). A contragosto, foi cursar a Faculdade de Direito, em Belo Horizonte. No meio resolveu mudar de rumo e partiu para o Rio de Janeiro, a estudar Filosofia na Universidade do Distrito Federal.
Com o fechamento da UDF pelo Estado Novo, não conseguiu concluir o curso, mas foi naquele ambiente universitário marcante, de elevado nível intelectual, que realizou e projetou seus primeiros passos na pesquisa. O resultado saiu poucos anos depois com o livro O positivismo no Brasil (1943), que foi um trabalho pioneiro, marcado por uma exposição isenta e dotado de primorosa investigação bibliográfica. Antes havia publicado “O ensino e a finalidade do ensino universitário” (1940), seu primeiro livro, sua preocupação permanente, seu sacerdócio. Mesmo sem um canudo, foi reconhecidamente um mestre, ícone do ensino superior em Belo Horizonte, tanto na Universidade Católica de Minas (hoje PUC-MG), quanto na UFMG.

O monarquismo foi uma de suas principais frentes de atuação. Sua obra mais premiada e mais vezes editada foi “A democracia coroada. Teoria Política do Império do Brasil”, de 1957. O estudo que explicava os pressupostos da política nacional foi tratado pelo memorialista Antônio Carlos Villaça como o “livro estrela (...) do principal teórico do poder régio entre nós". Com efeito, praticamente em tudo que João Camilo escreveu aparecia algo ligado a monarquia e democracia. Do mesmo modo, em quase tudo o que deixou havia algo de católico. Porém evitava proselitismos, bandeiras, partidarismos. E, conseguiu cumprir com seu propósito, era um bocado resiliente, o que lhe permitiu manter o diálogo e o respeito com todos, monarquistas e não monarquistas, católicos e não católicos.

Jornalista, historiador, sociólogo e filósofo, João Camilo representa um marco para diversos temas do pensamento político brasileiro. Mais do que isso, foi um intérprete do Brasil, um teórico da trajetória histórica, dos caminhos e descaminhos do mundo e da trajetória da Igreja. Na coletânea dos filósofos brasileiros organizada pelo padre Stanislavs Ladusans, João Camilo estava no elenco, junto com Agostinho José Ferreira, Alcântara Nogueira, Alvino Moser, Antônio Joaquin Severino, Beda Kruse, Carlos Beraldo, Carlos Lopes de Mattos, Cruz Costa, Emílio Silva, Evaldo Pauli, Fernando Arruda Campos, Geraldo Pinheiro Machado, Gilberto de Mello Kujawski, Henrique Cláudio de Lima Vaz, Huberto Rohden, Ivan Monteiro de Barros Lins, João Camilo de Oliveira Torres, José Parsifal Barroso, Leonardo Van Acker, Leoncio Basbaum, Luís Washington Vita, Maria Isabel Moraes Pitombo, Mário Ferreira dos Santos, Miguel Reale, Pedro Dalle Nogare, Ubiratan Macedo, Vilém Flusser (LADUSÂNS, Stanislavs (org.). Rumos da Filosofia Atual no Brasil - Em Auto-Retratos. Primeiro Volume. São Paulo: Loyola, 1976).
Em seu autorretrato João Camilo mostrava que não se podia confundir o historiador ou prosador da filosofia com aquele dotado de atitude filosófica:

Ser filósofo não é apenas saber falar dos pré-socráticos ou das filosofias indianas, de Kant e Suárez, de Tomás de Aquino e Sartre. Ser filósofo é ter uma razão para viver, fundada na Razão, reconhecendo que os problemas humanos, quer sejam os problemas últimos e universais da vida e da morte, quer sejam problemas concretos da vida política e social, são essenciais e devem ser colocados além das paixões e dos interesses mesquinhos. O filósofo deve seguir o exemplo de Sócrates, mesmo com o risco da cicuta, indo pelas praças e ruas para mostrar aos homens como devem viver. Precisa, como Sócrates e Platão, viver os problemas de seu tempo. Devem os filósofos considerar que a Filosofia não é apenas o seu ofício de professores ou eruditos, mas a sua lição, para que os homens aflitos e angustiados tenham razões nobres de viver (TORRES, “O meu filosofar sobre a história”, em LADUSÂNS, Stanislavs (org.). p. 358).


E seu modo de pensar tinha um pressuposto: brasileiro, especialmente mineiro. Minas era a raiz do pensamento camiliano pois era seu lugar de retorno, de reencontro, de remissão ao passado, de reconstituição da realidade; lugar natal e permanente do nosso autor, de onde jamais quis sair e jamais deixou de pensar. Fez raras viagens ao exterior, e no Brasil, embora a predileção fosse por idas a Petrópolis e Rio de Janeiro, recusou cargos nesta cidade – como o de diretor do Arquivo Nacional - para poder permanecer em Belo Horizonte.

Nos textos sempre buscava uma oportunidade para fazer alguma menção aos feitos mineiros, a guerra dos Emboabas, a Inconfidência, aos grandes personagens do Império cuja terra natal era Minas, a moderação da província na República, o papel central do governador Magalhães Pinto para as mobilizações cívico-militares de 1964, e, sobretudo, as características geográficas do lugar e o modo de ser do povo mineiro - seus hábitos, costumes, temperamento. Sem contar a relação de Minas com o Estado e a religião, da importância do municipalismo, da vivência cívica, e como a presença religiosa era forte no povo. Definitivamente, Minas era sua escola.
Compreendeu como poucos o âmago da terra e do “espírito mineiro”, e daí fez do regional a projeção para o nacional. Tratava-se de um método que se aproximava do desenvolvido por Gilberto Freyre, referência importante para um dos mais “sociológicos” livros de João Camilo, “O homem e a montanha. Introdução ao estudo das influências da situação geográfica para a formação do espírito mineiro”, de 1944.

Ao todo João Camilo publicou 57 livros, sendo a maioria de sua autoria exclusiva. Dos póstumos há um inédito de 2016, e em 2017 a Livraria da Câmara dos Deputados Federais reeditou 8 obras de João Camilo de Oliveira Torres. No Centro de Memória da PUC-Minas há livros não publicados e muitos manuscritos inéditos. No rol de seus trabalhos há ainda três traduções e centenas de artigos em revistas e jornais.

Através da Hemeroteca Digital Brasileira é possível acessar uma vasta quantidade de menções e artigos de João Camilo de Oliveira Torres. Trata-se de referências que surpreendem pela profundidade que o autor ataca os assuntos e como se preocupava em conceituar e ensinar.

Referências:

Antônio Carlos Villaça, “A democracia coroada”, em Jornal do Brasil, 1o caderno, 3a feira, 21 de junho de 1960 - http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/6444?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Edgar G. Mata-Machado traçou o perfil intelectual de João Camilo de Oliveira Torres num longo ensaio publicado no Suplemento Literário (jornal O Estado de São Paulo), de 07 de dezembro de 1980 - "O pensamento de Oliveira Torres"
http://memoria.bn.br/docreader/098116x/9364?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Revista do Livro, publicação da Biblioteca Nacional, n. 18 de 1960. "A ficção científica como fantasia pura ou a vingança de Dom Quixote", João Camilo de Oliveira Torres
http://memoria.bn.br/DocReader/393541/5767?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Jornal do Brasil, Suplemento Dominical, Sábado, 10 de setembro de 1960, comentário sobre um ensaio de João Camilo publicado na Tribuna da Imprensa: "No SL da Tribuna da Imprensa (27.8.60), Joao Camilo de Oliveira Torres lembra-nos que um dos maiores obstáculos ao progresso reside na incompreensão do valor da pesquisa do passado que para muita gente não passa de ocupação ociosa de eruditos. Acredita JCOT que o Brasil é possivelmente o país onde menos se estuda a própria História e onde parece haver a maior preocupação de denegrir-se o passado"
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/9738?pesq=%22joão%20camilo%20de%20oliveira%20torres%22

Revista O Cruzeiro, ed. 33 de 1962. Trata do livro "O Presidencialismo no Brasil", de João Camilo de Oliveira Torres
http://memoria.bn.br/DocReader/003581/143002?pesq=%22oliveira%20torres%22

Revista do Livro, n. 39 de 1969. Entrega dos Prêmios Literários Nacionais, relativos a 1968. Na ocasião João Camilo foi agraciado com o "Prêmio do INL de História do Brasil" pelo livro "Os Construtores do Império".
http://memoria.bn.br/DocReader/393541/9028?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Alterosa, Revista, de Minas Gerais, setembro de 1961, edição n. 345. Saudava o lançamento do "novo livro de João Camilo", publicado pela Itatiaia, "Harmonia Política". O livro trata de reformas de governo, reforma eleitoral, democracia, e tudo dentro de uma ótica tomista.
http://memoria.bn.br/DocReader/060135/22898?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sábado, 23 de janeiro de 1960. Em "Figuras da História Religiosa", João Camilo explica os tipos de autoridade, religiosa e política.
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/302?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sábado, 14 de maio de 1960. "Ameaça Fascista?", ensaio de João Camilo
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/1972?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sábado 28 de maio de 1960. "A Crise Política Brasileira", João Camilo
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/2180?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sábado 18 de junho de 1960. "A Desconcentração do Poder", João Camilo. O ensaio observa a necessária reforma do estado brasileiro, a repulsa do povo à estatização, a demanda por eficiência dos órgãos públicos, e a explicação do conceito de corporacionismo (diferente de corporativismo) - que compreende o ideal de desconcentração do Estado e ao mesmo tempo fortalece grupos conforme as atividades, de modo que os grupos interessados participem da gestão e do controle das instituições públicas. Definitivamente, o texto é uma aposta no que hoje chamamos “terceiro setor”.
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/2481?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sábado, 2 de julho de 1960. "Introdução à Teoria Política", João Camilo fazia um movimento original: pensava a teoria através dos personagens brasileiros. Não teorizava na alienação, pelo estrangeiro; mas fazia pela realidade, pela trajetória que nos constituiu.
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/2702?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sexta-feira, 19 de agosto de 1960. "O Mito", João Camilo
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/3394?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Ainda sobre o assunto, João Camilo publicou no Suplemento Literário (OESP), em 26 de maio de 1962, "O mito do herói-salvador".
http://memoria.bn.br/DocReader/098116x/1718?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sábado, 28 de janeiro de 1961. “Desafio de 1822”, João Camilo analisa que tal “desafio” foi cumprido: a unidade, a emancipação dentro da tradição, a criação de instituições nacionais. A própria Biblioteca Nacional é o resultado desse processo.
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/5779?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Sobre o primeiro livro de análise do fenômeno positivista, "O Positivismo non Brasil"
http://memoria.bn.br/DocReader/098116x/294?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Suplemento Literário (OESP), 17 de janeiro de 1959. "O sentido ecumênico da civilização brasileira", João Camilo falava de uma “civilização brasileira”.
http://memoria.bn.br/DocReader/098116x/708?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

A Ordem, revista católica, outubro de 1946 (Vol. XXXVI). O intelectual mineiro pensava ainda enquanto "civilização cristã", católica, como o fez no artigo sobre Bernanos
http://memoria.bn.br/DocReader/367729/17728?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Suplemento Literário (OESP), 10 de outubro de 1959. Concepção da nação brasileira ao tratar do nacionalismo e do tradicionalismo no país em "Nacionalismo e tradicionalismo", João Camilo de Oliveira Torres
http://memoria.bn.br/DocReader/098116x/925?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Suplemento Literário (OESP), 24 de dezembro de 1959. "Renascimentos e restaurações", nesse artigo João Camilo observa os períodos históricos, as transformações, e como há algo pendular nos acontecimentos, entre renascimentos e restaurações.
http://memoria.bn.br/DocReader/098116x/991?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Suplemento Literário (OESP), 26 de março de 1966. "Definição de povo", João Camilo. O interesse não era opiniático, mas formador. Intelectual-professor. Seus artigos traziam conceitos, definições, análises, aprofundamentos, ensinamentos.
http://memoria.bn.br/docreader/098116x/2869?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Correio Paulistano, sábado, 8 de julho de 1961. “Previdência e reforma social”, João Camilo, que dedicou parte de seus escritos e sua atuação no funcionalismo público para tratar da Previdência Social no Brasil.
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_11/8196?pesq=%22Oliveira%20Torres%22

Suplemento Literário (OESP), de 20 de junho de 1971. "O paradoxo das revoluções brasileiras", João Camilo procurava compreender o caráter da revolução brasileira, que se fez em 1822
http://memoria.bn.br/docreader/098116x/4407?pesq=%22Oliveira%20Torres%22


Imagem em destaque: "O pensamento de Oliveira Torres", ensaio de Edgar G. Mata-Machado no Suplemento Literário (jornal O Estado de São Paulo), de 07 de dezembro de 1980
http://memoria.bn.br/docreader/098116x/9364?pesq=%22Oliveira%20Torres%22