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Literatura | As Aventuras de Lúcia Machado de Almeida

25 dez 2021

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Uma das mais conhecidas escritoras brasileiras de livros para crianças e jovens, Lúcia Machado de Almeida foi também pesquisadora, jornalista, mecenas e ativista cultural.

Lúcia (Santa Luzia, hoje São José da Lapa, MG, 1910 – Indaiatuba, SP, 2005) era a mais nova de uma família de onze filhos. Um de seus irmãos, Aníbal, se tornaria escritor, assim como dois sobrinhos: a dramaturga Maria Clara Machado, autora de peças como “Pluft, o Fantasminha”, e o professor e entomólogo Angelo Machado. Sua primeira infância transcorreu na Fazenda Nova Granja, após o que Lúcia estudou no tradicional Colégio Santa Maria, em Belo Horizonte. Nessa cidade passaria a maior parte da vida, ao lado do marido, o museólogo Antônio Joaquim de Almeida.

Segundo seu biógrafo, Régis Gonçalves, o apartamento do casal era uma espécie de “embaixada de Minas”, sempre aberto para escritores, artistas e pessoas ligadas ao movimento cultural. Ambos estiveram envolvidos na maior parte das iniciativas culturais que aconteceram em Belo Horizonte ao longo de várias décadas. Lúcia foi uma ativa colaboradora no trabalho de Antônio, ligado ao patrimônio cultural – ele atuou na direção do IPHAN em Minas Gerais e foi o primeiro diretor do Museu do Ouro, em Sabará.

Ainda de acordo com Gonçalves, Lúcia Machado de Almeida começou a escrever para periódicos a convite de Alberto Deodato, diretor do jornal “Folha da Noite”. Incumbiu-se de uma página feminina, que teve boa repercussão. Na mesma época, deu uma entrevista em que defendeu o papel e os valores tradicionais atribuídos às mulheres, posição que, mais tarde, viria a rever e considerar antiquada. Durante décadas, ela iria colaborar ativamente em jornais e revistas, bem como traduzir para o português obras de escritores como Astrid Lindgren e Honoré de Balzac.

Em 1943, Lúcia estreou como autora de livros infantis com “No Fundo do Mar”, no qual o Capitão de Polícia Cachalote precisa resolver um mistério com a ajuda de seu amigo Piabinha. O livro teve duas continuações, “O Mistério do Polo” e “Na Região dos Peixes Fluorescentes”, e as histórias com ambientação e criaturas marinhas como protagonistas ganharam as páginas dos periódicos.

Leia o conto “O Peixe Desconhecido”, publicado na Revista “Sombra”, em 1945.

O gosto pela aventura e pelas histórias de mistério e investigação marcou a maior parte dos trabalhos da autora mineira. Em 1951 ela publicou um de seus livros mais conhecidos, “O Caso da Borboleta Atíria”, ambientado dessa vez no mundo dos insetos. As pesquisas sobre entomologia talvez tenham sido o que inspirou a escrita de “O Escaravelho do Diabo”, que, antes de sair como livro, foi publicado em capítulos entre 1953 e 1954.

Leia um dos capítulos da publicação original de “O Escaravelho do Diabo” (“O Cruzeiro”, 1953). O livro alcançaria muito mais leitores e faria um enorme sucesso ao ser republicado na Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática, em 1974.

Em 1957, Lúcia publicou “Aventuras de Xisto”. Era o início de uma nova trilogia, protagonizada por aquele que disse ter sido o primeiro personagem criado por sua imaginação. Ela o descreveu como “uma espécie de símbolo quixotesco do idealismo e coragem da juventude”. De fato Xisto começa suas aventuras como cavaleiro andante, acompanhado por um escudeiro e enfrentando bruxos malignos. O segundo volume da trilogia, porém – publicado em formato de folhetim na revista “Alterosa”, em 1963, e lançado em livro quatro anos depois, quando ganhou o Prêmio Jabuti” –, é a aventura interplanetária “Xisto no Espaço”, e a mesma ambientação é encontrada em “Xisto e o Saca-Rolha”, lançado em 1974, cujo título mudou para “Xisto e o Pássaro Cósmico” a partir de 1983.

Veja a notícia sobre o lançamento de “Aventuras de Xisto” na revista “Leitura”, em 1957.

Além das obras para crianças e jovens, Lúcia Machado de Almeida foi autora de livros que proporcionavam “passeios” pelas cidades mineiras do ciclo do ouro: Ouro Preto, Sabará e Diamantina. Lúcia era profunda conhecedora da história e da cultura dessas cidades, tendo viajado à Europa e aos Estados Unidos, a convite do Ministério das Relações Exteriores, para conferenciar sobre o patrimônio cultural mineiro, em especial a obra de Aleijadinho. Além dos guias históricos, escreveu reportagens literárias sobre a vida local.

Leia o reconto de uma história de fantasmas, narrada pelo zelador de uma igreja de Ouro Preto, publicado na revista “A Cigarra” (1965).

A publicação de “O Escaravelho do Diabo” e, no ano seguinte, de “O Caso da Borboleta Atíria” na Coleção Vaga-Lume tornaram a escritora conhecidíssima a partir da década de 1970. Ela trouxe para a mesma coleção os livros de Xisto e, em 1979, publicou um novo romance juvenil, “Spharion”, ambientado em Diamantina e protagonizado por um jovem paranormal, Dico Saburó. Na década de 1980, ainda publicaria, pela Francisco Alves, um livro juvenil intitulado “O Falcão de Penas Salpicadas”, cujo mistério é ligado ao antigo Egito.

Em 1983, a revista “Manchete” registrou o sucesso de vendas das obras de Lúcia. Confira aqui.

Apesar de suas realizações e do bom trânsito que sempre teve no meio cultural e intelectual, Lúcia Machado de Almeida não deixou de enfrentar as dificuldades comuns a todas as escritoras, bem como aos autores dedicados ao público infantil e juvenil, até hoje considerado um gênero menor. Também não obteve, na época, o merecido reconhecimento por sua atuação na área do patrimônio histórico. Por outro lado, sua obra literária ajudou a formar gerações de leitores e inspirou futuros escritores brasileiros de suspense, mistério e literatura fantástica.


Lúcia Machado de Almeida na revista “Manchete”, 1970.