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Literatura | Um Artigo e um Manuscrito de Eça de Queiroz

26 dez 2020

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Ao mesmo tempo que, em terras britânicas, o irlandês Oscar Wilde escandalizava a sociedade com obras geniais e atitudes controversas, um importante nome da Literatura florescia em Portugal, com grande repercussão deste lado do Atlântico.

Mais conhecido pelo sobrenome composto, José Maria de Eça de Queiroz (Póvoa de Varzim, 25/11/1845 – Paris, 16/08/1900) foi o mais velho dos sete filhos de um magistrado nascido no Brasil, também poeta e escritor. Passou parte da infância na casa dos avós paternos e parte num colégio interno, de onde saiu aos dezesseis anos para estudar Direito em Coimbra. Na universidade conheceu, entre outros, os escritores Antero de Quental e Teófilo Braga, que mais tarde comporiam o grupo de intelectuais conhecido como “Geração dos 70”.

Ainda na universidade, ele começou a escrever textos jornalísticos e a fazer traduções literárias. Já formado, publicou seus primeiros trabalhos, em formato de folhetim, no jornal “Gazeta de Portugal” – textos escritos num estilo diferente do comum, que, se por um lado já revelavam traços da fina ironia com que Eça viria a compor suas obras mais maduras, por outro também traíam sua inexperiência. A observação é de seu amigo Jaime Batalha Reis, autor da introdução de “As Prosas Bárbaras” (1909), nas quais os textos da juventude de Eça foram postumamente publicados.

Após uma breve passagem por Évora, onde exerceu a advocacia, Eça de Queiroz regressou a Lisboa e se juntou ao grupo literário conhecido como “Cenáculo”, do qual faziam parte, entre outros, Batalha Reis, Ramalho Ortigão e Antero de Quental. Continuou a trabalhar como advogado e colaborou com vários periódicos. Em 1869 viajou para o Egito, onde assistiu à inauguração do Canal de Suez, e foi à Palestina, de onde traria anotações que, quase duas décadas mais tarde, utilizaria em seu romance “A Relíquia” (1887). Em 1870 ingressou na administração pública, tornou-se diplomata e passou a representar Portugal, primeiro em Havana, mais tarde na Inglaterra e, por fim, em Paris.

O primeiro romance realista de Eça de Queiroz veio à luz em 1875. Tratava-se de “O Crime do Padre Amaro”, que fez muito sucesso com o público e teve ótimas apreciações por parte dos literatos, mas também duras críticas vindas dos representantes da Igreja Católica. Também Machado de Assis -- com o qual Eça de Queiroz viria frequentemente a ser comparado -- o criticou, embora por outros motivos: acreditava que o livro copiava a premissa do romance de Émile Zola “La Faute de l´abbé Mouret” (do que Eça se defendeu, dizendo que ambas as obras apareceram no mesmo ano) e, ainda, que continha traços exagerados, sensacionalistas.

Apesar disso – ou talvez por causa disso? --, a obra de Eça de Queiroz ganhou uma visibilidade cada vez maior no Brasil. Como afirma Cristiane Tolomei em sua tese “Eça de Queirós e os brasileiros” (USP, 2010), a crítica de Machado de Assis no século XIX abriu caminho para que outros brasileiros se interessassem e passassem a considerar a obra de Eça um patrimônio comum entre o Brasil e Portugal. Segundo Tolomei, as obsrvações feitas por Machado sobre “O Primo Basílio” (1878) se tornaram um parâmetro para análises que viriam ao longo do século XX, iniciando-se pelo primeiro livro de crítica literária a ele dedicado: “Eça de Queiroz”, de Miguel de Mello (1911).

Em 1880, o escritor português se tornou correspondente na Europa da “Gazeta de Notícias”, jornal fundado em 1875 e publicado no Rio de Janeiro. O jornal se preocupava em promover atividades literárias e artísticas, tornando-as mais populares. Ao mesmo tempo, os textos não-ficcionais de Eça de Queiroz, de modo geral, falavam a favor da importância da imprensa para a vida social europeia, o que, por meio da sua colaboração, agora se estendia aos leitores brasileiros.

A participação do escritor português na “Gazeta” se estendeu até 1897, de forma irregular, e incluiu cartas, trabalhos de ficção e seis números de um suplemento literário especial publicado em 1892. Os textos podem ser acessados na Hemeroteca Digital. Aqui destacamos uma carta sobre o escritor francês Victor Hugo, publicada no “Almanack da Gazeta de Notícias” em 1885.

Além do trabalho jornalístico, de traduções como a que fez de “As Minas do Rei Salomão”, de H. Rider Haggard (publicada em 1889 e 1890 em Portugal, e que mais tarde saiu no Brasil pela Ediouro – uma obra literária por si só) e dos livros já citados, Eça de Queiroz escreveu vários outros, dentre os quais se destacam a saga familiar “Os Maias” (1888), o imaginativo romance de formação “A Ilustre Casa de Ramires” (1900) e “Correspondência de Fradique Mendes” (1900), cujo protagonista é o aventureiro do mesmo nome, criado numa parceria entre Eça e o escritor Ramalho Ortigão.

Boa parte da obra de Eça de Queiroz foi publicada postumamente. Isso inclui seu último romance, “A Cidade e as Serras”. Seu protagonista, o jovem Jacinto, é um adepto do Positivismo de Augusto Comte, o qual, no entanto, acaba por abandonar em favor da atitude mais simples e objetiva que adquire ao trocar a cidade pelo campo. Uma das páginas do manuscrito original integra a Coleção Literatura da Divisão de Manuscritos; nele podemos ver o quanto o autor corrigia e reescrevia o texto, cuja versão impressa difere bastante da inicial. O documento digitalizado pode ser consultado acessando o link.