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Livros de Aventura | Chamado Selvagem e Caninos Brancos

12 jun 2022

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Não é surpresa que alguns dos mais famosos livros de aventura tenham sido escritos por autores que foram, eles também, viajantes e aventureiros. É o caso de Jack London, que, no início do século XX, produziu obras emblemáticas sobre a vida em condições e circunstâncias inóspitas.

John Griffith Chaney (Califórnia, EUA, 1876 – 1916) nasceu numa família de classe trabalhadora e passou por duras experiências que viria a retratar em suas obras. Foi operário em várias fábricas, marinheiro, andarilho, esteve na prisão e participou de protestos movidos por trabalhadores desempregados. Incentivado a ler, quando criança, pela bibliotecária Ina Coolbrith (que, mais tarde, se tornaria a primeira poeta premiada da Califórnia), ele seguiu com seus estudos de forma errática; chegou a cursar algumas disciplinas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mas sua educação se deu sobretudo de modo autodidata, lendo e escrevendo após extenuantes jornadas de trabalho.

Aos vinte anos, já usando o pseudônimo Jack London – London era o sobrenome de seu padrasto, que o criou desde bebê --, o jovem publicou seu primeiro conto, “Tufão na Costa do Japão”, que venceu o concurso promovido pelo jornal “San Francisco Call”. No ano seguinte, 1897, embarcou rumo à corrida do ouro que atraiu inúmeros aventureiros para o Klondike. A passagem por aquela região gelada durou menos de dois anos e cobrou caro de sua saúde, mas propiciou vivências e reflexões que embasariam vários contos e livros. Ao retornar à Califórnia, e após um duro período lutando para vender suas histórias a revistas e jornais, ele iniciou uma carreira de sucesso, e em pouco tempo se tornou uma celebridade mundial.

“Aventuras de um novelista norte-americano”: as andanças de Jack London contadas no jornal brasileiro “A Notícia”, 1916.

Em 1924, a revista “Eu Sei Tudo” publicou o conto “To Build a Fire”, um dos mais famosos do autor. O título atribuído foi “Nas Neves do Alaska”. O tradutor não foi creditado. O nome do autor aparece, primeiro, como “Jackes” London.

Em meio à escrita de seus mais de vinte romances e outros tantos livros de contos, Jack London empreendeu várias viagens ao redor do mundo, foi jornalista, correspondente de guerra e ativista social. Produziu artigos sobre a luta de classes e o livro-reportagem “O Povo do Abismo”, em que denunciou as condições de vida dos trabalhadores no Reino Unido. Também escreveu romances autobiográficos, obras distópicas e de viagens no tempo, contos ambientados no Havaí e nos Mares do Sul, entre muitas outras histórias. As mais conhecidas e celebradas, principalmente quando se trata de livros de aventura, são “O Lobo do Mar”, que transcorre a bordo do barco de um caçador de focas no Oceano Pacífico; e duas histórias sobre cães, cujos títulos originais são “The Call of the Wild” (1903) e “White Fang” (1906).

Em 1934, numa carta endereçada a Godofredo Rangel, Monteiro Lobato comentou estar traduzindo obras de Jack London, o que alguém teria feito, anos antes, “de forma massacrante”. Suas traduções de “White Fang”, que aqui se chamou “Caninos Brancos”, e “The Call of the Wild”, cujo título virou “O Grito da Selva”, saíram, respectivamente, em 1933 e 1935, pela Cia. Editora Nacional. O termo “wild”, usado por Jack London para se referir a toda uma região inóspita, já fora traduzido por Lobato como “selva” em “Caninos Brancos”, conforme explicado por ele em nota de tradução.

No ano de publicação do livro, a tradução lobatiana de “Caninos Brancos” também saiu no Diário de Notícias”.

Segundo declaração do próprio Jack London, “The Call of the Wild” e “White Fang” são obras complementares. A primeira acompanha a história do cachorro Buck, que, tirado de casa e levado a trabalhar como cão de trenó, pouco a pouco retorna à condição selvagem, ao passo que na segunda é um mestiço de cão e lobo que entra em contato com os humanos. Juntamente com “O Lobo do Mar”, também traduzido por Lobato em 1934, esses livros compõem uma espécie de “trilogia da aventura”, trazendo histórias emocionantes, personagens e cenários pintados com cores vivas e propiciando reflexões sobre o homem, a natureza e o conflito entre os instintos e a civilização. Foram eles, publicados em edições baratas e de grande tiragem, que garantiram a enorme popularidade de Jack London durante sua vida, levando-o a ser traduzido em dezenas de idiomas. O autor teve ainda muitas de suas obras adaptadas para o cinema – a primeira versão de “O Lobo do Mar” para as telas data de 1913, e dez anos depois viriam filmes baseados nos outros dois volumes da trilogia aventureira. Novas versões, inclusive de animação, surgiram nas décadas seguintes, bem como adaptações para quadrinhos.

Os livros de Jack London foram bem recebidos no Brasil, mas, ao longo do tempo, não mantiveram a mesma popularidade que outros clássicos de aventura ainda têm junto ao grande público. O mais conhecido, hoje, é “The Call of the Wild”, que circulou bastante no país após ser traduzido e adaptado por Clarice Lispector para a Ediouro em 1970, com o título “Chamado Selvagem”. O livro protagonizado pelo cão Buck costuma ser a porta de entrada para que leitores brasileiros conheçam a prosa vigorosa de Jack London, ambientada em cenários tão selvagens quanto fascinantes.



Jack London no Klondike. Fonte da imagem: “O Tico-Tico”, 1955