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Livros de Aventura | Tom Sawyer e Huckleberry Finn

01 set 2022

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Tidos como dois dos mais importantes romances estadunidenses, “As Aventuras de Tom Sawyer” e sua sequência, “Aventuras de Huckleberry Finn”, não se limitam a narrar as aventuras descritas no título, mas agregam elementos de humor, sátira e crítica social, além de um pano de fundo que remete à biografia do autor.

Mark Twain, cujo nome verdadeiro era Samuel Langhorne Clemens (Missouri, 1835 – Connecticut, 1910), cresceu em Hannibal, Missouri, uma cidade portuária próxima ao rio Mississipi. Órfão de pai aos onze anos, tornou-se aprendiz de tipógrafo, trabalhou em vários jornais e, ainda na adolescência, publicou seus primeiros artigos e textos humorísticos. Aos 18 anos deixou Hannibal e foi trabalhar em cidades maiores, como Nova York e Cincinnati, onde frequentava bibliotecas públicas para completar sua educação. Seu maior desejo na época, no entanto – o qual, segundo ele, compartilhava com todo garoto criado às margens do Mississipi –, era se tornar piloto de vapor, para o que estudou e praticou até conseguir uma licença. Foi do vocabulário dos pilotos que surgiu seu pseudônimo, “Mark Twain”, literalmente “Marca Dupla”, que sinaliza a profundidade de 12 pés, segura para navegação.

Com o início da Guerra Civil em 1961, Samuel Clemens deixou o emprego, trabalhou por algum tempo com seu irmão Orion e depois numa mina de prata. Voltou, então, aos jornais, dessa vez como escritor e redator. Em 1863 usou pela primeira vez o pseudônimo Mark Twain, num jornal publicado em Nevada. Seu livro de estreia, “A Celebrada Rã Saltadora do Condado de Calaveras”, saiu em 1867 e reunia vários contos publicados em periódicos. Outros se seguiram, entre os quais “The Innocents Abroad”, em que narra, de forma bem-humorada, sua excursão à Terra Santa no navio “Quaker City”. Nessa viagem conheceu Charles Langdon, e este o apresentou a sua irmã Olivia, com quem Mark Twain se casou em 1870. O casal teve quatro filhos.

Veja uma biofotografia de Twain na “Vamos Lêr!” (1944).

Leia um anúncio sobre sua morte, publicado na “Fon Fon” (1910).

Criativo, amante da tecnologia e empreendedor às vezes imprudente, Mark Twain passou por dificuldades pessoais e financeiras, algumas das quais resolveu com ajuda da Literatura: entre 1894 e 1900, fez uma turnê internacional dando palestras cuja receita lhe permitiu quitar suas dívidas. Sua obra foi marcada pelo tom humorístico e, frequentemente, por referências autobiográficas. Muitos de seus livros e contos se tornaram sucesso de vendas na época, e vários são conhecidos até hoje, tais como “O Príncipe e o Pobre” (1882) e “Um Ianque de Connecticut na Corte do Rei Artur” (1889), que trazem histórias permeadas por forte crítica social. Mas foram principalmente as aventuras de dois meninos que conferiram fama e posteridade aos escritos de Mark Twain.

Veja uma reportagem na revista “Manchete” sobre o Mississipi da época de Twain (1985), com texto do escritor Rubens Teixeira Scavone.

Tom Sawyer é um menino órfão, que vive com a tia e o meio-irmão na cidade ficcional de Saint Petersburg, Missouri. A cidade foi inspirada na Hannibal de Mark Twain, assim como o personagem parece ser uma projeção do autor quando criança: inventivo, dado a pregar peças e a desobedecer a regras, ainda que também corajoso, leal e de bom coração. Segundo estudiosos, Tom é o amálgama de Mark Twain e de alguns de seus companheiros de escola, enquanto outro colega serviu de modelo para o amigo e parceiro de aventuras Hucleberry Finn. Em “As Aventuras de Tom Sawyer”, Twain os faz viver peripécias que incluem a fuga para uma ilha deserta e a resolução de um assassinato, mantendo a credibilidade dos personagens juvenis e sem que a narrativa perca seu tom leve e bem-humorado.

Publicada em 1876, a obra teve três sequências, uma das quais, “Aventuras de Huckleberry Finn” (1884), fez tanto ou mais sucesso que o primeiro livro de Tom. Narrada pelo próprio Huck numa linguagem cheia de regionalismos, acompanha a viagem do garoto – que fugiu para escapar à violência paterna – em companhia de Jim, um negro escravizado e também fugitivo. Questões sociais e éticas se colocam em meio a uma narrativa cheia de aventuras, que às vezes beira o picaresco e que foi considerada um marco da literatura juvenil e da estadunidense. Ao mesmo tempo, desde o início o livro recebeu duras críticas, que condenavam desde a linguagem utilizada até a crueza de alguns episódios. Trata-se de um dos livros mais lidos pelos jovens nos Estados Unidos – e de um dos que mais sofreram censura e banimento em bibliotecas públicas e escolares ao longo de décadas.

No Brasil, vemos anúncios das edições em inglês dos livros de Mark Twain em jornais dos anos 1900 e 1910. Em 1931, ano seguinte ao lançamento de uma das inúmeras adaptações da história de Tom Sawyer para o cinema – a primeira ocorrera em 1917 --, “O Tico-Tico” publicou um resumo do livro em duas páginas. Veja aqui.

Em 1934, Monteiro Lobato, que regressara recentemente dos Estados Unidos, traduziu os dois livros para a Coleção Terramarear, da Cia. Editora Nacional. Como de hábito, adaptou a linguagem do narrador e dos personagens para a de uso corrente no Brasil, bem como optou por escrever de forma correta as falas que, no original, estavam gramaticalmente erradas. Segundo a análise de Patrícia Bronislawski e Mariana Cordeiro, da UNICENTRO, essa escolha pode ter contribuído para que os livros ficassem mais acessíveis aos jovens leitores, mas, por outro lado, apagou características importantes em alguns personagens e dificultou a percepção da realidade histórica e social retratada nas duas obras.  De modo geral, isso se repetiu nas edições seguintes, também voltadas para o público juvenil, tais como a de Duda Machado em 2004.

Atualmente, estão em catálogo edições integrais pela Nova Fronteira, bem como uma edição de “Huckleberry Finn” pela Zahar, com as necessárias notas de tradução. Justamente o que é preciso para fazer cumprir os planos declarados de Twain para essas obras: não apenas entreter meninos e meninas, mas “levar os adultos a lembrar o que eles foram um dia, como se sentiam, os planos que faziam e as peripécias em que se metiam às vezes.”



Anúncio do filme “Tom Sawyer”, com Jackie Coogan no papel principal. “O Tico-Tico”, 1931.