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Cidade Marina – a miragem de Oscar Niemeyer para o sertão mineiro

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“Operação Marina”: ascensão da fase comercial e publicitária do projeto

por Gabriel Oliveira
Após a grande repercussão das primeiras divulgações de cidade Marina nos principais periódicos do país entre os meses de junho e novembro de 1955, os responsáveis pelo empreendimento começaram a apostar em estratégias publicitárias audaciosas para alcançar um público disposto a adquirir os terrenos na colônia agropecuária, mesmo antes do início da construção da cidade. O marco inicial desse processo se dá com o anúncio da chamada “fase comercial” do projeto, com o lançamento de mil lotes que abrangiam o complexo da Fazenda Menino para venda. Veiculou-se a manchete “Marina inicia sua fase comercial” de forma extensiva em diversos periódicos nacionais durante o mês de novembro de 1955, marcando o início da comercialização efetiva dos lotes da colônia (conforme observado em Tribuna da Imprensa 1955a; Diário de Notícias 1955a; Gazeta de Notícias 1955; O Jornal 1955; Última Hora 1955b; Diário da Noite 1955; A Noite, 1955a).



Figura 1 - Fase comercial da Cidade Marina. Fonte: Diário da Noite (1955).

A repercussão dessa fase publicitária de cidade Marina foi emblemática se a compreendermos em paralelo aos acontecimentos políticos então em jogo. Consumadas as eleições presidenciais de outubro de 1955, confirmava-se a vitória do político mineiro Juscelino Kubitschek, cuja pauta de campanha incluía a proposta de construção de uma nova capital para o Brasil, no Planalto Central. Os interesses vinculados à concretização de Brasília impulsionavam o projeto de Marina a ganhar ainda mais força na imprensa, estimulando seus idealizadores a investirem profundamente no ramo da publicidade.

Desta forma, a trajetória publicitária e comercial do projeto teve como estratégia uma divulgação sistemática das terras na Colônia Agropecuária do Menino, vinculada principalmente à promessa de construção da “moderníssima” cidade Marina. No início do mês de novembro de 1955, por exemplo, na imprensa brasileira, eram apresentadas três peças publicitárias ao longo da mesma semana: “Garanta seu dinheiro e seu futuro” (Figura 2); “Extraordinário interesse! Cerca de 300 fazendas vendidas na semana do lançamento, somente no Rio” (Figura 3 )[1]; e “Seja você também você um fazendeiro feliz” (Figura 4). Com algumas variações, tais inserções traziam informações semelhantes, operando como os primeiros impulsos comerciais dos terrenos da colônia agropecuária. “O início da patriótica marcha para o oeste” começava a ser viabilizado a partir da venda dessas propriedades, em condições onde também eram oferecidas formas de financiamento para a construção de residências dentro da “nova e moderna cidade Marina” (Diário de notícias, 1955c). Ao focar naqueles que “acreditam no progresso, na técnica e na capacidade de realização” do povo brasileiro, as mensagens dos anúncios na imprensa transmitiam uma combinação de ares de otimismo em relação ao desenvolvimento do país com expectativas de aproveitamento das oportunidades de valorização do preço de mercado daquela região.







FIGURAS 2, 3 e 4: Primeiras publicidades para vendas de terrenos na Fazenda Menino.

Fonte: (2) Tribuna da Imprensa, 1955b; (3) Diário de Notícias, 1955b; (4) Diário de Notícias, 1955c.

A partir da constituição oficial da “Colonizadora Agrícola e Urbanizadora S.A.”, reconhecida pela sigla CAUSA, em junho de 1956, o percurso histórico das terras da Fazenda Menino passou a ser mais detalhado entre os periódicos brasileiros. A colonizadora era composta por diversos nomes relevantes da política nacional naquele momento, de forma que dos vinte e oito membros da sociedade (presidência, gerência, conselho fiscal e consultivo), dezesseis eram congressistas: quatorze deputados e dois senadores[2]. O nome “Marina”, inclusive, passou a ser associado diretamente a Marina Romana Martins Gomes, que havia adquirido glebas no local ainda no ano de 1955, do espólio de Trajano Viriato Sabóia de Medeiros[3]. Com a compra das terras e a transferência de posse da propriedade de Marina para a CAUSA, os 89 mil hectares no total foram loteados e divididos em mil fazendas, para que se iniciasse seu processo de colonização agrícola, tendo como pólo urbano catalisador a cidade Marina.

Nesse momento, já contando com a “simpatia” do governo federal[4], o apoio expresso do governo de Minas (Figura 6) [5] e ainda contando com maciça divulgação na imprensa nacional, os idealizadores da cidade Marina demonstravam confiança na viabilização da empreitada.



Figura 6 - Lançamento oficial do projeto da Cidade Marina em Belo Horizonte, com destaque para a fotografia que marca a presença do governador Bias Fortes. Fonte: Correio da Manhã (1956a)

Tal marca de otimismo fica expressa em uma das mais importantes propagandas relacionadas ao projeto, apresentada ainda durante o ano de 1956. Com o título “O Brasil volta as costas para o mar e apresenta aos brasileiros, às portas da nova capital federal, a cidade Marina”, a peça foi replicada em jornais de grande circulação como o Correio Paulistano (1956), Diário da Noite (1956), Tribuna da Imprensa (1956), O Jornal (1956), Correio da Manhã (1956b) e Diário de Notícias (1956). Além do título marcante, que induzia o deslocamento do olhar dos brasileiros do litoral para um interior ainda despovoado e desprovido de atenção do poder público e da esfera privada, uma sequência de palavras, expressões, adjetivos e características operavam na retórica valorizadora de cidade Marina na publicidade: “Cidade Parque – Cidade Indústria – Cidade Riqueza – Futura Capital do Médio São Francisco – Entreposto comercial de toda a região – e satélite da nova Capital Federal” (Correio da Manhã, 1956b).

O conteúdo dessa propaganda simulava uma espécie de “canto do cisne” do mito da “marcha do oeste” do Brasil dos anos 50. Ali estavam o cerne do discurso sobre o legado patriótico da proposta e da ideia de integração demográfica e socioeconômica no Brasil. Persuasivo, tal conteúdo dava visibilidade também a outros projetos de colonização que avançariam com mais força nas décadas seguintes no interior do país, ancorados no envolvimento de grandes empresas colonizadoras, onde potenciais proprietários de terras muitas vezes eram associados a rentistas e especuladores. Assim como os “primeiros compradores de terras nas metrópoles brasileiras” adquiriam grandes propriedades que se valorizavam concomitantemente ao crescimento de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, Brasília e Marina também se apresentavam, naquele momento, como nucleações complexas com grande capacidade de “progredir da noite para o dia” (Correio da Manhã, 1956b).



FIGURA 7: Publicidade da “Operação Marina”. Fonte: Correio Paulistano, 1956.

 

[1] Pelo que consta nas informações divulgadas pelo Diário de Notícias (1955b), a iniciativa resultou na venda de trezentas fazendas (de um total de mil) apenas na primeira semana.

[2] Formada por integrantes da aliança ligada ao governo JK, entre o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileira (PTB). Nela, estavam presentes os nomes de Vieira de Melo, líder na Câmara, e dos deputados Anísio Rocha, Eunápio Peltier de Queiroz, Nestor Jost, Victor Issler, Jerônimo, Dix-Huit Rosado, Aziz Maron, Croacy Oliveira, Mário Palmério, Colombo de Souza, Valter Bezerra de Sá, Rubem Berardo e Menotti del Pichia, além dos senadores Fausto Augusto Borges Carvalho e Gilberto Marinho.

[3] O ato da assembleia geral de constituição da CAUSA pode ser acessado na edição do dia 21 de julho de 1956 do Jornal do Commercio (Jornal do Commercio, 1956).

[4] O presidente Juscelino Kubitschek, segundo A Noite, vinha sendo simpático ao projeto da cidade planejada por Niemeyer, certamente motivado pelos potenciais benefícios da proposta ao desenvolvimento do interior do Brasil, atrelados à iminente transferência da capital da República para o Planalto Central.

[5] O lançamento do projeto na capital mineira, Belo Horizonte, teve cerimônia no dia 24 de agosto daquele ano, nos salões da sede da Federação das Indústrias, ganhando grande destaque no Correio da Manhã: “Oficialmente lançada em Belo Horizonte a ‘Operação Marina’. Calorosa acolhida dispensada pelo Governo de Minas, altas autoridades e todas as forças produtoras do Estado” (Correio da Manhã, 1956a). Na longa reportagem do periódico foram publicadas duas amplas fotografias com o governador do Estado, Bias Fortes, e com o prefeito de Belo Horizonte, Celso Azevedo, ambos demonstrando apoio e debatendo a proposta com os idealizadores (Figura 6).

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