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A França no Brasil | La France au Brésil

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Marinheiros e corsários

Corsários do Rei: Poeira de império e corrida do ouro

“Noite medonha”: é assim que René Duguay-Trouin, corsário de Saint Malo, evoca em suas memórias a tomada e pilhagem da cidade do Rio de Janeiro em 1711.

Ao sair de Saint Malo à frente de um frota de 17 navios e de 5000 homens, Dugay-Trouin desejava levar o nome francês ao novo mundo, atacar uma colônia florescente e vingar a morte de Jean-François Duclerc. Em 1710, este último fora enviado com uma esquadra de 1200 homens para tomar a cidade; fracassara por pouco, terminando por ser preso e morrer assassinado. Em setembro do ano seguinte, uma imponente frota francesa rasga a bruma que cobre a Baía do Rio de Janeiro e surpreende as defesas brasileiras. Duguay-Trouin força a entrada da enseada, distribui seus homens e sua artilharia, e começa as tratativas com as autoridades coloniais que, num primeiro momento, refutam qualquer negociação. Mas a chegada de reforços vindos de Minas Gerais demora muito e, na noite de 21 para 22 de setembro, a cidade é evacuada. Marinheiros e corsários desembarcam em uma cidade aberta e, logo a seguir, saqueada. A rendição assinada, o resgate exigido e o resultado do espólio são de sonho: quilos de ouro, prataria, víveres, açúcar...

Este episódio espetacular, e apreciado de maneira diversa, iria marcar por muito tempo os espíritos. Ele coroava a época da pirataria, consagrava a figura heróica do corsário e se inscrevia na cena de uma guerra européia transportada para mares longínquos.

Alvo recorrente desde a tentativa frustrada da França Equinocial, o Brasil conservou um lugar nos cálculos do reino de uma França que afirma a sua preponderância e seu desejo de hegemonia na Europa.

Viajantes descobriam as sociedades coloniais do Rio de Janeiro, da capital São Salvador da Bahia de Todos os Santos, as expedições paulistas ao interior do país, a rota do ouro dos mares do sul (de Pyrard de Laval em 1615 a François Froger em 1698). E se o gosto pelo exótico às vezes ainda domina, a conquista holandesa do nordeste brasileiro (1630-1654) permitiu uma verdadeira redescoberta do território (Pierre Moreau...). A partir da segunda metade do século, as navegações francesas alimentam as ambições coloniais do rei, mesclando buscas de informações, intenções militares e comércio.

Após um meio século de conivência franco-portuguesa que autorizou, por exemplo, a instalação de missões franciscanas no nordeste (Martin de Nantes), o clima se deteriora, com um ponto de cristalização sobre o espaço brasileiro. Os conflitos dinásticos e territoriais na Europa — as guerras da da liga de Augsburg (1688-1697), depois a sucessão da Espanha (1701-1713) — acarretam tensões crescentes. A França faz valer antigas pretensões sobre o Brasil, especialmente em torno da Amazônia. Estes atritos atingem o ponto de ruptura em 1703-04, momento em que Portugal opta pela aliança inglesa contra a França e fecha os portos brasileiros aos navios franceses, cujas escalas para descanso já eram a muito custo toleradas (Froger; Frézier).

Esta fase de hostilidade consagra a guerra de corso, Luís XIV dando toda liberdade a seus flibusteiros para atacar. Portugal e suas possessões são diretamente atingidos, visto que à mesma época são descobertas jazidas de ouro em Minas Gerais (Antonil). Os produtos eram estocados no Rio antes de serem encaminhados à metrópole. Pois é no contexto da guerra e do atrativo do ouro que é preciso situar as operações de Duclerc e de Duguay-Trouin, que partiram para se abastecer diretamente na fonte.

A pirataria serviu de maneira decisiva à política expansionista de Luís XIV. No Brasil, a consequência do ataque é imediata. Um engenheiro francês foi encarregado de reformar o sistema decisivo da cidade construindo uma muralha, hoje desaparecida. Para garantir a proteção — e um melhor controle — dos súditos e das frotas, a sede do vice-reino foi tranferida para o Rio de Janeiro.

A paz de Utrech, assinada em 1713, paradoxalmente iria abrir um novo palco de conflitos mais ao norte, em torno das margens do Amazonas.


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