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A França no Brasil | La France au Brésil

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Realistas e parnasianos no Brasil

As correntes pós-românticas em poesia no Brasil datam dos anos de 1870 em diante, marcados, por vezes, pelo convívio meio promíscuo entre vertentes estéticas antagônicas em seu contexto de formulação original, como a França, levando, assim, realistas, parnasianos e simbolistas à incorporação de concepções de mundo e de arte, bem como de recursos formais e procedimentos estilísticos dos movimentos vizinhos, em flagrante contradição. Tratemos, aqui, dos dois primeiros.

O decênio de 1870 foi ainda marcado pelo poesia social hugoana – que já atingira seu ápice na última geração romântica, de Castro Alves . Os representantes da chamada Escola do Recife, Tobias Barreto e Sílvio Romero, seguidos por outros poetas menores orientados por convicções antimonárquicas, materialistas e positivistas, acreditavam, como diz Alfredo Bosi, demolir, por meio da poesia libertária, o « conservantismo romântico que se ajustara tão bem ao sistema de valores do Segundo Império. [...] O Diário do Rio de Janeiro registra nas suas colunas literárias o momento agudo da febre : é a ‘Batalha do Parnaso’ (que nada tem a ver com parnasianismo), na qual se protestam os direitos da Ideia Nova, expressão igual a realismo, a democracia, a liberdade [...] Reagindo ao que havia de caduco na pieguice dos ultimos intimistas, [...] abria-se [...] caminho para o exercício de outra linguagem, mais aderente aos sentidos, ao corpo, aos objetos que nos cercam.»

Se o Hugo de Châtiments serviu de estímulo à poesia social, Baudelaire serviu de inspiração à lírica amorosa dessa geração de 1870, “com o reforço mediador decisivo dos portugueses da “geração de 65”, que, como nota Antonio Candido, já tinham enfeixado ambos na sua obra (Quental, Guerra Junqueiro e Gomes Leal)”. A presença mais característica do autor de Les fleurs du mal na obra de pretensos realistas, como Carvalho Jr e Teófilo Dias, se deveu não tanto ao satanismo (mais acentuado adiante, nos simbolistas brasileiros), mas a um sensualismo exacerbado (chegando às raias do canibalismo amoroso), duramente criticado por Machado de Assis no balanço feito à época dessa poesia em “A nova geração”. Lembrava, inclusive, em sua condenação, o horror do poeta francês pelo rótulo de realista (“esse epíteto grosseiro”, diria ele). Como nota Candido, Machado tinha formalmente razão, mas a deformação de Baudelaire promovida por esses poetas, de acordo com suas necessidades expressivas, foram muito adequadas à renovação que pretendiam promover. O “descompassado amor à carne” e o “satanismo” representavam atitude de rebeldia, ao fazerem “do sexo uma plataforma de libertação e combate, que se articulava à negação das instituições. Eles eram agressivamente eróticos, com a mesma truculência com que eram republicanos e agrediam o Imperador, chegando até o limiar do socialismo. Portanto, foi um grande instrumento libertador esse Baudelaire unilateral ou deformado, visto por um pedaço, que fornecia descrições arrojadas da vida amorosa e favorecia uma atitude de oposição aos valores tradicionais, por meio de dissolventes como o tédio, a irreverência e a amargura.”

Depois desse momento inaugural, realista-parnasiano, que além dos primeiros baudelaireanos, incluía a poesia meio romântica, mas contida de Luis Delfino e Guimarães Jr, sem falar nos poemas sóbrios e reflexivos de Machado de Assis, escritos em torno dos anos 1880 e depois reunidos em Ocidentais, vieram os grandes representantes do parnasianismo brasileiro propriamente dito, que mais se aproximaram das realizações de Gautier, Banville, Lecomte de Lisle, Heredia e Sully Prudhomme... São eles Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac, seguidos por Francisca Julia. Neles, realizaram-se, com maior ou menor êxito, os preceitos de escola, que caracterizaram uma arte poética da contenção, impessoalidade e recusa do compromisso político-social, bem como da reação aos excessos do lirismo romântico, que punha em primeiro plano as efusões sentimentais e a inspiração às custas do sacrifício da perfeição formal do poema. Daí a defesa de um ideal da arte como útil ou virtuosa, pois seu único propósito é a beleza, conforme a teoria da arte pela arte" de Gautier , ao que se associou a restauração do trabalho árduo e cuidadoso do poeta, muitas vezes comparado ao escultor ou artífice (como se vê com Olavo Bilac) para indicar a força do "material poético". É ainda Bilac quem comparava o poeta a um monge beneditino enclausurado em sua cela e devotado a seu oficio, completamente “longe do estéril turbilhão da rua”. Mas afora esses preceitos de escola, o que, segundo Bosi, caracteriza o parnasianismo de um Alberto de Oliveira é « a fidelidade a certas leis métricas que a leitura de Castilho (Tratado de versificação) e dos franceses mais rígidos como Banville e Heredia pusera em voga e os conselhos acadêmicos de Machado de Assis tinham vivamente estimulado. [...] Com todos os seus limites, porém, Alberto de Oliveira representava algo que ia além dos modismos do Parnaso: aquela mudança de eixo que se operou na poesia ocidental a partir de Gautier e de Baudelaire – da expressão romântica do ego para a invençao formalizante do objeto poético » (p. 250)

No caso de Raimundo Correia, o historiador ressalta «a capacidade de assimilar estilos alheios, dom que lle custou por vezes a pecha injusta de plagiário. Fino tradutor, fez seguir às Sinfonias, os burilados Versos e versões em que dá forma vernácula a poemas de Lope, Byron, Heine, Gautier, Hugo, Lecomte de Lisle, Catulle Mendès, Heredia e Rollinat » (p. 253).

Bilac surge como o mais celebrado representante da escola no Brasil e, mesmo, como “príncipe dos poetas brasileiros”. Dono de uma produção considerável em prosa e verso, sua poesia de impassibilidade parnasiana costitui uma das vertentes, ao lado dos poemas de erotismo espetacular, os de lirismo intimista os reflexivos e o épico, segundo sistematização proposta por Ivan Teixeira. Entre os poemas tipicamente parnasianos, sua « Profissão de fé » chegou a ser equiparada em qualidade, pelo modernista Manuel Bandeira, a “L’Art” de Gautier.

Como escola, o Parnasianismo suplantou o Simbolismo no Brasil e chegou até as primeiras décadas do século XX, quando então foi violentamente combatido pelo Modernismo. Esse prolongamento por um grupo de epígonos denominados de neoparnasianos, é visto como fenômeno particular da literatura brasileira, o que se justifica pelo fato de se afinar com "o estilo das camadas dirigentes, da burocracia culta e semiculta, das profissões liberais habituadas a conceber a poesia como ‘linguagem ornada’, segundo padrões já consagrados que garantam o bom gosto da imitação". Além disso, contribuiu para essa sobrevida e para sua oficialização no país, o fato de a maior parte dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (criada em 1897 segundo os padrões franceses) ser adepta do Parnasianismo, cujo prestígio só veio a enfraquecer depois dos duros golpes que lhes foram desferidos pelos modernistas.


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