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Histórias da Nova Holanda

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A afro-brasileira Juliana em Amsterdã

por Mark Ponte
Com a crescente circulação de pessoas entre a África, o Brasil Holandês e os Países Baixos, pessoas de ascendência africana e brasileira chegavam com cada vez mais frequência na cidade de Amsterdã. Marinheiros negros, mas também serviçais escravizados, como a afro-brasileira Juliana, que após ser adquirida pelo comerciante de açúcar Eliau de Burgos, foi levada para Amsterdã.

Em 1656, Eliau de Burgos fez uma declaração a um tabelião de Amsterdã sobre uma mulher negra fugitiva, chamada Juliana, que ele trouxe do Brasil como escrava. De Burgos planejava partir para a colônia de Barbados e queria levar Juliana como criada. De Burgos disse ao tabelião que a teria comprado ainda menina, em 1643, por 525 florins, e assim, declarou De Burgos, poderia facilmente tê-la vendido no Brasil por uma quantia similar. Contudo, Juliana teria implorado para que ele a levasse junto para a República. Podemos duvidar que isso seja verdade, mas ficou claro que uma vez na República ela não pretendia retornar a uma colônia baseada no trabalho de pessoas escravizadas. Pelo contrário, Juliana agora conhecia, através de moradores de Amsterdã, a legislação vigente ali, que afirma que não há escravidão na cidade, e ela decidiu agir de acordo com a lei e fugir.

Afro-brasileiros em Amsterdã

Com a crescente circulação de pessoas entre a África, o Brasil e os Países Baixos, verifica-se uma maior presença de gente de ascendência africana e do Brasil na cidade de Amsterdã. Alguns chegavam como escravos, outros, contudo, eram pessoas livres, a exemplo de marujos a serviço da Companhia das Índias Ocidentais.

Em 1638, o ex-comandante dos brasileiros, Hans Willem Louissen, veio do Brasil com a esposa, duas filhas e dois “mulatos" no navio De Hollandse Tuin. Em 1639, João Rodriguez Machado deixou o Brasil com a esposa e um negro escravizado no navio Barcque Longe. Simão Correa e sua esposa, Maria da Costa Caminha, deram liberdade em Amsterdã à negra africana Zabelinha e seus filhos, que foram trazidos do Brasil. É uma das poucas declarações formais de concessão de liberdade encontradas nos Arquivos Notariais de Amsterdã. Na escritura, eles afirmaram: “que tinham trazido em sua companhia do Brasil para cá uma escrava nascida na Guiné chamada Zabelinha, que depois haviam enviado novamente aos [supracitados] territórios do Brasil e que o senhor Simão Correa e a senhora Maria da Costa Caminha, sua esposa, tinham dado uma carta de alforria à [acima mencionada] Zabelinha […] e seus filhos.”

Em Amsterdã, uma declaração assim não era necessária, porque formalmente não existia escravidão ali, mas talvez Zabelinha a quisesse para retornar ao Brasil ou à Guiné com seus filhos. Amsterdã tradicionalmente não tinha escravidão, mas justamente no século XVII isso foi incluído de maneira explícita nos livros de “Etiqueta e Costumes” da cidade. A partir de 1644, o capítulo 34 – intitulado "Da Cidade e da condição das pessoas" – contém a determinação: "Dentro da Cidade de Amsterdã, todas as pessoas são livres, e nenhuma Escrava." Uma determinação clara na qual se afirma que a cidade oficialmente não reconhecia nenhum tipo de escravidão, e que todas as pessoas em Amsterdã deveriam ser vistas como pessoas livres. O segundo artigo determinava como alguém poderia reivindicar essa liberdade: “Que todos os escravos que receberem sua liberdade nesta cidade são livres e fora do poder e da autoridade de seus Senhores e Senhoras; e se esses Senhores e Senhoras os quiserem manter como escravos e os fizerem servir contra a sua vontade, então poderão levar esses Senhores e Senhoras perante a Justiça desta Cidade e ali serem oficialmente declarados livres.”


Retrato de mulher negra com colar de pérolas. Cornelis van Dalen (II), após o governo Flinck, 1648-1664 (Rijksmuseum).

A liberdade, portanto, valia teoricamente para todos na cidade, mas ainda exigia algo daqueles que foram mantidos na escravidão. Quem quisesse reivindicar sua liberdade, primeiro tinha que estar ciente dessa legislação; depois teriam que ter a possibilidade de ir até as autoridades, e, por fim, ter um lugar para onde ir depois de ser libertado. O exemplo de Juliana demonstra que as pessoas estavam cientes da lei. Pelo depoimento de De Burgos parece que Juliana foi informada por outros sobre a legislação e então decidiu partir.

Comunidade negra

Em Amsterdã, Juliana talvez tenha entrado em contato com uma pequena comunidade negra que vivia nas proximidades da atual rua Jodenbreestraat. É bem provável que ela tenha ouvido dessas pessoas que em Amsterdã não tinha escravidão. Muitos moradores negros de Amsterdã tinham vivido no Brasil sob domínio holandês por períodos curtos ou longos, em alguns casos como escravos, a exemplo de Juliana, e em outros como soldados.


Dois homens africanos. Rembrand van Rijn (Mauritshuis).

Assim, no domingo, 17 de janeiro de 1659, "Francycks van Angola alferes do Brasil, marido de Sesijelij Krableije [morador] da rua Breestraat na altura da travessa Marcussteegh, sob o Anjo" foi enterrado no cemitério de St. Anthonies de Amsterdã. Francycks, ou Fransisco d'Angola, como era chamado em textos da administração da Companhia das Índias Ocidentais, atuou por alguns anos no Brasil lutando contra os portugueses na posição de alferes de uma “companhia de negros”. Francisco foi um dos africanos que se estabeleceram temporária ou permanentemente em Amsterdã durante o século XVII. Muitos deles, assim como Francisco, tinham um passado de serviços prestados à Companhia. Lijsbeth Pieters e Pieter Claesz Bruijn também viviam naquela área.


Casamento de Pieter Claes Bruijn van Brasil e Lijsbet Pieters van Angola, 6 de novembro de 1649.

Em novembro de 1649, Lijsbeth Pieters, de Angola, casou-se com o marinheiro Pieter Claesz Bruijn, do Brasil. De acordo com a certidão de casamento, Lijsbeth morava na rua Jodenbreestraat. Eles eram figuras importantes nesta pequena comunidade e por isso aparecem com frequência como testemunhas nos livros de batismo da Casa Moyses, mais tarde Igreja de Moisés e Aarão. Lijsbeth foi testemunha no batismo de Lúcia, filha de Bastiaan Ferdinando e Maria; também testemunhou no batismo de Nicolaas e Lucretia, filhos de Emanuel e Brancke Alfonse. Pieter Claes Bruin foi testemunha no batismo de Catarina, filha de Lowys e Esperance Alfonso, que foi batizada no mesmo dia do supracitado Nicolaas. Todos eles eram membros daquela pequena comunidade negra.

Fontes

Atestado de Eliau de Brugos, primeiro de novembro de 1656 (Attestatie Eliau de Burgos, 1 november 1656)

Registro de sepultamento de Francisco de Angola, 17 de janeiro de 1759 (Begraafinschrijving Francisco van Angola, 17 januari 1759. )

Declaração de casamento de Pieter Claes Bruijn do Brasil e Lijsbet Pieters de Angola, 6 de novembro de 1649. (Ondertrouw Pieter Claes Bruijn van Brasil en Lijsbet Pieters van Angola, 6 november 1649.)

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